Azedo como qualquer tiozão tem o direito de ser, aos 54, eu não gosto de SUV´s. Pelo menos para mim. Falo deles, escrevo a respeito, sou imparcial nas avaliações e nos comparativos. Convictamente, nunca tive, teria e terei um. Tão simples como isso. Eu sou fã de carros ESPORTIVOS.
Muita gente já praguejou contra o sumiço dessa categoria no Brasil. Serei mais um. Mas tentarei colocar aqui a minha opinião do porquê que isso aconteceu.
VW Gol GT
Quando ingressei nessa carreira, peguei a fase de ouro dos modelos nacionais. Era uma lista recheada de carros bem legais: Chevrolet Corsa GSi, Kadett GS e GSi (e tinha o conversível, mas só quando virou injetado), Fiat Uno 1.5R, depois 1.6R e Turbo i.e., Ford Escort XR3 (CHT 1.6, AP1800S, AP-2000i) e uma leva de modelos da Volks: Gol GTS, GTi, Voyage Sport, Pointer GTi. Eram os nossos hot pockets. Todos ali na faixa dos 85 a 120 cv, o que parece pouco. Só que as carrocerias tinham de pouco mais de 1 tonelada.
Já na metade da década, os importados subiram um degrau na performance e faziam enorme sucesso. Sob o risco de esquecer de algum, vamos lá: Citroën ZX 16V (depois Xsara VTS), Peugeot 306 S16, Renault R19 16V, Honda CRX e Civic VTi (o melhor deles, disparado), Mitsubishi Colt GTi, Mazda MX-3 V6. Um pouco depois ainda viriam Alfa Romeo 145 Quadrifoglio, Fiat Tipo 16V e Golf GTi, se bem que era o Mk3, de apenas 120 cv. Os demais modelos já vinham empurrados por motores de 130 a 160 cv. Um pouco mais acima, você ainda encontrava os cupês Mitsubishi Eclipse e Honda Prelude, de 190 cv a 200 cv.
Para quem sonhava quando criança com o Passat TS 1977, essas duas gerações de carros esportivos (os nacionais e os importados da década de 90) terminaram de forjar meu gosto por carros esportivos, inclusive por ter tido o prazer de testar todos eles como jornalista automotivo. Até tive alguns (Gol GTi, Voyage Sport e Alfa 145). E hoje voltaria a tê-los, sem deixar de incluir o Civic VTi – repito, o melhor deles. O fato é que essa categoria de carros desapareceu. O que teria havido, então, no segmento de compactos e médios esportivos? Desconfio que foi uma infeliz conjunção de fatores.
O primeiro deles é o motivo óbvio: desinteresse do público. Uma das grandes nuances de carros esportivos nunca esteve vinculada à performance, e sim ao culto por exclusividade. Estou falando de status e imagem de jovialidade. Nove em cada dez donos de XR-3 Conversível, lá nos anos 90, eram tiozinhos cinquentões... como eu, hoje, inclusive. E isso foi severamente modificado nos hábitos de compras dos brasileiros.
Ford Escort XR3
Essa “galera”, atualmente, não busca esses simbolismos nos carros esportivos, mas nos SUV´s. Associe-se a isso esse culto à aventura vivido pela sociedade moderna, que mescla cultura, arte e até hábitos de lazer. A música que bomba nas rádios (e no Spotify) é a sertaneja. Os rodeios são muito mais lotados que os autódromos. E por aí vai. No mundo automotivo, essa nova ordem se traduz em paisagens de natureza, estradas de terra, riachos escondidos, cachoeiras, coisa e tal. Isso se massificou de tal forma que se torna exceção o consumidor que não dá bola para isso. Tipo “eu”.
E o SUV pretensiosamente insere-se nesse contexto. É só ver as propagandas de carros dessa categoria. Eles sempre estarão fugindo dos ambientes urbanos, derrapando em estradinhas de terra, passeando na praia, levando o caiaque nos racks de teto – quantas pessoas você conhece, aliás, que praticam canoísmo? Mas vá lá. O mundo clama por esses hobbies. Estilo de vida é algo não necessariamente para se adotar, mas para almejar. “Fugir da cidade é o que te fará feliz”. Ponto para os benditos SUV´s. Mas há mais fatores.
Jeep Renegade, um dos modelos que tomou lugar dos esportivos como veículo aspiracional
Os carros esportivos sempre alavancaram bons lucros às montadoras. Trinta anos atrás, um Gol GTi custava exatamente o dobro de um CL. Vamos lá. Fazendo uma conta simples: ele tinha mais itens de série, melhor acabamento, rodas e pneus maiores... mas o custo de produção do esportivo devia ser, exagerando, 30% ou 40% a mais. Só que ele era 100% mais caro.
Onde residia o problema? Como o GTi tinha alguns itens mecânicos especialmente desenvolvidos para ele, como motor, freios e suspensões, e a economia de escala era desvantajosa (baixo volume de vendas quando comparado às demais versões), o preço final tinha de ser (bem) mais alto para amortizar o custo de desenvolvimento da Engenharia.
