Independente da sua idade, algumas coisas desafiam sua maturidade. Se você é apaixonado por carros, principalmente os esportivos de verdade, o BMW M3 Competition é um desses grandes desafios, pronto para te provocar, ser uma péssima influência e, se não tomar cuidado, até dar uma passadinha na delegacia mais próxima.
Não, não fui preso com o BMW M3. Mas minha consciência dizia que tudo era possível com aquele sedã, principalmente quando se ganha confiança. De um certo medo pelo comportamento "suicida" dele no começo, chegamos ao ritmo de uma largada com o Launch Control quase por semáforo na noite paulistana. Entenderam a questão da maturidade?
Sedã comportado? Fique com o 320i
Este é o BMW M3 G80 Competition Track. Apresentado em 2021 no Brasil, tive a sorte (e obrigado, BMW) de passar algumas semanas com ele. E foi justamente a do Natal, como um presentão do Papai Noel alemão, praticamente perfeita para ter um sedã desses na garagem. Preciso ir ao mercado? M3. Preciso ir ao shopping? M3. Preciso arrumar alguma desculpa pra sair de casa? M3. Não a toa que foram 600 km rodados em alguns dias.
Não me venha com o papo de "se não fosse a cor, passava por um Série 3 normal". Nunca! Do sedã tradicional, temos apenas portas, vidros, lanternas traseiras e tampa do porta-malas. O M3 é mais largo, ficando muito claro isso pela traseira bem mais imponente. O teto é em fibra de carbono, por isso não tem teto-solar - o que não reclamo nem um pouco de ter sido trocado.
"Ah, mas essa grade...". Tudo bem, a grade dianteira do M3 é o ponto polêmico, mas já deu. Deu tempo de acostumar com ela e entender sua função. O BMW M3 tem radiadores para o motor, para o câmbio, intercoolers para os dois turbos...e precisa entrar ar para resfriar toda essa turma. Nada é um enfeite. Os freios precisam de dutos para resfriamento, além de própria aerodinâmica aprimorada no novo M3, com um coeficiente de 0,33 cx. Até mesmo o charmoso spoiler traseiro na tampa, em fibra de carbono, tem sua função, assim como o extrator traseiro também em material nobre emoldurando as 4 saídas de escape.
Nada disso adiantaria estar no M3 se faltasse motor. O M3 Competition usa o S58B30T0, um 6-cilindros em linha biturbo, 3.0, projetado para ter até mais que os 510 cv e 66,3 kgfm que ele entrega aqui. Já seria naturalmente brutal e a BMW ainda coloca o M3 no Brasil disponível apenas com a tração traseira e câmbio automático de 8 marchas fornecido pela ZF e seu diferencial traseiro com blocante que tem 10 níveis selecionáveis pelo motorista.
Me respeita, rapaz
O BMW M3 não é um esportivo que aceita desaforo. Metido, ele faz questão de te assustar se achar que você é abusado e confiante demais. Tá se achando macho pra caramba e vai afundar o pé no acelerador por qualquer coisa? Tome uma leve rabeada pra ficar esperto. Quer entrar na curva "de lado"? Tome outra rabeada pra ficar mais esperto ainda e aprender a respeitar a máquina.
Obviamente que ele pode ser seu melhor amigo depois que se entenderem. Além de uma suspensão exclusiva com amortecedores adaptativos e diversas amarrações estruturais, você pode afinar o M3 conforme seu gosto. Na tela central, há modos programados para o motor, direção, suspensão, freios e controle de tração e estabilidade, além de 3 modos no câmbio, selecionável pela própria alavanca.
O M3 não "se comportou" muito bem nos primeiros dias. A sensação de piloto de corrida pelos bancos conchas em fibra de carbono fica amansada com cada susto que o M3 te dá ao achar que ele é totalmente simpático. Ao menos aproveitei para andar na boa e perceber que ele é um sedã normal se levado assim, com espaço no banco traseiro, porta-malas de 480 litros com abertura e fechamento elétricos e até assistentes de condução bastante inteligentes. Quase um 320i M Sport que ronca bonito, muito bonito...
