Mesmo os menos afeitos a carros antigos, como eu, não conseguiriam ficar indiferentes às sete gerações do Porsche 911 enfileiradas no autódromo Ricardo Tormo, em Valência, para dar as boas vindas ao modelo 992, a oitava encarnação do esportivo nascido em 1963. De todo o setor automotivo, o 911 é talvez o carro que mais tenha mantido suas tradições ao longo dos anos: estão lá os faróis redondos, a mesma silhueta da carroceria, as lanternas que avançam pelas laterais e, claro, o motor boxer posicionado na traseira. O 992 exala de imediato a herança do primeiro 911, mas ao mesmo tempo incorpora tecnologias que o deixam mais rápido, mais seguro e, como descobriríamos mais tarde, melhor de dirigir que a geração anterior (991). 

Porsche 911
Porsche 911

As sete gerações do 911, desde o primeiro modelo de 1963, estavam presentes no lançamento do 992

Ainda com a memória fresca do rolê a 280 km/h no GT2 RS e GT3 RS que fiz na Alemanha ano passado (reveja aqui), estava curioso para experimentar as melhorias trazidas pelo 992. Para começar, cerca de 80% da plataforma MMB foi alterada, sendo que a aplicação de alumínio na carroceria aumentou de 30% para 63%. Como nos RS, o 911 Carrera S passa a vir com rodas de diferentes tamanhos na frente (aro 20") e atrás (aro 21"). As medidas gerais se mantêm muito próximas, com exatamente o mesmo entre-eixos (2.450 mm) e apenas 20 mm extras no comprimento (4.519 mm). Mudança maior aconteceu na traseira, já que agora todos os 911 possuem a carroceria "widebody", ou seja, alargada como no atual 991 GTS (1.852 mm).

O motor biturbo 3.0 de seis cilindros opostos (boxer) teve a taxa de compressão elevada de 10,0 para 10,2:1, enquanto os turbos agora são simétricos e ficaram maiores - 3 mm na turbina (48 mm) e 4 mm no compressor (55 mm). Há também novos injetores de combustível e um sistema de intercooler 14% maior e com novo posicionamento. Entre outras mudanças, a potência chegou a 450 cv (30 cv a mais) e o torque subiu para 54 kgfm (3 kgfm extras) constantes entre 2.300 e 5.000 rpm. Para acompanhar, o câmbio PDK de dupla embreagem passou a ter 8 marchas (contra 7 de antes), com a relação inicial mais curta (para acelerações mais rápidas) e a final mais longa (para economia). A nova transmissão também foi projetada com um espaço livre para receber, no futuro, um motor elétrico, indicando que um 911 híbrido é questão de tempo.

Na prática, o novo Carrera S vai de 0 a 100 em 3,5 segundos quando equipado com o Sport Chrono Package (contra 3,9 s do 991) e chega à máxima de 308 km/h em sexta marcha (sétima e oitava são overdrives).

Porsche 911
Porsche 911 (992) - Test-drive Valência

Um 992 "cortado" exibia as mudanças da nova geração, como os novos intercoolers e os turbos maiores

Apesar da carroceria 12 kg mais leve, o 992 ficou ligeiramente mais pesado que o 991 por conta do novo câmbio com uma marcha extra e do filtro de partículas (necessário para reduzir as emissões), além de incorporar equipamentos de segurança como piloto automático adaptativo (com função stop-and-go) e alerta de saída de faixa, entre outros itens. No entanto, a Porsche garante que a relação peso-potência é melhor no 992 e que, com sua dinâmica apurada, baixou o tempo de volta em Nurburgring em 5 segundos (7:25 min no total). 

Após a apresentação técnica e o briefing de pilotagem, fomos para a pista. Ao vivo, o 992 parece mais ligado ao passado do que o 991. A dianteira traz faróis mais redondos (o anterior era meio oval) e o desenho do capô faz quina com a parte superior do para-choque, como nos modelos dos anos 1970 e 1980. O toque moderno fica por conta nas tomadas de ar frontais que podem abrir ou fechar conforme a necessidade, além dos faróis de LED que podem receber até 84 LEDs em forma de matriz como opcional. Já a traseira ganhou a lanterna que atravessa toda a largura do carro, como nos novos Panamera, Cayenne e Macan, e um aerofólio que sobe automaticamente conforme a velocidade. Por fim, um detalhe bem legal: a grafia do logotipo 911 remete à primeira geração.  

