Wolfsburg, 1946. Atingida por bombardeios durante a Segunda Guerra, a gigantesca fábrica da Volkswagen ia sendo lentamente reconstruída sob a batuta das tropas de ocupação britânicas - era preciso dar o que fazer aos esfomeados habitantes da região. Por esforço e iniciativa do major inglês Ivan Hirst (1916-2000), a operação da fábrica e a produção de automóveis foram retomadas aos trancos e barrancos.
"Para transportar materiais peças na linha de produção, peguei emprestadas algumas empilhadeiras do exército britânico. Um dia, as autoridades disseram 'queremos as empilhadeiras de volta', e Rudolf Brörmann, o gerente da fábrica, entrou em pânico: 'é o fim da produção!' Eu disse 'somos uma fábrica de automóveis, com certeza podemos fazer alguma coisa...' Peguei um chassi de Kübelwagen, instalei uma plataforma na dianteira, coloquei o assento do motorista sobre o motor, acrescentei um volante e isso se tornou o Plattenwagen", contava Hirst.
A reconstrução usou como base fotos de 1946
O motorista ia sentado na traseira, sobre o motor
O Plattenwagen do VW Automuseum é de um modelo mais recente, já com cabine fechada
Nascido como solução de emergência, o exótico Plattenwagen (ou carro-plataforma) se perpetuaria na linha de produção da Volkswagen não só na Alemanha como também no Brasil. Não se sabe exatamente quantos dessas "picapes ao avesso" foram feitas - mas fato é que o último exemplar foi construído em 1973 e ficou em uso até a década de 90.
E mais: Ben Pon, pioneiro revendedor da Volkswagen na Holanda, rascunhou o primeiro esboço da Kombi após ter visto os Plattenwagen em operação na fábrica, em 1947! Em sua agenda, ele inverteu a posição da cabine de modo que o veículo pudesse ser homologado para uso no tráfego. Essa sugestão de Ben Pon fez renascer um projeto patenteado por Ferdinand Porsche em 1941 - e, assim, nasceu o furgão de maior sucesso em todos os tempos.
A agenda de Ben Pon - inspiração para criar a Kombi veio do Plattenwagen
A primeira Kombi (1949)
Apesar de sua importância histórica, os Plattenwagen sempre foram tratados sem cerimônia, como objetos para trabalho pesado. Ao longo dos anos iam recebendo inúmeras modificações e eram usados até o bagaço. Das unidades originalmente empregadas em Wolfsburg restam apenas três sobreviventes, preservadas em museus e já cheias de alterações.
Na recriação foram usados componentes do jipe Kübelwagen
RENASCIMENTO
A novidade nessa história é que o Volkswagen Nutzfahrzeuge Oldtimer (VWNO), grupo dedicado a preservar a memória dos veículos comerciais da marca, decidiu reconstruir o primeiro Plattenwagen da forma mais original possível, como era na década de 1940.
A primeira dificuldade foi que não havia um desenho técnico oficial do carro-plataforma nos arquivos da fábrica, já que o primeiro Plattenwagen foi improvisado às pressas. O jeito, então, foi usar fotos de 1946 como referência para as dimensões e peças aproveitadas originalmente. Um engenheiro da VW usou as imagens e um programa CAD de computador para refazer o projeto de 77 anos atrás.
A estrutura tubular que suporta a plataforma é de canos de água
Motor de 1,1 litro - Na recriação foram usados componentes do jipe Kübelwagen
Os componentes vieram da reserva técnica da fundação Volkswagen AutoMuseum, bem como dos acervos do VWNO e de Christian Grundmann, famoso “arqueólogo” especializado na pré-história da marca (já falamos dele aqui).
O motor de 1.131cm³ e 25 cv utilizado na reconstrução data de 1944 e foi usado originalmente por um VW Typ 82 - o Kübelwagen, jipe usado pelas tropas alemãs na Segunda Guerra. Também dos estoques de peças de “Kübel” vieram o câmbio, as caixas de redução, o eixo dianteiro, o volante, o tanque, as rodas e calotas, os faróis, o velocímetro e até as setas tipo bananinha. Todas essas partes são originais, fabricadas entre 1940 e 1946 - até a buzina é da época e foi mantida com uma linda pátina do tempo.
Painel e volante - Na recriação foram usados componentes do jipe Kübelwagen
Faróis e buzina com pátina de época - Na recriação foram usados componentes do jipe Kübelwagen
A madeira utilizada veio de florestas próximas a Wolfsburg
Com o auxílio do CAD e tendo as fotos antigas como referência, foi possível chegar à exata distância entre eixos do Plattenwagen: 1,90m, ou seja, 50 cm mais curta que a do Fusca e do Kübelwagen. Isso permitia ao veículo fazer curvas em um raio bem fechado, algo fundamental ao movimentar-se dentro de uma linha de montagem.
Já a plataforma para levar cargas media 1,94 m de comprimento por 1,60 m de largura. Um detalhe mostra o cuidado nessa recriação: as madeiras utilizadas na plataforma vêm de uma floresta próxima à fábrica Volkswagen, em Wolfsburg (exatamente como deve ter sido em 1946). Para suportar a plataforma sobre o chassi, há uma estrutura tubular feita com canos de água.
O grupo de técnicos do Volkswagen Nutzfahrzeuge Oldtime recriou o carro-plataforma
A apresentação oficial do “novo-antigo” Plattenwagen será no Techno-Classica 2023, um gigantesco salão de automóveis antigos na cidade de Essen, entre 12 e 16 de abril. O carro-plataforma será mostrado como uma homenagem aos primeiros tempos da Volkswagen sob comando britânico e um tributo à teimosia de seus funcionários e dirigentes, que conseguiram reativar a produção em Wolfsburg nos duros anos do pós-guerra.
Leia também:
VEJA NO CANAL MOTOR1.COM