VW Gol 1000
VW Gol GTi
Até vale um exemplo hipotético. Faz de conta que a Engenharia da VW gastou R$ 10 milhões (horas de trabalho de equipe, visitas ao fornecedor, reuniões, laboratórios, testes etc) pra desenvolver o conjunto mola/amortecedor para o Gol. Como a previsão de vendas da família (1000, CL, GL etc) seria de 1 milhão de unidades durante o ciclo de vida do modelo, você precisaria amortizar R$ 10 por unidade, certo? Agora repita a operação no GTi, que só vai vender 50 mil unidades.
Por isso que a disparidade no preço final era tão alta. Um GTi não custava o dobro em razão do custo de suas peças, mas sim em razão da amortização. Obviamente que essa conta ainda embutia uma boa margem. E isso é legítimo, OK? Nada de errado. Tanto que todas as montadoras tinham os seus respectivos modelos. E carro caro tem maior dificuldade pra venda. Hoje, a julgar pela razão de preços que havia nos hatches esportivos do passado, um suposto VW Polo GTi sairia hoje por cerca de R$ 180 mil – duas vezes a versão de entrada. Pesado, né?
Volkswagen Polo GTI custaria mais de R$ 180.000 no Brasil
Mas foi aí que a Ford, em 2003, descobriu outra forma mais simples, e certamente mais rentável, de melhorar a margem. Chega o EcoSport ao mercado nacional. Com um estilo moderninho de SUV compacto, mas derivado direto do Fiesta, ele era vendido 30% mais caro que o hatch. Com alguns calços no monobloco aqui, uma suspensão com maior curso ali, painel diferente, a mochila (estepe) na tampa traseira e... pimba: 30% a mais.
“Mas espera aí, Edu... Você está me dizendo que um carro com carroceria completamente diferente (como Fiesta versus EcoSport) tem custo de desenvolvimento mais enxuto do que planejar versões esportivas de uma mesma família, como Gol CL versus Gol GTi?”
Não é isso. Claro que produzir uma carroceria diferente é mais caro. Só que os SUV´s amortizavam o investimento muito mais rápido, pois eram – e são – vendidos em volumes grandiosos.
Ford EcoSport, o precursor dos SUVs compactos no Brasil
Todas as marcas correram para isso. E eu suspeito que essa tenha sido a principal razão do desaparecimento dos carros esportivos. Os utilitários-esportivos detêm o mérito de serem veículos aspiracionais já numa faixa de entrada do mercado. O sujeito “sonha” com um Nivus ou um Pulse, que custam só um pouquinho mais caro que Polo e Argo para serem fabricados. As montadoras legitimamente se aproveitam disso, até mesmo porque boa parte dos itens mecânicos desses SUV´s são diretamente herdados dos hatches “doadores”. O custo é mais baixo e a margem para a venda... você já entendeu.
Tanto isso é verdade que a Fiat nem tem mais hatch esportivo. Mas tem “SUV esportivo”. Hoje, um Pulse Impetus Turbo 200 AT custa R$ 139 mil. A versão Abarth, por sua vez, sai por R$ 153 mil – apenas 10% a mais. Quando foi lançado em 2002, o Fiat Stilo trazia as versões 16V (top, de R$ 36 mil) e Abarth (R$ 48 mil), o que já dá 33% a mais. Se fosse equipado com todos os opcionais, o esportivo saltava para R$ 70 mil. Em suma: é mais fácil reaver o investimento em um SUV esportivo.
Porsche 911 GT3 2025 com pacote Weissach
Só que resta uma última pergunta: por que esse fenômeno não aconteceu lá no andar de cima, com os superesportivos legítimos? Ao contrário. Eles aumentaram o número de modelos e versões. Um dos mais emblemáticos, o Porsche 911, tinha somente três versões em 1995: Carrera, Carrera 4 e Turbo. Havia outras na Alemanha (Speedster, RS e GT2), mas que nem chegaram a vir pra cá, salvo engano. Dá uma olhada hoje na diversidade de versões! Carrera, Carrera T, Carrera S, Carrera GTS, S/T, Turbo, Turbo S, GT3, GT3 RS...
Simples: nos modelos premium, o custo de desenvolvimento pode ser repassado unitariamente para cada veículo vendido sem que esse valor agregado impacte tão severamente na demanda. A realidade do mercado nos mostra que boa parte da legião de compradores de um carro de R$ 120 mil se ressentiria se tivesse que pagar R$ 132 mil. Essa variação de demanda tende a ser muito menor para quem desembolsa R$ 700 mil em um esportivo. Ele “entra no cheque especial” (isso é piada, óbvio) e paga R$ 770 mil. E estamos falando da mesma diferença de 10%. Sorte deles, dos que têm R$ 770 mil. E azar meu.
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