Circuito Internacional de Ningbo, na China: o test drive dos carros da Zeekr continua. Já falamos sobre as impressões ao volante dos modelos X e 001, os primeiros que desembarcarão no Brasil, em outubro. Agora chega a vez de escrever sobre os dois Zeekr que mais nos impressionaram na pista: o exótico 001 FR e o elegante 007.

Lançado na China em setembro do ano passado, o Zeekr 001 FR é uma daqueles carros que têm no absurdo sua razão de existir - e, felizmente, ainda há fabricantes que se dão ao luxo de produzir excentricidades assim (no caso do 001 FR, são 99 exemplares por mês).

Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com

Oficialmente, a sigla FR vem de “Future Roads” (estradas do futuro), mas um funcionário da Zeekr brinca e diz que as letras são de “For Rich” (para ricos), já que o preço na China é de 769 mil yuan, ou R$ 578 mil na conversão direta. Sua chegada ao Brasil é improvável, porém possível: “Se houver demanda, yes!”, afirma um executivo da marca.

Por fora, o que se vê é a carroceria do modelo 001 normal: um corpanzil de 5,02 m de comprimento, com entre-eixos de 3 metros e perfil de shooting brake, ou seja: combinando elementos de station wagon e cupê. Mas repare que há um grande spoiler dianteiro e largas saias laterais. Na traseira, são o difusor sob o para-choque e o enorme aerofólio que marcam a diferença. Todos esses apêndices aerodinâmicos são de fibra de carbono. Há ainda as rodas de 22” pintadas de preto e calçando pneus Pirelli P-Zero 265/40 R22 na frente e 295/40 R22 atrás. Você precisará de toda essa borracha em contato com o asfalto!

Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com
Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com
Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com

A grande diferença, porém, está no chassi. O advento dos motores elétricos modernos está subindo o sarrafo da potência. Se antes era preciso um supercomplexo W16 de 64 válvulas atrelado a quatro turbocompressores e dez radiadores para passar dos 1.000 cv (vide Bugatti Veyron), hoje essa marca vem sendo superada com simplicidade e elegância, sem riscos de superaquecimento.

Enquanto o Zeekr 001 “normal” que dirigimos primeiro tinha dois motores e 544 cv, o que já é potência à beça, a versão 001 FR tem quatro motores e rende nada menos que 1.265 cv! O torque é digno de um caminhão: 130 kgfm. Tudo isso faz do FR o carro mais forte do grupo Geely, dando poeira até no Lotus Eletre R, com seus 918 cv.

Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com

Os motores levam componentes de carbeto de silício, material de maior eficiência e resistência quando submetidos a alta temperatura, pressão e velocidade de deslizamento. Cada motor é controlado individualmente por um sofisticado software de vetorização de torque. Assim é possível, por exemplo, girar as duas rodas esquerdas para a frente e as duas rodas direitas para trás, fazendo com que o carro gire 360º sem sair do lugar, como um tanque de guerra - aquela mesma manobra que fez a fama do utilitário Yangwang U8, da BYD. Mas evite esse exibicionismo para não gastar os P-Zero à toa…

Vale dizer que, na China, o 001 FR concorre diretamente com o Tesla S Plaid, que tem três motores, rende 1.033 cv, custa 815 mil yuan e não faz o truque do pião. Ponto para a Zeekr. O mais incrível é que, mesmo com torque e potência de hipercarro, o 001 FR poderia perfeitamente ser dirigido por uma vovó a caminho da missa. Foi o que pudemos perceber em duas voltinhas no autódromo de Ningbo.

Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com

A bordo

Como nos outros Zeekr, motores elétricos abrem a porta, bastando pressionar a maçaneta. Entre, pise no pedal do freio e a porta se fecha sozinha. Como no 001 normal, todos os comandos são feitos pela grande tela de multimídia de OLED (15,5”), o que não é lá muito intuitivo. Mas gostamos um bocado do ajuste dos retrovisores externos: sensores detectam para qual dos dois lados você está olhando e, automaticamente, o comando de ajuste é passado para esse espelho.

