Já se foi o tempo que os carros coreanos precisavam provar alguma coisa em termos de qualidade. Quando os primeiros deles chegaram ao Brasil, nos anos 1990, a tática era a mesma hoje usada pelos chineses: entregar mais equipamentos a um preço menor. Com o tempo veio a maturidade, um padrão de design e já há alguns anos o Grupo Hyundai-Kia atingiu um nível igual (ou melhor) que a maioria das marcas ocidentais. 

A Kia ia muito bem no Brasil até o regime Inovar Auto, que supertaxou os importados e praticamente obrigou as marcas estrangeiras a construírem fábrica no Brasil se quisessem vender por aqui - exceto para quem tivesse volume muito baixo. Como a Hyundai tinha se instalado recentemente em Piracicaba (SP), a Kia seguiu como marca importada nas mãos do Grupo Gandini. Dos 70 mil carros vendidos em seu melhor ano, porém, a marca viu seu volume no país minguar para menos de 10 mil unidades em 2019. 

Mas Gandini não se deu por vencido e agora, aproveitando que a Kia abriu uma fábrica no México, passou a trazer de lá a nova geração do Cerato e, a partir do fim de janeiro, também trará o novo Rio. Sem pagar Imposto de Importação, tanto o sedã quanto o hatch chegam em condições de enfrentar os rivais nacionais com preço mais competitivo. À venda desde setembro de 2019, o novo Cerato 2.0 está disponível em duas versões com valores abaixo de Toyota Corolla e Honda Civic de entrada e intermediários, respectivamente: EX a R$ 94.990 e SX a R$ 104.990, sendo esta última a que testamos nesta reportagem. 

Estilo de Stinger, mecânica de Sportage

O novo Cerato resolve um débito diante dos japoneses: agora tem o motor 2.0 do Sportage, com até 163 cv, no lugar do 1.6 do HB20, que tinha 128 cv. O problema agora é que alguns rivais já possuem motores turbo, como o próprio Civic 1.5 e o Cruze 1.4, ou conjuntos híbridos, como o Corolla. De todo modo, o Kia ao menos se equipada às versões intermediárias do Honda e do Toyota, com a diferença de que usa um câmbio automático convencional de 6 marchas (também o mesmo do Sportage) em vez de um CVT como nos japoneses. 

Outra evolução do Cerato se deu no design, que buscou clara inspiração no irmão maior Stinger para trazer esportividade às suas linhas e trocar o estilo sóbrio do antecessor por algo mais emocional. A aposta deu certo, e agora o sedã médio da Kia chama a atenção nas ruas, especialmente na cor vermelha do exemplar avaliado - há também um azul escuro e um cinza muito interessantes. Vulnerável, porém, a escolha do posicionamento das luzes de seta, colocadas nos para-choques tanto na frente quanto atrás - muito expostas a pequenas batidas. As rodas também dividiram opiniões, mas não quanto ao design, e sim pelo tamanho. Elas são de aro 16", contra 17" da concorrência. 

Bonito por fora, o Cerato 2.0 também faz boa figura por dentro. O acabamento, por exemplo, não fica nada a dever aos japoneses, com uma agradável mistura de materiais que inclui couro, piano black, peças metalizadas e painel de espuma injetada, macio ao toque. O desenho horizontal da parte superior tem a monotonia quebrada pela tela de 8" em posição "flutuante" para a central multimídia (com Apple CarPlay e Android Auto), resultando num conjunto atraente. O volante de três raios tem boa pegada, mas os bancos dianteiros são um pouco rasos.

Kia Cerato 2.0 2020 (Teste BR)
Kia Cerato 2.0 2020 (Teste BR)

Entre os equipamentos, temos ar digital de duas zonas, botão de partida, 3 portas USB, retrovisor fotocrômico e saídas de ar para o banco traseiro, mais o ESP e 6 airbags. Como exclusividade, a chave presencial abre a tampa do porta-malas apenas por proximidade (basta chegar perto e esperar o bipe para que ela destrave e suba). Mas algumas faltas são sentidas: o freio de estacionamento é tradicional (por alavanca), não há sensor de estacionamento (somente câmera) e a tela de 3,5" do computador de bordo poderia ser colorida. Além disso, apenas a janela do motorista possui comando um toque.  

Em termos de espaço, o Cerato oferece praticamente as mesmas medidas de Civic e Corolla, entregando boa acomodação para até quatro adultos e uma criança. No banco traseiro, fiquei confortável tanto na área das pernas quanto da cabeça (tenho 1,78 m). Da mesma forma, o porta-malas está entre os maiores do segmento, com 520 litros, lembrando que o estepe é integral com roda de liga aro 16" igual às de serviço. Para efeito de comparação, o Corolla leva 470 litros e o Civic, 519 litros. 

Embolado com os japas

Pelos resultados das medições do Motor1.com, a Kia parece ter feito a lição de casa com o caderno da Honda e da Toyota embaixo do braço. Prova disso foi que o Cerato cravou 9,8 segundos na aceleração de 0 a 100 km/h (com etanol), ficando exatamente entre os 9,7 s do Corolla XEi e os 9,9 s do Civic EXL. Pois os números de retomada e até de frenagem também foram parecidos com os dos japas, com 6,9 s de 80 a 120 km/h e 38,8 metros na prova de 100 km/h até a imobilidade.  

Nos carros equipados com esse motor 2.0 do Grupo Hyundai-Kia (além do Sportage, ele está no Elantra, ix35 e Creta), no entanto, o consumo costuma ser ponto fraco. E com o Cerato não foi diferente: médias de 6,7 km/litro na cidade e 11,2 km/litro na estrada, com etanol. Não por acaso, a Kia segue a estratégia da Caoa (dos Hyundai importados) e omite as informações de consumo e autonomia do computador de bordo. Não precisava...

