É muito comum dizerem que a Renault, no Brasil, não é mais Renault — e sim Dacia. Essa história tem origem no lançamento do Logan por aqui, em 2007. Desde então, o modelo deu origem ao hatch Sandero e ao SUV Duster. O sedã baratinho, muito espaçoso e de linhas rústicas nasceu na Romênia, há exatos 20 anos. Fabricado inicialmente pela Dacia, fez (e ainda faz) sucesso em muitos países.
Apesar de ainda figurar no site da Renault do Brasil, com preços a partir de R$ 97.500, o Logan já deixou de ser produzido na fábrica de São José dos Pinhais (PR). Para marcar o fim de sua fabricação nacional, vamos lembrar suas origens no Leste da Europa, bem como sua ascensão e queda em nosso mercado.
Dacia 1300 - o Renault 12 romeno
Tudo começou na Romênia, em 1966. O governo comunista do país tentava conduzir uma política externa bem independente dos soviéticos e firmou um acordo com a francesa Renault para produzir automóveis em Colibaşi-Pitești, a 140 km de Bucareste. A fábrica estatal foi batizada de Dacia — o antigo nome dado pelos romanos à região onde hoje é a Romênia.
Das linhas de produção saíam versões locais dos Renault R8 e Estafette, mas o carro-chefe da marca foi, sem dúvida, a família Dacia 1300 — os Renault 12 romenos, fabricados de 1969 até 2004. Nada menos que 2.278.691 unidades foram feitas no país.
Dacia 1310 ano 2004 - a última encarnação do velho R12
O Dacia 1300 foi para os romenos o que o Trabant foi para os alemães orientais. Uma curiosidade é que esse “R12 dos Bálcãs” foi exportado até para a Argentina, quando a Renault encerrou a produção do modelo original no país “hermano”, em 1994. A partir da derrubada do regime comunista, em 1989, as estatais da Romênia foram postas à venda e a Dacia chegou a ensaiar uma união com a Peugeot, com o modelo Dacia Nova, derivado do Peugeot 309.
Mas foi a Renault quem adquiriu o controle da Dacia, em julho de 1999. Inicialmente, foram 51% das ações, e essa cota chegaria a 99% nos anos seguintes. A ideia da companhia francesa era usar a Romênia como base para fabricar modelos baratos para o Leste da Europa e outros mercados emergentes.
Dacia SupeRNova
Essa ideia surgiu quando Louis Schweitzer, CEO da Renault entre 1992 e 2005, visitou a Rússia e percebeu que havia mercado em potencial para um sedã extremamente simples, robusto e espaçoso, para uso familiar. Seria um rival moderno para o antiquíssimo Lada 2105 (Laika, no Brasil), que continuava a vender como pão quente no Leste da Europa. Então recém-privatizada na França, a Renault vivia uma fase expansionista e, também em 1999, formara sua “alliance” com a japonesa Nissan.
A primeira medida da Renault após comprar a Dacia foi dar um tapinha no modelo Nova. O sedã compacto de linhas retas foi transformado em SupeRNova (assim mesmo, com um RN em maiúscula). Não demorou e o carro passou por outro facelift, virando o Dacia Solenza. Mas eram gambiarras sobre uma plataforma de Peugeot 309 — e a Renault tinha um plano muito mais ambicioso para sua marca romena: o programa X90.
O projeto inicial era fazer um carro abaixo de 5 mil euros
Ainda em setembro de 1999, foi lançado um concurso interno na Renault para criar o projeto de um sedã emergente, com preços a partir de 5 mil euros (com a inflação corrigida, seriam 8.500 euros hoje). Os designers ficaram entusiasmados, 40 deles embarcaram nessa tarefa.
"O desafio consistia em encontrar soluções robustas e econômicas para cada um dos componentes projetados. Por exemplo: estamparia simples e retilínea, facilidade de montagem dos faróis, ausência de luzes integradas à tampa do porta-malas, vidros fixos nas janelas laterais traseiras etc. Produzir um veículo de baixo custo não significava limitar a reflexão, a imaginação e a fantasia", relembra Patrick Le Quément, chefe de design da Renault entre 1987 e 2009.
O Dacia Solenza preparou a chegada do Logan na fábrica
Esse desejo de reduzir custos do projeto moldava as soluções de estilo e produção. Os vidros eram mais retos que o usual. Borrachões laterais eram simétricos, significando um único molde de injeção. O mesmo valia para os retrovisores externos. Os espelhos tinham “ajuste digital”, ou seja: na ponta dos dedos. Para-choque dianteiro e grade formavam um único componente. O painel, de plástico, também era injetado em uma só peça. Para economizar no chicote, as teclas de abertura dos vidros iam no painel. Para completar, a suspensão era mais alta e parruda que na maioria dos carros europeus.
A questão de colocar ou não o emblema da Dacia na traseira do carro — que custaria exatamente 1 euro por carro — provocou um debate tão intenso que o presidente precisou ser chamado para arbitrar. O escudinho entrou.
Dacia Solenza - o antecessor do Logan tinha origem Peugeot
Por outro lado, havia a preocupação em não produzir um carro ordinário, mal construído. Teria sido possível, por exemplo, reduzir as dimensões da carroceria para economizar material ou usar faróis com lentes de vidro, menos eficientes que as de policarbonato. A maior parte do investimento seria destinada à modernização da fábrica na Romênia — que ainda produzia o velhíssimo Dacia 1310 derivado do Renault 12.
O painel do primeiro Dacia Logan, ainda sem airbags
O lançamento do Dacia Solenza, em 2003, foi a oportunidade ideal para testar todas as novas máquinas, permitindo ajustar o processo de fabricação para o lançamento do Logan, que chegou ao mercado europeu em setembro de 2004.
