Confesso que quase chorei ao ver a garagem do Motor1.com tão bem enfeitada. Lado a lado, Porsche 911 GT3 e o 718 Cayman GT4, versões que já apontam para as pistas dos dois esportivos alemães. Lógico que as cores não seriam (nem poderiam ser) discretas, colorindo as ruas com o Shark Blue e o Python Green. E quando chegamos com eles na pista do Haras Tuiuti? Era um sonho.
Este é um especial, um presente do Motor1.com a você, nosso leitor. Em anos difíceis para todos como os de 2020 e 2021, é uma forma de deixar as coisas ruins para trás, relembrar as boas e seguir o jogo para 2022, que promete ser um ano e tanto para a indústria automotiva e para todos nós. Considere isso um presente. E vamos aos Porsche!
Se você encara a linha 718 como "apenas" a entrada entre os esportivos da Porsche, quem dera todo modelo de entrada fosse como ele. As versões civis já são extremamente equilibradas, mesmo sem um show de potência, mas se aproveitam do motor central-traseiro para uma dinâmica que já encanta quem não tem a grana pro 911 - hoje, um 718 Cayman pode ser comprado por R$ 455.000, enquanto o 718 Boxster pode ser comprado novo por R$ 475.000.
Quando falamos de GT4, como todos os GT da Porsche, já temos um carro bem modificado. Seu projeto olha para o uso em pistas, sem esquecer das ruas, e até o motor é outro. O 718 GT4 troca os motores de 4-cilindros turbo pelo 4.0 aspirado, 6-cilindros boxer, aspirado, um dos sobreviventes da onda turbo desse mundo. São 420 cv, com pico a 7.600 rpm - sendo que o limitador do motor é a lindas 8.000 rpm - e 42,8 kgfm de torque a 5.500 rpm.
O 718 GT4 já apresenta características de corrida pelo motor. Injeção direta, comandos variáveis, cárter seco (o óleo não fica junto do motor, mas em um reservatório separado, que é bombeado ao motor) e sistema de escapamento esportivo exclusivo. Sim, tem a opção de câmbio manual de 6 marchas (que eu já dirigi e é espetacular!), mas só está disponível no Brasil com o PDK de 7 marchas e tração traseira, a não ser que você conheça alguém que consiga o importar diferente disso.
E não foi um trabalho simples fazer o restante do 718 GT4. A suspensão dianteira vem a geração anterior do 911 GT3, com amortecedores adaptativos Porsche Active Suspension Management (bonito nome, hein...), além da altura reduzida em 30 mm na comparação com os demais 718. Na traseira, um sistema desenvolvido exclusivamente para este GT4 e tudo isso pode ser regulado pelo próprio dono: cambagem, altura e rigidez das barras estabilizadoras são ajustáveis manualmente, como um carro de corrida. Os freios também são do GT3 anterior, mas podem receber opcionalmente o conjunto de carbono-cerâmica.
Na teoria, tudo é lindo. Na prática, é espetacular. Poderia até o julgar por ser um GT "de entrada" da Porsche ou por não ser um projeto necessariamente novo na marca, mas não tem como. As mudanças na carroceria, como o aerofólio traseiro e os apliques aerodinâmicos aumentam o desejo do GT4, mas é a relativa simplicidade do interior que encanta já ao abrir as portas.
Ali está um banco concha fixo, que te abraça dignamente - e nessas horas agradeço por ter 1,65 m de altura. Ele só pode ser regulado em altura eletricamente, sendo o resto na mão. Que vontade de tirar do 718 e colocar no meu carro, pra ter essa experiência todos os dias. O volante em Alcantara é simples, sem comandos extras além das aletas para as trocas de marchas. Até a maçaneta interna foi trocada por uma charmosa fita.
Até podemos criticar o 718 por sua simplicidade, que entrega sua idade, principalmente no painel de instrumentos com o grande conta-giros e apenas uma tela simples na lateral direita. Mas os analógicos, como o velocímetro no lado esquerdo, são um charme completo no GT4. A chave é colocada no lado esquerdo do volante, como tradicional, e liga um dos mais legais carros que já tive o prazer de dirigir.
