A linha do tempo do novo Tiguan Allspace é cheia de esperas. Apresentado no México em maio de 2021, a reestilização era aposta certa no Brasil após o fim das vendas do antecessor em outubro daquele ano. Mas os meses (e anos) foram passando, executivos foram questionados e a dúvida sobre sua chegada foi até outubro de 2023.
O VW Tiguan Allspace renovado encontrou um mercado bem diferente. Novas marcas, novos modelos com porte semelhante já apostando na eletrificação, e até mesmo uma nova geração do Tiguan apresentada na Europa, atrapalharam seu show. Para ajudar, chegou ao Brasil com menos potência e sem a tração integral, um ponto de crítica forte comparado ao seu antecessor, tão procurado principalmente por seus 220 cv.
Será mesmo um problema?
Quando o catálogo do Tiguan Allspace tinha as versões mais baratas, com o 1.4 turbo, a mais procurada e vendida era a R-Line, única com o 2.0 turbo de 220 cv, 35,7 kgfm e sistema de tração integral com o câmbio de dupla embreagem e sete marchas. Com o Taos nas lojas, ela ficou um tempo em linha para atender o cliente que procurava desempenho sem abrir mão de ter um SUV.
Em uma das conversas sobre o Tiguan com executivos da Volkswagen, fiquei sabendo que a grande questão estava na homologação pelas então novas normas de emissões e consumo. Testes foram feitos e a solução encontrada está disponível para o mercado norte-americano, também produzida no México, com o 2.0 turbo EA888 Gen3, câmbio automático de 8 marchas e tração dianteira.
Temos então 186 cv e 30,6 kgfm de torque, uma queda considerável em busca de emissões e consumo. Pela tração dianteira, o câmbio de 8 marchas com conversor de torque era a única opção disponível na prateleira, já que o DSG de 7 marchas só é usado com a tração 4Motion na planta do México e o de 6 marchas com o 1.4 turbo. A engenharia brasileira até tentou o sistema 4Motion, mas não conseguiu justificar o custo extra e a dificuldade para enquadrar nas regras - uma boa parte dos compradores do Tiguan Allspace o procuravam pela potência do 2.0 turbo, não pela tração integral.
Apesar de um 2.0 turbo EA888, esta geração aplicada no Tiguan Allspace tem um foco maior em eficiência que desempenho. Perdeu a injeção indireta, trabalhando apenas com a direta, e recebeu um variador de abertura das válvulas de admissão para ter um ciclo de combustão mais eficiente de olho justamente nas regras de emissões. Até o coletor de escape é refrigerado a água para reduzir a temperatura dos gases sem a necessidade de injetar combustível na câmara para isso.
Não temos mais aquele desempenho do Tiguan anterior, mas a engenharia fez ao máximo para não apagar este Allspace. Principalmente pelos 30,6 kgfm a 1.500 rpm e um resposta rápida do câmbio, acorda rápido e, só no modo Efficiency, que ele insiste em sair de segunda marcha e fica bem mais perceptível um considerável turbolag. Nos demais modos (Normal e Sport), o Tiguan acorda rápido e arranca bem.
Em números, não é mais aquele Tiguan canhão, que chegava aos 100 km/h em 7 segundos em nosso teste e retomava na faixa dos 5 segundos. Hoje, crava os 100 km/h em 10,1 segundos, sendo que está a 80 km/h em 7,1 segundos, e suas retomadas foram para a faixa dos 7 segundos, uma boa diferença não só pela potência a menos, mas por um câmbio mais conservador e com trocas mais suaves. São números próximos ao do Jeep Commander 1.3 turbo, de 185 cv, em nossos testes.
Em uso, é mais esperto que o Commander 1.3 turbo, e coloque na conta como o câmbio se comporta de forma suave. Os 7,9 km/litro na cidade não empolgam e pioram relativamente bem quando se pega tráfego pesado e precisa tirar os 1.794 kg da inércia - um momento onde qualquer eletrificação ajudaria bastante, mesmo o híbrido-leve. Na estrada, desenvolve com mais naturalidade e se beneficia do câmbio de oito marchas para uma média de 12,5 km/litro. Nada exemplar e pouca coisa melhor que o antecessor, que registrou 12 km/litro na estrada e 7,5 km/litro na cidade. Relativamente, perdeu mais potência e torque do que ganhou em consumo.