Na bota do atual GT3 RS

Porsche 911

Cada GT3 RS da atual geração puxava a fila para os dois novos 911 Carrera S na pista do autódromo

Ainda estava curtindo as linhas do 992 quando ouvi meu nome. Era hora de acelerar. Entro no Carrera S de pintura cinza clara e percebo que, por dentro, o 911 também está mais maduro e tecnológico, embora seja familiar para quem conhece o modelo atual. A posição de pilotagem é bem parecida com a do 991, um tiquinho mais baixa, assim como a visibilidade geral. O desenho do painel ficou bem horizontal, com destaque para o console central com acabamento em piano black e os botões metalizados para as funções principais, que deixaram a cabine mais limpa e amigável de usar. A alavanca de câmbio agora é um pequeno joystick e tem acionamento eletrônico, com dois botões abaixo (um para acionar o parking e outro para o modo manual).  

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No quadro de instrumentos, apenas o conta-giros central se manteve analógico (com o charme do grafismo inspirado nos 911 antigos), enquanto os instrumentos laterais aparecem em duas telas de 7", que mostram o velocímetro, o computador de bordo e o mapa do GPS, entre outras funções alternáveis. No centro, a central multimídia passou a ter uma telona de 10,9", como no Panamera e no Cayenne, e serve para controlar praticamente todos os recursos do carro. Para agilizar, um botão giratório no volante permite alterar entre os modos de pilotagem: Normal, Sport, Sport + e o novo Wet (molhado), que testaríamos mais tarde. 

Porsche 911 (992) - Test-drive Valência

Melhor acabamento, painel com duas telas de 7" e multimídia com telão de 10,9", como no Cayenne

Saio dos boxes com um GT3 RS verde à minha frente para guiar as voltas rápidas no circuito - estamos na pista que recebe a etapa valenciana da MotoGP. Com 4.005 metros de extensão, o autódromo conta com 14 curvas, sendo 9 para a esquerda e 5 para a direita - algumas delas de raio variável e outras "cegas". Para minha surpresa, o que mais chamou minha atenção nas primeiras voltas com o novo 911 neste ambiente não foi a esportividade, mas sim o refinamento. O rodar está claramente mais macio e silencioso, ao mesmo tempo em que a inclinação da carroceria foi ainda mais contida. Esse comportamento tem a ver com a bitola traseira alargada e os pneus maiores, mas se deve principalmente aos novos amortecedores Bilstein DTX do sistema PASM (Porsche Active Suspension Management), cujo ajuste é controlado 100 vezes por segundo de forma progressiva - antes havia níveis pré-definidos de firmeza. Assim, a Porsche garante que melhorou tanto a suavidade na absorção de impactos, quando em condução relaxada, como também a firmeza em condução esportiva, com maior diferença entre os extremos.

Porsche 911 (992) - Test-drive Valência

Depois de pegar as manhas do traçado da pista, passei a apertar com mais vontade o pé direito e fiquei na bota do GT3 RS "antigo" - o que de fato a Porsche diz que o 992 faz. Impressiona a resposta rápida do 3.0 biturbo, com pouco ou nenhum resquício de turbo lag (aquela demora para o turbo "encher") e a entrega progressiva de força, com bastante torque numa ampla gama de rotações. O novo PDK ajuda com trocas de marcha ainda mais rápidas e segue aceitando reduções com o giro elevado, o que torna o uso das borboletas quase mandatório para a diversão completa. Mesmo na curta reta principal do circuito, era fácil superar os 200 km/h e frear forte para contornar a curva à esquerda em seguida.

Falando em freios e curvas, mais duas melhorias consideráveis: o pedal de freio, que agora é feito de um material composto (aço, plástico e fibra de carbono), e a direção, que ficou 10% mais rápida e um pouco mais firme em velocidade. Ou seja, a comunicação com o 911 está mais franca, com o pedal de tato perfeito para dosar exatamente o quanto você quer frear, e a direção transmitindo melhor as interações com o piso. 

Embora a Porsche tenha proibido a gente de desligar o controle de estabilidade, o modo Sport + de condução já deixa a eletrônica mais permissiva, fazendo com que a traseira escorregue somente o suficiente para o condutor se empolgar no contra-esterço. Andando mais próximo do limite, aí é possível sentir o maior peso do cupê na traseira (divisão de 31% na frente e 69% atrás), mas ainda assim seu comportamento é previsível (escorrega de frente nas entradas de curva e de traseira nas saídas) e não exige nenhuma habilidade especial do condutor para desfrutá-lo. As saídas de curva, aliás, foram as melhores partes da nossa avaliação, com muita saúde do motor e a traseira animada participando da festa. Espetacular!   

Porsche 911 (992) - Test-drive Valência

As minhas voltas estão acabando e percebo que ainda não comentei sobre o ronco do motor. Ah, sim, melhor apertar aquele botãozinho com o desenho do escape, pois no modo normal o "flat-six" tem uma sonoridade bonita, mas que não chega a arrepiar. Já com o sistema acionado, aí a voz dele fica rouca e berrante em altas rotações, como se espera de um Porsche. Hora da volta de resfriamento... 