O painel é basicamente igual ao do 001 normal, mas a forração é ainda mais caprichada e vistosa, com metros e mais metros de alcantara vermelha. Os bancos, como em todo Zeekr, são excelentes. No FR, têm desenho mais esportivo e, já na primeira curva forte, você vai sentir a lateral se inflando para segurar o corpo contra a força centrífuga.

Como no 001 normal, o FR tem sistema de 800V e bateria de 100 kWh, com promessa de 580 km de autonomia (ciclo WLTP) e recargas de 10% a 80% em 15 minutos - se houver um carregador à altura. Curiosamente, a autonomia indicada do 001 FR com seus quatro motores é igual à do 001 comum, com dois motores e menos da metade da potência.

Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com

Kimi Räikkönen

Ninguém menos que Kimi Räikkönen ajudou a fazer o acerto de chão do FR. O campeão de Fórmula 1 de 2007 foi nomeado o novo consultor-chefe de desempenho da Zeekr, com a missão de tornar o carro “mais rápido e mais forte”. Como resultado, temos um carro mais firme e muito mais controlável que o 001 comum.

Os amortecedores são da alemã KW, a mesma fornecedora de suspensões para a AMG. Mas o que realmente faz um mundo de diferença são os freios, com discos de cerâmica da Brembo e pinças da AP Racing: continuaram eficientes mesmo após voltas e mais voltas com os jornalistas. Vale lembrar que esse supercarro elétrico pesa 2.350 quilos.

A cada aceleração, uma pancada: o 0 a 100 km/h é feito em 2,3 s e, num piscar de olhos, já estamos a 170 km/h no fim de uma pequena reta. A máxima é limitada a 280 km/h.

Zeekr 001 FR na pista
Motor1.com

São 422 cv no eixo dianteiro e 843 cv no eixo traseiro, o que dá ao carro a característica sobresterçante percebida no autódromo. A vetorização de torque individual em cada roda, contudo, facilita muito a tarefa de guiar - mas os controles eletrônicos também se metem um bocado, cortando potência.

Em nenhum momento você sente que está montado numa besta-fera ameaçadora. O silêncio desse carro elétrico pode ser quebrado por alguns sons sintetizados, mas nenhum deles é muito real ou emocionante. Melhor deixar mudo mesmo. Outra: um comando atrás do volante para aumentar ou reduzir a regeneração (criando um efeito de freio motor/redução de marcha) tornaria a experiência mais interativa. Nesse ponto, o Hyundai Ioniq 5 N que experimentamos em abril ainda é muito mais divertido, mesmo com “apenas” 609 cv… Às vezes potência máxima não é tudo.

Zeekr 007
Motor1.com

Enfim, o 007

O último carro que guiamos no autódromo do grupo Geely em Ningbo foi o 007 - justamente o mais promissor! Trata-se de um modelo intermediário entre os modelos X e 001. Sua chegada ao Brasil está prevista para o ano que vem. A missão desse Zeekr com nome de agente secreto é enfrentar o arquirrival BYD Seal, que hoje custa R$ 300 mil (mas deve ficar mais caro com o aumento da alíquota de importação). Na China, sua tarefa é ainda mais difícil: brigar com o Tesla Model 3, fabricado na Gigafactory de Xangai, e também com o Xiaomi SU7, atualmente o carro mais badalado no país da Grande Muralha.

Com 2,92 m de entre-eixos e 4,86 m de comprimento, o 007 é ligeiramente maior do que o BYD e o Tesla, mas é um pouquinho menor que o Xiaomi. Lembre-se que os chineses ainda preferem ter um sedã espaçoso em vez de um SUV.

Zeekr 007
Motor1.com

Lançado em novembro passado, o modelo já tem a plataforma SEA3, a mais moderna do grupo (compartilhada com o sedã médio Geely Galaxy F8). Em breve, essa mesma base será usada no SUV Zeekr 7X, por enquanto apresentado apenas em fotos. Mais adiante, a plataforma deverá dar a origem a modelos da Volvo..