Em movimento, a primeira evolução do Cerato não surge no desempenho, e sim na solidez ao rodar. Com uma carroceria mais rígida e novos acertos de suspensão, o sedã ficou mais estável e silencioso, mesmo em pisos ruins. Daí também o motivo de eu ter aprovado a escolha da Kia do Brasil pelas rodas aro 16" com pneus 205/60 - com as laterais mais altas, que ajudam a absorver impactos do solo. Como a suspensão ganhou em firmeza, um conjunto de aro 17" talvez deixasse o sedã um tanto desconfortável para o piso brasileiro. Do jeito que está, agrada a gregos e troianos. 

A ligeira esportividade do novo Cerato também pode ser sentida na direção, que tem mais peso que nos japoneses, embora não seja tão comunicativa quanto a do Civic, por exemplo. Nas curvas, o equilíbrio da carroceria se mostra melhor que a aderência dos pneus Kumho - que cantam cedo demais. No limite, porém, o coreano não tem a precisão dos japoneses, e um dos motivos é manter o eixo de torção na traseira, contra o sistema multilink (mais sofisticado) de Honda e Toyota.  

Para quem acha os câmbios CVT entendiantes, a caixa automática do Cerato tem um recurso interessante. Além de permitir trocas manuais pela borboletas (só sobe a marcha no limite de giros), o câmbio oferece um modo chamado Smart que se adapta rapidamente ao estilo de condução. Por exemplo, se você estiver dirigindo de forma suave, ele vai trocar as marchas em baixas rotações e sem pressa; já se você resolver acelerar, ele passa a esticar as marchas e fazer mudanças mais ágeis. Há também os modos Comfort, Economy e Sport, este último acionado pela alavanca de câmbio (os demais são trocados por um botão no console). 

Kia Cerato 2.0 2020 (Teste BR)

Mesmo em Comfort as respostas já são (bem) mais convincentes que no antigo Cerato 1.6. Embora o torque do 2.0 só apareça em alta (os 20,6 kgfm só surgem a 4.700 rpm), não é preciso pisar muito para que o sedã ganhe velocidade. E não falta disposição nas ultrapassagens. De todo modo, na estrada o câmbio busca uma redução ao menor sinal de aclive para não perder o pique, o que acaba por prejudicar o consumo. 

E no bolso?

Uma fortaleza de Honda e Toyota está no pós-venda, mérito que faz muitos clientes se manterem fiéis a essas marcas. Sem a mesma imagem de prestígio das japonesas no Brasil, a Kia investiu na garantia de 5 anos (igualada pelo novo Toyota Corolla no ano passado, contra 3 anos da Honda) e, desde 2016, atendeu a um antigo pedido dos consumidores, as revisões com preço fixo. No caso do Cerato 2.0, porém, os valores são mais caros que dos rivais, conforme tabela abaixo: 

MODELO 10.000 KM/1 ANO 20.000 KM/2 ANOS 30.000 KM/3 ANOS
Kia Cerato 2.0 R$ 693,93 R$ 916,55 R$ 693,93
Toyota Corolla 2.0 R$ 339,00 R$ 651,00 R$ 495,00
Honda Civic 2.0 R$ 313,78

R$ 516,56

R$ 554,55

Na hora da compra, no entanto, o Cerato leva ligeira vantagem na relação preço-equipamentos: enquanto o Kia sai por R$ 104.990 nesta versão SX, o Corolla XEi custa R$ 112.990 e o Civic EXL vai a R$ 114.100. Ou seja, é uma diferença de no mínimo R$ 8 mil que paga o IPVA e o seguro, dependendo do perfil do condutor. 

Claro que a Kia não tem pretensões de liderar o segmento ou incomodar os japoneses em volume, mas, por outro lado, o Cerato nunca foi tão competente quanto agora. Some isso ao preço um pouco menor que o dos principais rivais e vemos que a meta de 350 emplacamentos mensais é plenamente tangível.    

Fotos: Motor1.com

 

FICHA TÉCNICA: Kia Cerato 2.0 SX 2020

MOTOR dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.999 cm3, duplo comando de válvulas com variador de fase, flex
POTÊNCIA/TORQUE

157/163 cv a 6.200 rpm; Torque: 19,2/20,6 kgfm a 4.700 rpm

TRANSMISSÃO câmbio automático de 6 marchas, tração dianteira
SUSPENSÃO independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira
RODAS E PNEUS liga-leve aro 16" com pneus 205/60 R16
FREIOS discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira, com ABS
PESO 1.283 kg em ordem de marcha
DIMENSÕES comprimento 4.640 mm, largura 1.800 mm, altura 1.440 mm, entre-eixos 2.700 mm
CAPACIDADES tanque 50 litros, porta-malas 520 litros
PREÇO  R$ 104.990
MEDIÇÕES MOTOR1 BR (etanol)
    Cerato 2.0
  Aceleração  
  0 a 60 km/h 4,4 s
  0 a 80 km/h 6,9 s
  0 a 100 km/h 9,8 s
  Retomada  
  40 a 100 km/h em S 7,3 s
  80 a 120 km/h em S 6,9 s
  Frenagem  
  100 km/h a 0 38,8 m
  80 km/h a 0 25,2 m
  60 km/h a 0 14,0 m
  Consumo  
  Ciclo cidade 6,7 km/l 
  Ciclo estrada 11,2 km/l

Galeria: Kia Cerato 2.0 2020 (Teste BR)

Foto de: Redação
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