O "problema" começa quando a confiança vem. Eu e o "M" já estávamos mais íntimos e aí começamos a explorar. Trave a suspensão e ele já não te assusta tanto ao afundar o pé, assim como o diferencial traseiro ajuda a seguir uma linha reta, mas ainda com um pouco de desafio aos braços. Coloque o motor no Sport ou Sport Plus e o ronco muda totalmente, assim como seu comportamento.
Se ele já era nervoso, fica ainda mais. Qualquer toque no acelerador ele reduz duas marchas e quer subir no carro da frente como quem diz "SAAAAI!". No modo manual, pelas aletas em fibra de carbono no volante, as trocas do ZF são semelhantes a um dupla embreagem, sem dever nada, e ele vai até o corte do motor nesse modo, sem trocar. Chega a ser viciante o ronco, fazendo aquele confiante piloto jogar marcha só pra ouvir a sinfonia do 6-cilindros biturbo gritando. E vamos ganhando confiança.
Um trecho de estrada sinuoso numa madrugada mostra que o M3 Competition engole curvas como um esportivo. A traseira é viva, mas te ajudando a entrar e sair com uma leve correção no volante. Fácil de se jogar, também se torna fácil de se controlar quando vocês se entendem, o que não acontece tão rápido assim. Mas como já estávamos "amigos", o M3 se encaixou bem ao que eu queria - só não permitiu desligar nem ao menos 1 nível no controle de estabilidade, já que ele já quis me mostrar o lado errado da curva assim que aliviamos as assistências.
As rodas são de 19" na dianteira, com 9,5" de largura e pneus 275/30, enquanto a traseira calça 20"x10,5" com 285/30. Eles ajudam bastante nessa missão, mas destaque para o sistema de freios de carbono-cerâmica com atuação eletrônica. Não há um servofreio, mas atuadores que variam a respostas conforme o modo selecionado e, no Sport, responde de pronto a qualquer comando, além do sistema em materiais nobres não sofrer para parar o sedã de 1.730 kg - no nosso 100 km/h a 0, foram 35,6 metros, sem sinais de fadiga mesmo quando mais exigidos por muito tempo.
Sua pior influência
O que esperar de um carro que tem até Drift Analyser? O M3 Competition é aquele seu amigo que sua mãe nunca deixaria você andar com ele se o conhecesse. Quando está na sua casa, é um santo, mas só ter a oportunidade certa que já quer fazer coisas erradas.
No caso do M3 Competition, o controle de largada é um espetáculo. O ronco, os turbos enchendo e como ele é lançado com uma traseira levemente viva é um pouco viciante pela adrenalina. No nosso teste, um 0 a 100 km/h em 3,8 segundos, ou 0,1 s a menos que a BMW divulga. Só que ele não deixa você fazer dois seguidos pela temperatura da transmissão, mas com o controle de tração já desligado, você descobre que ele faz fumaça...
A maldita confiança. Dias depois, já estava usando o carro com o motor no modo Sport, suspensão travada, freios no Sport e me sentindo com 18 anos novamente. Uma saída de traseira leve aqui, um controle de largada ali, uma esticadinha na estrada...chega! Uma hora eu mesmo me disse que não seria saudável mais alguns dias com o BMW M3 na minha garagem. Já tinha virado amigo dos frentistas do posto também, apesar de boas médias de consumo para um carro dessa potência.
O melhor esportivo para se comprar? Como desafio, sim. Eu demoraria pelo menos uns 3 meses até me entender completamente com o M3 Competition e mais uns 6 meses até ter coragem de colocar algo a mais no motor. O Porsche 911, por exemplo, mesmo na versão Turbo S ou GT3, são mais rápidos e na mão e com um limite mais além para as pistas, mas o quão o M3 é desafiador vai bem além, além de uma "arma" para a bagunça. É um carro para quem busca adrenalina, não tempo de volta. Teria na garagem? Sim, mas com uma dose de controle psicológico e, talvez, o telefone do advogado na discagem rápida...
Fotos: Rafael Munhoz (para o Motor1.com)
BMW M3 Competition Track