Há um espaço de tempo de 21 anos separando o Peugeot 206 do novo e-208 GT. Um de 1998, outro apresentado ao mundo em 2019, chegam ao Brasil pouco depois em ambos os casos. E sabe que eles tem bastante em comum, mesmo bastante diferentes? Suas missões são próximas: apresentar uma nova fase da marca no Brasil e provar do que são capazes ao mercado local, mesmo que de formas bem distintas.
O Peugeot 206 se destacou por design e foi o primeiro da empresa francesa a ser produzido no Brasil, a partir de 2001, e um sucesso que a marca nunca mais conseguiu repetir - até esconde seu sucessor, o 207, na neblina da história da marca. O e-208 GT vem quase na mesma pegada, mas importado da França, 100% elétrico e apresentando o máximo de tecnologia possível para sua categoria, justamente em um momento de virada da Peugeot, agora sob os cuidados da Stellantis.
Meu primeiro carro foi justamente um Peugeot 206 dessa primeira leva nacional. 2001/2002, carroceria 2 portas, motor 1.0 16v emprestado da Renault com 70 cv que sofrerem por alguns anos com um jovem em busca de emoção. Mesmo quando o vendi, em 2009, seu desenho ainda era bastante atual, mesmo com o 207 "made in Brazil" chegando ao mercado. Apesar de ser um popular, até hoje (os poucos sobreviventes) são bonitos diante dos hatches atuais.
Talvez por essa ligação afetiva que gosto da linha 200 da Peugeot - lógico que não contando o 207. O 208 da geração anterior já era um carro bem construído e ia desde a pegada mais esportiva com o GT com o 1.6 turbo de 173 cv até ser o mais econômico do Brasil com o 1.2 aspirado PureTech, um motor espetacular que seria perfeito no novo 208, mas caiu por ser importado da Hungria. O volante pequeno, compondo o i-Cockpit, teto panorâmico e detalhes trouxeram a alma do 206 de volta ao mundo.
O atual 208 trouxe até demais do 206 na versão a combustão, produzida na Argentina. Belo visual, moderno...e o motor 1.6 que estava no 206. Mas já falamos demais sobre ele, o foco é o e-208 GT, uma proposta apaixonante e quase completa com um preço alto, mas dentro do que os 100% elétricos do seu porte estão cobrando nas concessionárias da Fiat, Renault e Mini.
A sua produção é na França. Por fora, o e-208 GT é facilmente diferenciável pelos apliques nos para-lamas, as rodas de 17" com pneus 205/45, as lanternas de LEDs e algumas inscrições específicas da versão elétrica na traseira e nas colunas C. No restante, é praticamente o mesmo carro, inclusive os faróis fullLEDs, teto-solar panorâmico e até mesmo o bocal de abastecimento é o mesmo nos dois, na traseira esquerda, um com tomada, outro com entrada de combustível. A cor amarela chama a atenção, mas ele pode ser comprado em cores mais discretas.
Pela plataforma CMP já ser preparada para a eletrificação, não temos grandes mudanças técnicas. O motor elétrico e outros componentes estão sob o capô, até enganando como um combustão quando está com a sua capa. As baterias foram para o lugar do tanque de combustível, com capacidade útil de 45 kWh, então temos o mesmo espaço interno e porta-malas do 208 comum - que não é lá muito exemplar...
Por uma coincidência, peguei um Peugeot 208 1.6 na troca do e-208. Foi uma ótima oportunidade para perceber alguns pontos entre eles, muitos deles interessantes. Primeiro, confirmou que o 208 a combustão tem uma boa base e construção, mas lhe falta motor. O e-208 tem 136 cv e 26,5 kgfm de torque entregues imediatamente, como normal em um carro elétrico. É a reunião de uma boa plataforma com finalmente boas respostas.
Afinal, o 208 tradicional tem um bom trabalho de suspensão e direção. No elétrico, pelas rodas de 17" com pneus runflat e maior peso pelas baterias (são 287 kg a mais), ele bate um pouco mais seco, mas menos que o esperado para um carro europeu e pneus de perfil baixo. A direção elétrica é direta, como no tradicional, e vai de leve para manobras a boas respostas em velocidades mais altas.
