O anúncio do fechamento de todas as fábricas da Ford no Brasil na tarde desta segunda-feira (11) pegou o mercado de surpresa e, ao mesmo tempo, deixou uma série de questões no ar. O fato é que após anos de perda, a matriz resolveu "secar a fonte" e a marca vai passar a atuar no mercado brasileiro apenas como importadora, e não mais como montadora.
A decisão implica no fechamento de fábricas e encerramento da produção dos modelos nacionais, terminando de forma melancólica uma história de mais de 100 anos desde que a Ford se instalou no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, para montar o Modelo T em 1919.
A Ford havia sido a 5ª marca mais vendida em 2020, com 139.255 automóveis e comerciais leves emplacados, o que lhe rendeu 7,14% de market-share - uma redução de 36,3% no volume em relação a 2019, contra uma queda de 26,6% do mercado como um todo.
Confira abaixo as 10 principais questões envolvendo a Ford neste momento.
A Ford segue no Brasil como marca, mas deixa de produzir no país. Assim, as fábricas de veículos em Camaçari (BA) e de motores e transmissões em Taubaté (SP) encerram a produção imediatamente, mantendo apenas a fabricação de peças por alguns meses para garantir disponibilidade de estoques de pós-venda. Já a fábrica da Troller em Horizonte (CE) continuará operando até o quatro trimestre do ano.
Entre as operações no Brasil, serão mantidos o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, o Campo de Provas, em Tatuí (SP), e a sede regional em São Paulo.
Ka, Ka Sedan e EcoSport saem de linha imediatamente, com as vendas destes modelos sendo encerradas assim que acabarem os estoques. Por sua vez, o Troller T4 ainda segue até o último quadrimestre do ano.
O modelo de entrada da Ford passa a ser a picape Ranger, com preços a partir de R$ 154.090, seguida pelo SUV médio Territory, que tem valores começando em R$ 179.900. Na linha de esportivos, segue o SUV Edge ST, de R$ 351.950, e o Mustang Black Shadow, de R$ 396.900. Todos modelos importados e, com exceção da Ranger por ser produzida na Argentina, sujeito aos 35% do Imposto de Importação.
A Ford diz que a redução do número de concessionários será tratada de forma individual, e levará tempo até ser totalmente implementada. Obviamente, a marca fala em "dimensionar o tamanho da nossa rede de vendas à demanda do mercado". Na prática, é provável que haja uma diminuição da rede, pois a marca deixa de atuar nos segmentos de maior volume, como do Ka e do EcoSport, e passa a ter modelos com preços começando em R$ 150 mil, o que certamente vai restringir o público.
A Ford garante que "continuará fornecendo assistência total ao consumidor com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia para seus clientes no Brasil e na América do Sul". Os planos de garantia e manutenção continuam valendo normalmente mesmo para os carros fora de linha. A questão das peças pode ser resolvida com a importação de componentes de outros países que ainda fabricam os modelos que deixaram de ser produzidos aqui, como a Índia. O maior problema é que, com a possível redução da rede, algumas cidades menores possam ficar sem um representante da marca.
Já a desvalorização certamente será maior do que a de modelos que continuam no mercado, porém, não tão grande quanto seria se a Ford tivesse realmente deixado o Brasil. Segundo lojistas e consultores ouvidos pelo Motor1.com, ainda não é possível ter uma ideia do índice de desvalorização desses modelos, o que só será possível com a acomodação do mercado após a notícia, a médio prazo.
Mesmo com o momento muito ruim do país vizinho, a Ford anunciou o investimento de R$ 3 bilhões por lá no ano passado, sendo 70% desse montante para fazer a nova geração da picape Ranger na fábrica de General Pacheco, em Buenos Aires. a partir de 2023 A decisão levou em conta o fato de a Ford já produzir a Ranger na Argentina há mais de uma década, enquanto o Brasil era especializado nos carros de passeio, com maior volume, mas menor margem de lucro. E isso exatamente no momento que a Ford busca lucratividade em cima de "veículos conectados de alto valor agregado e qualidade" - leia-se mais caros. Contou também, claro, o fato de os custos fixos na Argentina serem menores, como a mão de obra.
A Ford segue na operação da marca em Horizonte até o último trimestre do ano, mas coloca desde já a empresa cearense à disposição de algum comprador. "A Ford continuará facilitando alternativas possíveis e razoáveis para partes interessadas adquirirem as instalações produtivas disponíveis". Ou seja, ainda há esperança para salvação da marca e do jipe T4.
