Como diria o famoso chef francês Erick Jacquin, um dos três jurados do Masterchef Brasil, comida tem que ter "tômpero". E quando o assunto é temperar um hatch esportivo, as receitas francesas costumam ser das melhores do mundo - tanto que Peugeot 205 GTi foi eleito o melhor hot hatch da história numa recente pesquisa com jornalistas europeus de renome. Pois o que temos no menu de hoje aqui no CARPLACE é de dar água na boca: dois franceses apimentados para satisfazer o paladar esportivo dos clientes brasileiros. Numa mesa, o novo Peugeot 208 GT, descendente direto do 205 GTi. Na outra, o Sandero RS, o sabor mais apurado que já experimentamos nesta categoria até agora. Qual o mais apetitoso? Esta disputa também poderia incluir uma receita italiana que ainda agrada muita gente, o Punto T-Jet, mas a "nona" Fiat deixou de oferecer o prato em seu cardápio 2017 - ficou caro importar o ingrediente principal, o motor 1.4 turbo, da Europa com o dólar nas alturas. Sem lágrimas: o Sandero RS já havia desbancado o T-Jet num recente "Hell's Kitchen" promovido pela gente (veja aqui). Desta vez vamos finalmente experimentar o 208 GT, aguardado desde 2012, quando a Peugeot mostrou o conceito 208 GTi no Salão do Automóvel. Começando pelo prato estreante, vemos que a base da receita é bem interessante: o 208 encanta aos olhos desde a versão básica, enquanto o painel com quadro de instrumentos elevado e o volante pequeno deixam a experiência toda mais lúdica. A posição de dirigir instiga uma condução esportiva, e os ingredientes que faltavam chegaram no GT. Na versão 1.6 aspirada, o 208 tem motor fraco em baixa e um câmbio de engates longos que tira um pouco do sabor da tocada. No GT, o ingrediente principal é o conjunto motor-câmbio formado pelo conhecido 1.6 THP (turbo de injeção direta) aliado à transmissão manual de seis marchas, com engates melhores que a de cinco velocidades das versões aspiradas. Para temperar, a Peugeot adicionou belíssimas rodas aro 17", grade  e retrovisores pretos, spoiler traseiro e saída dupla de escape. Por dentro, o quadro de instrumentos recebeu borda com iluminação vermelha (que pode ser desativada para quem achar muito "over"), acabamento imitando fibra de carbono e uma faixinha vermelha no volante que indica o centro da direção - recurso vindo dos carros de rali. Na mecânica, temos recalibração da direção elétrica e enrijecimento de molas e amortecedores. Na primeira garfada, o sabor do turbo é intenso. Como nos demais carros equipados com o THP, o 208 arranca com vontade e deixa os 100 km/h para trás em apenas 7,9 segundos (de acordo com as nossas medições). Há um ligeiro lag abaixo de 1.500 rpm, mas que é logo superado, bastando uma pisadinha um pouco mais intensa no acelerador nas saídas. Conforme vamos degustando o GT, porém, percebemos que ele é mais suave do que prometia no cardápio. Não que falte brilho ao ingrediente principal, o motor, mas é que os chefs da Peugeot optaram por fazer um esportivo que fosse apimentado ao acelerar, mas confortável de conviver no dia-a-dia. Em menor escala que no 2008, parece que pegaram o 208 aspirado e instalaram um motorzão, sem que os demais parâmetros fossem ajustados à altura. Vejamos: a suspensão é mais firme que a do 208 normal, mas continua macia; a direção tem um pouco mais de peso, mas continua leve e carente de feedback. Os freios são fortes, mas falta sensação no pedal. Não estamos dizendo que o GT decepciona num trecho de curvas, ou mesmo num track day de autódromo, a questão é sobre compromisso. Para uso diário, o GT é forte, confortável e refinado na medida para ir ao trabalho e sair para jantar. Em uso esportivo, porém, eu pediria um pouco mais de carga nas molas, uma direção mais comunicativa e um pedal de freio mais firme. Tudo aquilo que adoro degustar no RS. Coloque o GT e o RS numa hipotética largada e o Renault não terá a mínima chance: são 173 cv e 24,5 kgfm debaixo do capô do 208 contra 150 cv e 20,9 kgfm do Sandero. Mesmo ele sendo cerca de 30 kg mais leve, fica bem para trás nas saídas (9,1 s de 0 a 100 km/h) e não consegue buscar o rival até que apareça um trecho de serra pela caminho. Mas, em termos de sensações, é o cara do RS que vai estar com o sorriso mais aberto. A receita do RS parte de um prato simples trivial conhecido por muitos brasileiros: o robusto e espaçoso Sandero. No entanto, o RS carrega a humildade de sua base no acabamento e materiais, bem mais simples que os do 208 - especialmente o refinado GT. Tudo que a Renault não gastou nesta parte, porém, ela colocou no que interessa: você dirige o RS e não diz que está num Sandero - os caras de Renault Sport mexeram de VERDADE no hatch. A começar pela posição de dirigir, com um banco baixo tipo concha que te segura e um volante exclusivo com direção eletro-hidráulica. Na parte mecânica, um swap: sai o 1.6 8V do Sandero, entra o 2.0 16V do Duster acompanhado do câmbio manual de seis marchas com relações extremamente curtas para ganhar agilidade. Mas o que impressiona no RS é o sabor apurado dos temperos que foram colocados na suspensão, bem mais firme que a do Sandero comum, e na direção, que possui rapidez na medida e excelente feedback. A receita ficou tão boa que a gente começa a acelerar e já se pergunta porque a Renault não colocou de vez o motor 2.0 turbo do antigo Fluence GT, de 180 cv, para fazer do RS o dono das ruas. Não que falte desempenho do jeito que está, mas é preciso trabalhar bem o câmbio porque suas relações são tão curtas que ele pede trocas de marcha a toda hora. Na estrada, a sexta enche tão rápido que a gente procura uma sétima às vezes. Curvas? O RS devora com farinha. A carroceria inclina pouco (menos que a do 208) e a direção conta mais sobre a aderência dos pneus, o que inspira confiança. O GT acompanha o pique ajudado pelo motorzão, mas a verdade é que não oferece a mesma intensidade para quem o dirige. Outra coisa que atiça no RS é o ronco do motor 2.0, bem trabalhado para instigar a audição em alta, enquanto a Peugeot preferiu ser discreta e abafou o ronco do 1.6 THP. Se eu comprasse o 208, ele ganharia molas esportivas (tem kit pronto da marca Eibach) e um novo escape. Mas o que estamos procurando aqui é sabor, e nisso o RS ainda continua imbatível. Ele diverte numa ida a padaria ou num track day. É um prato saboroso de um restaurante simples, que faz você virar freguês. Já o 208 GT é como um restaurante mais refinado e chique, no qual a comida é bem feita, mas o ambiente não é tão divertido. E a conta é bem mais salgada: R$ 78.990 contra R$ 61.509. No fim, deixo os 10% do garçom para a Renault. Texto e fotos: Daniel Messeder