A diferença aparece realmente nas respostas do motor. O e-208 entrega o que o tradicional não tem e casa muito bem com o restante do conjunto do carro. Em nosso teste, acelerou de 0 a 100 km/h em 8,5 segundos, melhor que os 8,6 s do 500e e os 9,2 s do Zoe, mas mais alto que os 7,4 segundos do Mini SE e seus 184 cv. As retomadas seguem o mesmo padrão, melhores que do Zoe e 500e, mas piores que do britânico.
Quando falamos em autonomia, o e-208 marcou 7 km/kWh em ciclo urbano, ou 315 km de autonomia considerando seus 45 kWh úteis, ante os 320 km do 500e, 208 km do Mini e 375 km do Zoe. Na estrada, 5,2 km/kWh, ou 234 km de autonomia - 250 km do Fiat, 182 km do Mini e 306 km do Renault.
O Peugeot 208 tem o i-Cockpit, aquela combinação de volante com menor diâmetro que os tradicionais e painel de instrumentos elevado. Seu painel aliás é a tela com efeito 3D, que chama a atenção de todos que entram no Peugeot, e tem boa leitura. Esse conjunto, aliado aos bancos esportivos com Alcantara ao centro, vestem um conjunto no e-208 que apenas o Mini Cooper SE tinha me dado na categoria.
Um carro que conversa com o motorista. Todo o pacote do e-208 te apresenta um prazer ao dirigir que alguns outros não tem nessa categoria. Mesmo como um carro elétrico, sua calibração deixa o hatch entrar e sair de curvas de forma que até compensa não ser tão potente. Mais uma vez: boa plataforma com boas respostas - quando que o 208 normal terá o 1.0 turbo da Stellantis, com 130 cv? Por favor, Stellantis...
Nos momentos "de paz", deu para reparar melhor no acabamento do e-208 GT. Apesar de quase o mesmo visual do 208 tradicional, o painel é em soft touch, apesar que se você não for tocar, nem vai perceber a diferença pro 208 argentino, pois a qualidade de montagem é a mesma. O francês tem alguns botões a mais, sensíveis ao toque, junto aos que já existem em forma de tecla de piano ao centro, e a central multimídia tem uma tela de 10", melhor aproveitando o espaço elevado, voltado ao motorista, e LEDs decorativos.
O francês também tem a alavanca de câmbio eletrônica herdada do 3008, freio de estacionamento eletrônico e seletor de modos de condução (Eco, Normal e Sport). Tem piloto automático adaptativo, assistente de faixa que centraliza o carro realmente na faixa, alerta de colisão com frenagem automática e alerta de ponto-cego. Um pacote tecnológico completo, confesso que só senti falta de um sistema de som assinado por alguma marca premium, mas talvez frescura minha.
O mais comum dos hatches elétricos? Se Zoe tem visual dele, o Fiat 500e também, o Mini Cooper SE e o Peugeot e-208 GT são os únicos que, se não for por detalhes, não são tão diferentes das versões a combustão. O Peugeot, na verdade, é até mais utilizável por ter 4 portas, um espaço "ok" no banco traseiro (que até o tradicional tem) e porta-malas de 265 litros. Na hora da recarga, ele aceita desde tomadas tradicionais (1,8 kW) até portas rápidas de 100 kW, demorando de mais de 24 horas a 30 minutos para ir de 0 a 80% de carga.
Entre essa turma de hatches elétricos, o Peugeot e-208 GT é uma das propostas mais interessantes. É mais caro que o Zoe, por R$ 244.990, mas tem mais tecnologia embarcada. Diante da turma das 2 portas, oferece mais usabilidade, mesmo que seu espaço interno não seja o maior. E entrega que seu irmão a combustão precisa de um motor decente urgente, já que a base é a mesma.
E não é por causa do meu afeto com meu antigo 206, que nem sei se está vivo ainda - final da placa era 7182, se o ver por aí. É pelo próprio e-208 GT, que tem que mostrar onde a Peugeot quer chegar com a eletrificação, nova administração e uma proposta atual. Não terá nem de perto do volume do saudoso 206, mas sua missão é quase a mesma, ou até mais complicada. Qualidades para isso ele tem.
Fotos: Mario Villaescusa (para o Motor1.com)
Peugeot e-208 GT
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