A Ford vem acumulando prejuízos há quase uma década na região. Entre 2012 e 2018, a marca diz ter perdido quase US$ 4,9 bilhões. Diante disso, a empresa tomou a decisão estratégica vinda da matriz de só investir em SUVs e picapes de alto valor agregado, enquanto no Brasil os carros de volume eram os compactos - modelos com margem incapaz de reverter os anos de perda financeira.
A marca então foi transformando seu portfólio e saindo de segmentos não lucrativos. Fez o fechamento da planta de São Bernardo do Campo (SP) em 2019, encerrando o negócio dos caminhões e também a produção do Fiesta. No lugar, a expectativa era ter 3 novos modelos para Camaçari (BA), mas a nova crise trazida pela pandemia da Covid-19 foi a pá de cal para esses planos, reforçando a "capacidade ociosa da indústria e a redução nas vendas", de acordo com a Ford.
O caso da Ford não encontra nenhum exemplo parecido na indústria automotiva brasileira. De todo modo, isso abre um precedente para que outras montadoras tomem decisões semelhantes - basta lembrar da Mercedes-Benz, que recentemente anunciou o fechamento da fábrica de Iracemápolis (SP). A Anfavea disse, em comunicado, que respeita e lamenta a decisão da Ford, mas que o fato "corrobora o que a entidade vem alertando há mais de um ano sobre a ociosidade local, global e a falta de medidas que reduzam o Custo Brasil".
A Anfavea também lembra que o carro no Brasil sofre uma das maiores taxações do mundo, num efeito cascata de impostos (ICMS, ISS, PIS e Cofins) que soma entre 48,2% e 54% no preço final do veículo.
Desde que se tornou montadora nacional, em 2012, a Hyundai vem sendo a principal pedra no sapato da Ford - e não por acaso foi a marca que lhe tirou do "G4" em 2020. Com a linha HB20 atualizada, a marca coreana vem apostando forte na versão de entrada Sense, que pode justamente se aproveitar da saída do Ka de cena. Já a nova geração do Creta, esperada para o fim deste ano, também deve herdar clientes da Ford, neste caso do EcoSport.
Outra que estava à espreita da Ford era a Toyota, que fechou 2020 a somente 1.379 unidades de diferença da marca do oval azul. A empresa japonesa terá em 2021 o lançamento daquele que pode vir a se tornar seu carro-chefe no Brasil, o SUV Corolla Cross, e ainda vai renovar a linha de compactos com a reestilização do Yaris.
Outras que podem atrair os órfãos da Ford são a Renault e a Nissan, além das 3 ponteiras Chevrolet, Volkswagen e Fiat, quem têm suas linhas fortemente baseadas em modelos compactos.
No fim do ano passado, a marca anunciou o lançamento da linha Bronco e de novas versões para a Ranger (Black) e Mustang (Mach 1), além do furgão Transit. No comunicado de ontem (11), a Ford também falou em aposta forte na eletrificação, afirmando que vai trazer um modelo híbrido plug-in.
A primeira das novidades deve ficar por conta do Bronco Sport, que já tem 28 unidades emplacadas em Camaçari (BA). Derivado da plataforma do Focus, o SUV é produzido no México e será importado em 3 versões de acabamento, sempre com motor 2.0 turbo (o mesmo Ecoboost que equipava o Fusion), câmbio automático de 8 marchas e tração 4x4.
Ao falar em "linha Bronco", a Ford também dá a entender que trará o novo Bronco, um modelo off-road mais parrudo, feito sobre chassi, para enfrentar o Jeep Wrangler. Mas isso não deve acontecer antes de 2022, pois o carro está com fila de espera nos EUA.
Já o híbrido plug-in que a Ford também prometeu tem tudo para ser o Escape, SUV de pegada mais urbana que o Bronco Sport, para enfrentar diretamente o Toyota Rav4 Hybrid.
Por fim, mas não menos importante, teremos a picape Maverick. Produzida ao lado do Bronco Sport no México, tende a ser o produto de maior volume da Ford no Brasil nos próximos anos (assim como o SUV, vai entrar sem pagar o Imposto de Importação). Trata-se de uma picape monobloco de porte inferior ao da Ranger, com design inspirado na F-150 e uma proposta de lazer como a Fiat Toro. Deve ser revelada ainda neste ano, e havia expectativa até de que começasse a ser vendida primeiro no Brasil. Mas muita coisa pode mudar depois de segunda-feira...
Fotos: divulgação, reprodução e arquivo Motor1.com
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