O teste no autódromo havia chegado ao fim, mas a diversão, não. Ainda tinha um circuito molhado, para avaliar o Wet Mode, e depois um test-drive de cerca de 140 km pelas ruas e estradas de Valência.

Sem escorregar na chuva

Da pista principal fomos para um circuito de kart dentro do complexo do autódromo. Lá, a brincadeira era no molhado. Com a pista encharcada por esguichos, tínhamos 9 voltas pela frente: 3 no modo Wet, 3 no Sport + e mais 3 no Wet novamente.  

911 wet

A intenção da Porsche com este novo modo de condução é proteger o patrimônio dos clientes quando as condições climáticas não forem das melhores. O que o sistema faz é basicamente "amarrar" o esportivo eletronicamente quando detecta que está chovendo - por meio de sensores ultrassom colocados nas caixas de roda dianteiras. O recurso, porém, não é automático. Ao detectar que o piso está molhado, ele acende uma luz no painel sugerindo que se ative o modo Wet. Feito isso, aí sim a reposta do acelerador é suavizada e os controles de tração e estabilidade ficam em alerta máximo. 

A diferença entre os modos ficou clara em nossas voltas molhadas. No Sport+, o 911 dava umas leves escapadas de frente e depois de traseira, principalmente quando provocado. Já no Wet a eletrônica não abria espaço para abusos e segurava o cupê ao menor sinal de perda de aderência. Isso permite que se conduza de forma mais relaxada na chuva, sem tanta preocupação em dosar o acelerador nas saídas de curva.  

Refinado no uso cotidiano

Como não estava chovendo de verdade, nosso trajeto pelas estradas de Valência foi feito nos modos Normal e Sport. Na rodovia aberta, o 992 mostrou o valor da oitava marcha para economizar combustível, fazendo com que o conta-giros ficasse abaixo das 2.000 rpm em velocidade de cruzeiro de 120 km/h. Nesta condição, também foi possível apreciar como a suspensão está mais complacente com as imperfeições do piso, além de o ruído na cabine ter sido notavelmente reduzido. Parece um carro de luxo, e não um esportivo, pelo menos até você resolver provocá-lo. 

Porsche 911
Porsche 911 (992) - Test-drive Valência

Pequena falha: aro do volante cobre parte dos instrumentos digitais, exigindo que o motorista desvie o olhar

Foi o que fiz assim que o GPS indicou a saída para uma estradinha de mão dupla que, de tão estreita, parecia de mão única. Era um trajeto travado e cheio de curvas do tipo cotovelo, onde o 911 se mostrou muito ágil e obediente nas tomadas de tangente. Diferentemente da pista, onde a velocidade era maior, aqui foi possível notar com mais apuro a rapidez da direção, além do comportamento mais "calmo" da traseira nas saídas de curva. Na rua também ficou clara uma falha de ergonomia: as telas de 7" do quadro de instrumentos ficam encobertas pelo aro do volante, exigindo que o motorista tenha de desviar os olhos da estrada para conferir os instrumentos por completo - pelo menos as informações mais importantes ficam no visor central.  

Quando adentrei de volta no autódromo para entregar o carro, o dia terminava me deixando com uma certeza e uma dúvida. A certeza é que a Porsche fez um belo trabalho ao renovar o 911 para esta oitava geração, melhorando não só o prazer de dirigir como também o refinamento, a segurança e a tecnologia a bordo - sem aumentar o preço. O 992 chegará ao Brasil em maio com preço estimado em R$ 680 mil, muito próximo do Carrera S atual. E a dúvida? Ah, é sobre meu Porsche favorito. Até então era 718 Cayman, mas agora com esse novo 911, sei não...   

Por Daniel Messeder, de Valência - Espanha

Viagem a convite da Porsche do Brasil

Fotos: divulgação e autor

Ficha Técnica - Porsche 911 Carrera S (992)

MOTOR traseiro, longitudinal, 6 cilindros opostos, 24 válvulas, 2.981 cm³, injeção direta, biturbo
POTÊNCIA/TORQUE

450 cv a 6.500 rpm / 54 kgfm de 2.300 a 5.000 rpm

TRANSMISSÃO câmbio automatizado de dupla embreagem e 8 marchas; tração traseira
SUSPENSÃO independente McPherson dianteira e multibraços na traseira
RODAS E PNEUS liga leve de 20" na dianteira (pneus 245/35 R20) e aro 21" na traseira (pneus 305/30 R21)
FREIOS discos ventilados nas quatro rodas (350 mm) com ABS e ESP
PESO 1.590 kg em ordem de marcha
DIMENSÕES comprimento 4.519 mm, largura 1.852 mm, altura 1.300 mm, entre-eixos 2.450 mm
CAPACIDADES tanque 64 litros; porta-malas 132 litros
PREÇO  R$ 680.000 (estimado Brasil)

 

Galeria: Porsche 911 (992) - Test-drive Valência

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