A sobriedade alemã
Em tempos de design cada vez mais chamativo, o Tiguan ainda está na escola alemã da sobriedade. A reestilização trouxe faróis mais finos, com uma sobrancelha que segue para o para-lama dianteiro, dois projetores em LEDs, luzes diurnas e seta sequencial. É o conjunto I.Q Light, com a grade dianteira iluminada quando o farol-baixo está ligado, em um sistema de LEDs matriciais adaptativos.
O conjunto da versão R-Line puxa o SUV para um lado mais esportivo visualmente, com os parachoques mais invocados e as rodas de 19" que vestem pneus 235/50 - uma das trocas, já que o anterior usava 255/45. Na traseira, as lanternas em LEDs tem nova assinatura e um showzinho quando o carro é destravado. O escrito Tiguan está centralizado na tampa e, no parachoque, as molduras tentam simular saídas de escape, mas estão muito na cara que são falsas.
Ele carrega alguns detalhes cromados, mas poucos, que acabam quebrando o conjunto escuro e, na minha opinião, esta é a cor mais bonita do catálogo, o Azul Atlantic, o único que foge da coisa de sempre de cinza, prata, branco e preto. Mesmo depois de anos, não tem como negar que segue um carro charmoso.
Isso tudo ainda atrai uma boa parte dos compradores. Por dentro, trocou o volante, comandos de ar-condicionado e a manopla de câmbio, detalhes de reestilização. Já sentimos a idade em alguns pontos, como o design geral do painel que é de uma geração anterior da Volkswagen, e ao usar o mesmo painel de instrumentos digital que hoje já foi para modelos mais baratos, como Polo, Virtus e T-Cross. O sistema multimídia tem o mesmo design, mas agrega espelhamentos sem fios para Android Auto e Apple CarPlay.
Mas uma coisa que o Tiguan Allspace ainda atende bem é o espaço interno. No banco traseiro, tem até uma terceira zona de ar-condicionado, coisa que ele traz dos Audi, e acomoda até três adultos com conforto. Na terceira fileira, é bom colocar a segunda um pouco pra frente para abrir espaço para as pernas, que mesmo assim reclamarão, mas ao menos os dois bancos podem ser guardados no assoalho e abrir espaço para 686 litros - que cai para 216 litros com as três fileiras. Se a família é um pouco maior, ainda é boa opção.
Pé no premium, inclusive preço
Sem o Passat, o Tiguan Allspace se tornou o produto mais refinado da Volkswagen no Brasil. Dá para perceber que o SUV pisou na Audi em pontos como os faróis em LEDs Matrix adaptativos, o bom funcionamento dos assistentes de condução e até mesmo o funcionamento sequencial das setas - faltou um sistema de som assinado, tão comum nas marcas premium. Por R$ 284.590, não tem o que justificar e esperar menos que isso.
Dirigir o Tiguan Allspace ainda é algo muito bom, apesar da menor potência. A suspensão mantém um ajuste que fica entre o conforto e a dinâmica, com estabilidade em velocidades mais altas, mas algumas reclamações em pisos mais acidentados. Fora-de-estrada nem passa em seus pensamentos, mas anima quem procura a dinâmica que conhecemos de tantos anos da Volkswagen, mas diferente dos produtos nacionais e já mais suavizados. Até por isso tanta lamentação sobre não ter mais os mais de 200 cv.
Entre os SUVs desta categoria, o Tiguan é o mais interessante para se dirigir. Junto, um pacote de assistências completo, bom espaço interno e ainda é um carro bonito. Só que a faixa de preço já tem híbridos, como o GWM Haval H6 PHEV, Caoa Chery Tiggo 8 Pro PHEV e BYD Song Plus PHEV, mas eles não tem aspectos do Tiguan Allspace, como a dirigibilidade e alguns refinamentos técnicos, e marcas chinesas ainda não tem a confiabilidade de toda a população. O Tiguan Allspace está mais preparado para seus clientes fiéis que para novos compradores.
Fotos: Mario Villaescusa (para o Motor1.com)
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