Na cidade, ele é duro, baixo e se comporta como se até encarasse aquilo, mas não é seu ambiente favorito. Ele só quer sair da garagem com um destino certo, apesar de ter ar-condicionado de duas zonas e até central multimídia com Apple CarPlay. Tem dois porta-malas, cabe algumas coisas, mas apenas 2 pessoas. Quer algo diferente? Não olhe pra um GT4, fique com os 718 "normais" ou um Cayenne.
Na pista, ele respira aliviado. E como respira. Nem sei o motivo pelo qual alguém coloca um seletor de ronco em um carro desse - deixei o escape aberto o tempo todo, mesmo na cidade. Como é lindo ouvir uma sinfonia se aproximando da faixa vermelha do conta-giros ao centro do painel e ganhando velocidade - chegou aos 100 km/h em apenas 3,9 segundos, com um controle de largada que remete a um...carro de corrida.
O 718 em si já é um bom carro. O motor em posição central-traseira equilibra as respostas e, mesmo quando muito provocado, ele não quer sair dos trilhos. No GT4, passa um excesso de confiança ao pseudo-piloto que se encaixou naquele banco concha, mas ainda alerta com saídas de frente quando passa do limite. Nada que tira um pouco o pé do acelerador não resolva facilmente. A suspensão é perceptivelmente calibrada para aquilo, assim como a direção extremamente educada. As rodas de 20" calçam pneus 245/35 na dianteira e 295/30 (!) na traseira.
No Haras Tuiuti, o GT4 estava feliz. No miolo, com curvas fechadas e bem técnicas, era brincadeira de criança para um carro nascido para Nürburgring, apesar de alguns alertas de certos excessos. Alguma eletrônica entra, como um vetorizador de torque, mas deu para suar um pouco em algumas voltas. Por mim, o Mario Villaescusa nem teria feito as belas fotos com o carro parado, eu só queria andar, andar e andar. Como apagar este brilho? Só com o 911 GT3...
Assumo que o 911 é meu carro referência. Nesta geração 992, já andei com o Carrera S e com o Turbo S e não acho defeitos nesta geração do icônico german. Mas o 911 GT3 foi um dos maiores desafios que colocaram em minhas mãos. Imponente, me provocou desde o primeiro dia com seu enorme aerofólio e detalhes que só ele tem. Eu sabia que ali estava um 911 de corrida que, por acaso, tem placas para andar na rua.
Como a Porsche fez um 911 melhor que o 911? Com peças do 911. Calma, vamos lá. O 911 GT3 muda consideravelmente para o que encontramos normalmente nas ruas. Apesar do 992 já ter uma engenharia absurda envolvida, os alemães foram bem além pro GT3 e para isso invadiram o estoque da divisão de competições e "roubaram" algumas peças.
Tudo começa pelo motor. É o único 992 que não foi para o mundo do turbo. Agradecemos por ter a oportunidade de ver, provavelmente, um dos últimos esportivos aspirados de nova geração, já que o máximo de eletrificação que ele tem é a bateria 12 volts tradicional. O motor é o boxer de 6-cilindros 4.0, vindo praticamente pronto do GT3 Cup, com 510 cv e 47,9 kgfm de torque. A melhor parte? Pico de potência a 8.400 rpm, com redline a 9.000 rpm! Tem injeção direta de combustível e 6 borboletas de admissão individuais. Como o 718 GT4, tem cárter seco, que já expliquei o que é e para o que serve.
Mais uma vez, não foi só trocar o motor. Para ser um GT3, tinha que andar como um carro de corrida, até mais que o 718 GT4. A suspensão dianteira, pela primeira vez em um 911 de rua, não é McPherson na dianteira. Vinda das pistas, a arquitetura de Duplo A na dianteira, com componentes em uniball. O que muda? É mais resistente a variações na pista, mantendo a geometria em curvas e ondulações e melhores respostas e reações. Na traseira, o multilink recebe novos componentes e, de fato, o GT3 não divide nada de suspensão com as outras versões.