O resultado foi um sedã compacto (4,25 m) com ótimo entre-eixos (2,63 m) e excelente porta-malas (510 litros) por apenas 5.900 euros (9.100 euros de hoje). O valor básico estourou a projeção inicial, mas ainda era 100 euros mais barato que o Lada 2105.
Na Romênia também foi lançada uma versão station wagon (Logan MCV) com grande capacidade de carga e até sete lugares. A linha de modelos foi completada em 2007 com uma van (Logan Van) e uma picape (Logan Pick-Up). Em 2008, a plataforma B0 foi encurtada, dando origem ao hatch Sandero — que foi lançado no Brasil, com a marca Renault, antes mesmo de estrear como Dacia na Europa. Esticada, a plataforma B0 serviu para criar o Duster.
Dacia Logan MCV
Dacia Logan van de primeira geração
A Renault até cogitou fazer a picape no Brasil, mas desistiu
Da fábrica Dacia, a família Logan começou a ser exportada para mais de 50 países. Seus kits CKD eram montados em Rússia, Marrocos, Colômbia, Irã, Índia e África do Sul. Dependendo do país, o modelo e seus derivados recebiam diferentes marcas e nomes: Pars Khodro Cadilla P90 e Renault Tondar (no Irã), Nissan Aprio (no México), Mahindra Renault Logan e Mahindra Verito (na Índia), Nissan NP200 (a picape na África do Sul) e Lada Largus (a station wagon, na Rússia).
De todos os derivados, o mais exótico foi a EMC E36, uma station wagon Dacia Logan MCV feita na Romênia, convertida em veículo elétrico pela EnVision Motor Company, e que chegou a ser oferecida nos Estados Unidos, sem qualquer êxito, no distante ano de 2011. A Índia também fez um Logan elétrico: o eVerito.
Pars Khodro Cadilla P90 - modelo 2024 feito no Irã
Mahindra Verito, um derivado indiano
EMC E36 - Dacia MCV convertida em sw elétrica nos EUA
Hoje, o Dacia Logan romeno já está na terceira geração, lançada em 2020. Com nova plataforma e linhas menos duras, essa evolução jamais chegou ao Brasil. O modelo ganhou refinamento, mas o preço subiu: o Logan custa a partir de 12.500 euros na versão mais básica. Atualmente, os Dacia são vendidos por toda a Europa e não apenas nos países emergentes.
Em 2007, o Logan de primeira geração começou a ser fabricado pela Renault em São José dos Pinhais, no Paraná. Em vez do escudo Dacia, trazia na grade o losango da marca francesa. Apesar das linhas traçadas a régua e do acabamento espartano, com plástico duro por todos os lados, o Renault Logan conquistou nosso mercado ao oferecer muito mais espaço que os Chevrolet Prisma e Classic, o Fiat Siena e o Ford Fiesta Sedan, por apenas R$ 29.480 (valor semelhante ao dos rivais na época). Corrigido pelo IGP-M, isso daria R$ 96.099 em dinheiro de hoje — preço bem próximo aos R$ 97.500 do Logan Life 2024 que ainda aparece no site da Renault.
O Logan chegou ao Brasil em 2007
Com 3 anos de garantia, o Logan e seu filhote Sandero, que chegou logo em seguida, ajudaram a tirar da Renault aquela imagem de carros frágeis e de manutenção cara. O sedã conseguiu conquistar até os taxistas, entrando em um mercado que parecia exclusivo de VW, GM e Fiat. Foi usado também como carro de polícia, atividade que costuma moer automóveis.
No início, podia ser equipado com motor quatro cilindros 1.0 16v, um tanto soporífero mas muito econômico, o 1.6 16v e, pouco depois, o 1.6 de oito válvulas, todos flex. Nascido com transmissão manual, chegou a ter opções com câmbio automático convencional (AL4, de quatro marchas), caixa automatizada (Easy’R) ou CVT.
Renault Logan - a segunda geração
Em 2010, o Logan original passou por um facelift e, no fim de 2013, chegou ao Brasil a segunda geração “pero no mucho” (mudaram os painéis externos, suavizando as linhas, mas não muito mais do que isso). Os últimos retoques visuais vieram em 2019. Os derradeiros Logan fabricados no Brasil, seja na versão Life ou na Zen, saíam com motor B4D de três cilindros, 1 litro e 12 válvulas, com 79 cv/82 cv, atrelado ao câmbio manual de cinco marchas.
Troca de pele - a segunda geração do Logan
Desde o início da produção no Paraná, o Logan teve 433.474 unidades emplacadas no país. Seu melhor ano foi 2014, com 46.455 exemplares. De janeiro a setembro de 2024, foram apenas 4.489 carros, o que dá uma média inferior a 500 por mês. Passados 17 anos, o Logan foi quase esquecido, relegado ao papel de sedã pobrezinho, porém honesto, opção somente para quem está tentando a vida no aplicativo.
RECOMENDADO PARA VOCÊ
As marcas obscuras que chegaram ao Brasil na febre de consumo do pós-guerra
Locação e crédito salvam o ano sem benefício ao consumidor
História automotiva: Jaguar XK120 e E-Type, os belos que também eram feras
Vendas em novembro: BYD passa Nissan e mercado cresce quase 20%
Volkswagen comemora os 65 anos de seu complexo industrial na Via Anchieta
Equinox 2025: como se compara a Territory, Compass e Corolla Cross?
Hildebrand & Wolfmüller, a mãe de todas as motos, teve um fim melancólico