Peugeot 208 GT

Motor: dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, injeção direta, turbo e intercooler, 1.598 cm3, flex; Potência: 166/173 cv a 5.750 rpm; Torque: 24,5 kgfm a 1.000 rpm; Transmissão: câmbio manual de seis marchas, tração dianteira; Direção: elétrica; Suspensão:independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira; Freios: discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira, com ABS; Rodas: liga-leve aro 17″ com pneus 205/45 R17; Peso: 1.196 kg; Capacidades: porta-malas 285 litros, tanque 55 litros; Dimensões: comprimento 3.975 mm, largura 1.702 mm, altura 1.472 mm, entreeixos 2.541 mm

Medições CARPLACE

Aceleração 0 a 60 km/h: 3,8 s 0 a 80 km/h: 5,5 s 0 a 100 km/h: 7,9 s Retomada 40 a 100 km/h em 3a marcha: 6,7 s 80 a 120 km/h em 4a marcha: 6,3 s Frenagem 100 km/h a 0: 37,0 m 80 km/h a 0: 23,6 m 60 km/h a 0: 13,3 m Consumo Ciclo cidade:  8,0 km/l Ciclo estrada: 10,2 km/l

Renault Sandero RS

Motor: dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.998 cm3, comando duplo, flex; Potência: 145/150 cv a 5.750 rpm; Torque: 20,2/20,9 kgfm a 4.000 rpm; Transmissão: câmbio manual de seis marchas, tração dianteira; Direção: eletro-hidráulica; Suspensão:independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira; Freios: discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira, com ABS; Rodas: liga-leve aro 17″ com pneus 205/45 R17; Peso: 1.161 kg; Capacidades: porta-malas 320 litros, tanque 50 litros; Dimensões: comprimento 4.068 mm, largura 1.733 mm, altura 1.499 mm, entreeixos 2.590 mm

Medições CARPLACE

Aceleração 0 a 60 km/h: 4,2 s 0 a 80 km/h: 6,6 s 0 a 100 km/h: 9,1 s Retomada 40 a 100 km/h em 3a marcha: 7,1 s 80 a 120 km/h em 4a marcha: 6,3 s Frenagem 100 km/h a 0: 37,6 m 80 km/h a 0: 23,4 m 60 km/h a 0: 13,0 m Consumo Ciclo cidade:  6,5 km/l Ciclo estrada: 9,3 km/l

Galeria: Teste CARPLACE: Peugeot 208 GT Vs. Sandero RS, qual a receita mais apetitosa?

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