Na carroceria, ele é 4,8 cm mais largo que um Carrera na dianteira para abrigar a nova suspensão e bitolas. As rodas são forjadas, de 20" na dianteira e 21" na traseira. Materiais leves estão no capô, aerofólio e alguns apliques, um composto de fibra de carbono com plástico e os próprios vidros do GT3 são mais finos, leves. A aerodinâmica está presente desde as entradas de ar extras no capô até o aerofólio, um dos charmes do GT3 e completamente funcional. Nada é enfeite.
Na cidade, ele até tenta ser amigável com um lift, sistema pneumático que ergue a dianteira ao apertar de um botão para não raspar na entrada da garagem ou lombadas. Mas toda aquela engenharia que colocou componentes de carro de corrida no GT3 com certeza não foi pra casa com esse carro. É possível saber qual moeda você passou por cima na rua de tão comunicativo que ele é, o que é bom na pista. Tem seletor de modos de condução, para fingir ser um carro normal, mas não é.
E de fato, que comunicação. Se o 718 GT4 tinha brilhado, o GT3 foi além. A Porsche até tirou uma marcha do câmbio PDK do 911, economizando peso - aqui são 7 marchas, com uma relação "trepada", uma marcha na outra. Afunde o pé, reduza algumas marchas e veja o velocímetro chegar a números que fariam sua habilitação explodir se estivesse na rua. Mesmo no Haras Tuiuti, uma pista curta, foi possível beliscar os 200 km/h sem esforço.
Ao mesmo tempo, é um carro extremamente sensorial. O que isso significa? Não há muito isolamento acústico. Dá para ouvir o belo motor aspirado desde a marcha lenta até magnificas 9.000 rpm berrando logo atrás de você, sem filtros, passando todas as vibrações possíveis para a cabine. A transmissão não faz nenhuma questão de ser silenciosa, pelo contrário. Dá para ouvir cada engate, além de um tranco nas trocas mais rápidas, e o barulho dos pneus e suspensão segurando a onda disso tudo. Acredite, isso é algo que está ficando raro.
Acelera de 0 a 100 km/h em 3,5 segundos, em nosso teste, brigando com os pneus por grip. Mas diferente do GT4, ele te provoca e aceita ser provocado. Mesmo com os controles de tração e estabilidades ligados, o GT3 quer atravessar na curva e permite que você faça isso, basta ter confiança. Como é ridículo a forma com que ele aponta na saída da curva, ganha velocidade e te faz suar encaixado naquele banco concha. A forma como ele aceita seus comandos também são únicos, desde direção e freios, até acelerador e transmissão. Equilibrado, tentando te levar ao além, um carro de corrida e o melhor 911 já feito - o 911 Turbo S até anda mais, mas...
Meu inimigo que amo? Desafiador colocar um GT3 na pista como ele merece. Acabamos nos entendendo depois de algumas voltas, mas a tensão foi tanta que tive que tomar um bom relaxante muscular quando cheguei em casa - talvez por culpa das nossas ruas também, não preparadas para um carro quase de corrida. Não são todos os dias que tenho em minhas mãos uma peça limitada e que ultrapassa os R$ 1.100.000. Mais uma vez, um carro de corrida que, por acaso, tem placas, ar-condicionado e sistema multimídia e algum porta-malas. Que ronco, que dinâmica...de longe, o melhor carro em que coloquei as mãos, mesmo me desafiando e muito.
Juro que não sei julgar qual levaria pra casa. O 718 GT4 já é uma máquina daquelas que não venderia por nada. Custa R$ 705 mil e pode se posicionar como um bom carro para track days e, em alguns dias, ir ao trabalho sozinho. Já o 911 GT3 é um desafio enorme, que exige uma perícia maior, apesar da sua tocada praticamente perfeita e um motor aspirado girando 9.000 rpm. Quer um? Entra na fila de espera de um bom tempo e separe os mais de R$ 1 milhão.
E pensar que a Porsche apresentou recentemente o 718 GT4 RS, o GT4 com o motor do GT3 e melhorias. Aceito ele também. Mas no fim desse longo texto, sei de uma coisa: se 2022 for como foi esse único dia com essa dupla, muita coisa promete! Feliz 2022 a todos nós!
Fotos: Mario Villaescusa (para o Motor1.com)
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