O desenho é muito limpo, fluido e quase sem vincos. Aquele futuro imaginado pelos projetistas dos carros-conceito Ford Probe nos anos 1980 parece, enfim, ter chegado! Os departamentos de estilo das marcas do grupo Geely têm sede em Gotemburgo, na Suécia. A impressão é que a equipe de design da Zeekr, comandada pelo alemão Stefan Sielaff (antigo chefe na Audi), tem total liberdade de criação e os projetos chegam às ruas ainda bem fiéis às ideias iniciais. Não à toa, o 007 acaba de ganhar o Red Dot Award, na categoria Produto. Realizado na Alemanha desde 1955, o Red Dot é um dos mais reconhecidos (e seletivos) prêmios internacionais de design.

Zeekr 007
Motor1.com

No 007, o que mais chama a atenção é a dianteira. Já que carros elétricos não precisam de grade do radiador, por que não pôr ali um painel de 90 polegadas com 1.711 LEDs, com o qual o motorista possa se comunicar com o mundo ao redor? Mal comparando, o tal painel, chamado de Stargate, é como os letreiros dos ônibus atuais. Os faróis de verdade são estreitinhos e vão praticamente escondidos abaixo do Stargate. Sob o capô há um frunk, aquele pequeno compartimento dianteiro de carga disponível em alguns carros elétricos.

Zeekr 007
Motor1.com

Além de palavras escritas (de forma normal ou espelhada), o painel Stargate pode emitir uma infinidade de sinais: joinhas, corações, raios, mãos dando adeus ou, simplesmente, um padrão abstrato de “assinatura luminosa” que deixa o sedã com cara de carro do futuro. Os LEDs podem até ficar oscilando de um lado para o outro, para que você se sinta ao volante da Supermáquina do seriado de TV. É bem impressionante e divertido, mas ficamos imaginando o tamanho do prejuízo numa simples batidinha de trânsito…

Essa mesma questão do “mundo real” paira sobre o enorme vidro traseiro que se prolonga até o meio da capota, dando um lindo efeito de teto panorâmico e com possibilidade de variar a transparência e o isolamento térmico. É rezar para não ter uma trinca. E o que dizer das maçanetas substituídas por botões e motores para abertura automática, tanto para entrar quanto para sair do carro? Se a bateria arriar, isso pode ser um problema. Mas, enquanto nada quebra, o efeito é de cair o queixo. A impressão é de que os carros brasileiros estão, no mínimo, duas décadas atrasados em relação aos novos elétricos chineses.

Zeekr 007
Motor1.com

A traseira também é bem original, com lanternas compridas e estreitinhas instaladas no alto da tampa do porta-malas. Logo abaixo delas, há um baixo relevo na forma de pequenos losangos achatados - à noite, esse painel reflete e realça as luzes traseiras. Ninguém poderá acusar o 007 de falta de personalidade.

Tem mais: graças à disposição das lanternas e ao desenho das dobradiças, a boca do porta-malas é enorme, facilitando o acesso de bagagens grandes e desajeitadas. Combinando com o sistema de LEDs lá da frente, há ainda alto-falantes voltados para fora do carro, que podem tocar músicas ou servir como megafone. Em mãos erradas, é um perigo…

Zeekr 007
Motor1.com

Por dentro do 007

O interior segue o padrão dos outros Zeekr, com ótimo couro sintético forrando cada centímetro dos bancos, laterais e painel, além de imitação de alcantara nas colunas e em volta do teto panorâmico. São materiais de excelente qualidade e com costuras caprichadas, tudo feito com muito bom gosto, sem esbarrar em excessos.

Como no modelo X e no Volvo EX30, o volante tem base e topo achatados. O seletor da transmissão vai na coluna de direção, abrindo espaço no console. Como nos outros modelos, os bancos são excelentes e há lugar de sobra para os joelhos de quem vai no assento traseiro. A grande área envidraçada aumenta essa sensação de espaço e, sobretudo, leveza.

Uma tela de alta e um head up display de alta definição formam o quadro de instrumentos. Ao lado, a tela multimídia (de 15,5”) pode ser voltada para o motorista, ficar reta ou ser inclinada para o passageiro. Ali estão todos os comandos, inclusive o das saídas do ar-condicionado. Sentimos falta de botões “de verdade”, que desviam menos a atenção do motorista.

Zeekr 007
Motor1.com

Para que todos os ADAS funcionem a contento, há um Lidar, cinco radares de ondas milimétricas e 12 câmeras de alta definição espalhados por todos os lados do carro. Na central multimídia, é possível ver o 007 pelos mais variados ângulos e mesmo em modo invisível (mostrando apenas as rodas e o que está à frente e abaixo do carro). Mas nem precisa se preocupar com isso, pois as funções semiautônomas de estacionamento são bem fáceis de serem operadas. Passe o dedo na tela mostrando onde e como você quer pôr o carro e pronto: ele vai pra vaga sozinho.

Há versões com um motor traseiro (que na China custa 209.900 yuan, ou R$ 160 mil na conversão direta) ou ou dois motores (259.900 yuan, ou R$ 198 mil). O 007 à nossa disposição na pista de Ningbo é o bimotor, a versão que provavelmente chegará ao Brasil.

Primeira impressão: reinam o silêncio no rodar e a suavidade nos comandos. Segunda: mesmo pesando 2,5 toneladas, esse Zeekr passa a sensação de ser bem mais leve que os outros modelos da marca. O motor dianteiro rende 224 cv e o traseiro, 422 cv, com uma potência combinada de 646 cv e torque de 72 kgfm. Parece até um bom carro com tração traseira - a gente dirige usando o acelerador, e as salvaguardas eletrônicas atuam de forma mais discreta que no X e nos 001.

Zeekr 007
Motor1.com

Projetada na Europa, a plataforma é a mais avançada da linha e foi afinada pela Lotus (que, como você já sabe, também pertence ao grupo Geely). Tem suspensão tipo duplo A na frente e multilink atrás, com amortecedores de ajuste eletromagnético. Sentimos a direção mais rápida e menos anestesiada que nos outros Zeekr. O volante é “de verdade”, sem aquele feeling de joystick desconectado das rodas… Os pneus Michelin 255/40 R20 ajudam na brincadeira e raramente mostram seu limite.

Se, nas ruas, este é um pacato sedã médio-grande de passeio, na pista podemos explorar sua aceleração de esportivo, com 0 a 100 km/h em 3,5 segundos. O 007 sai ainda na versão Performance, com o mesmo conjunto de motores, mas com carroceria mais leve (e pintada de amarelo kung fu!), prometendo baixar o tempo para 2,9 s.

Há duas opções de baterias: a chamada Bateria Dourada é de lítio-ferro-fosfato (LFP), de 75 kWh, e autonomia anunciada de 616 km (mas pelo ciclo chinês CTLC, o mais otimista de todos). Sua vantagem é ser mais barata e super-resistente: nos testes, essas baterias foram submetidas à temperatura de -45ºC, foram ao fogo por 4 minutos, arrastadas por 3 km, jogadas de 10 m de altura e pisadas por um rolo compressor de 22 toneladas. Aguentaram tudo. Outra vantagem é não trazer em sua composição o cobalto, mineral associado a problemas ambientais e sociais em sua extração.

Zeekr 007
Motor1.com

A outra bateria é do tipo lítio-óxido-manganês-cobalto (NMC), de 100 kWh, fornecida pela CATL. A maior vantagem é sua alta densidade de energia (ou seja: consegue armazenar mais energia em um mesmo espaço). Daí que a autonomia do 007 aumenta para 770 km (ainda pelo irreal ciclo CTLC). É, contudo, mais instável e cara: na China essa bateria é um opcional de 20 mil yuan, ou R$ 15 mil.

Dos quatro Zeekr que guiamos em Ningbo, o 007, é sem dúvida o de comportamento mais divertido e agradável. Uma prova da rapidez com que os carros chineses vêm evoluindo nos últimos três anos. Vai ser difícil para as marcas ocidentais acompanharem esse ritmo.

Envie seu flagra! flagra@motor1.com