Há muitos anos que eu não via um novo modelo oferecer o que a nova Ford Ranger está oferecendo. Não estou falando de como a picape em sua nova geração mexeu com o segmento das médias com uma evolução grande de tecnologia e mecânica, mas sim de uma configuração que é quase única: a XLS V6. E o que ela tem de tão especial? É uma versão "básica", mas com o motorzão V6 turbodiesel.
Entre as picapes médias, ou se tem as configurações de entrada com motor menor, ou todas as versões têm o mesmo motor. A Ford te dá a chance de escolher uma Ranger básica com mais desempenho. A versão XLS V6 custa a partir de R$ 279.990, ou R$ 20 mil a mais sobre a Ranger XLS 4x4 2.0 turbodiesel e R$ 10 mil a menos que a Ranger XLT V6. E o mais importante, R$ 18.440 mais barata que a Volkswagen Amarok Comfortline mais em conta. Mas uma Ranger XLS V6 faz sentido ou esse tipo de versão é rara por um motivo?
Esqueça condução semi-autônoma, couro ou a última palavra em sistemas de segurança. A Ford Ranger XLS V6 só não tem uma lista de equipamentos de série mais enxuta porque a marca deu um passo à frente ao deixar a nova geração relativamente bem equipada desde a versão mais básica e voltada para o trabalho
Todas as versões da Ranger saem de fábrica com bloqueio do diferencial traseiro, 7 airbags, volante com ajuste de altura e profundidade, controle de cruzeiro, acendimento automático dos faróis, painel de instrumentos digital com tela de 8", central multimídia com tela de 10" e espelhamento sem fios, assistente de partida em rampa e controle de descida.
Nessa versão XLS V6, entram alguns diferenciais como parachoques pintados, partida remota, rodas de 17", saída de ar-condicionado para o banco traseiro, carregador de smartphone sem fio, 4 modos de condução, sensor de estacionamento traseiro, faróis em LEDs e 4 tomadas USB. Os bancos ainda são de tecido com regulagens manuais e os sistemas de auxílio à condução são praticamente inexistentes. Poderia-se reclamar que não tem nem ao menos um protetor de caçamba, e deve-se mesmo pois o item só aparece na versão mais cara, a Limited, uma reclamação que já fizemos anteriormente sobre a Ranger.
E aí entra o grande diferencial dessa versão. Sai o 2.0 turbodiesel de quatro cilindros e entra o 3.0 V6 turbodiesel capaz de entregar 250 cv de potência e 61,2 kgfm de torque já a partir de 1.750 rpm. Por conta da maior potência, outros itens mudam. A tração 4x4 deixa de ser a tradicional em favor de um sistema de tração 4x4 com opção de acionamento automático sob demanda, os freios traseiros passam a ser a disco e a picape recebe o sistema start-stop.
Por último, sai de cena a transmissão automática de 6 marchas em favor de uma com 10 velocidades. Em termos de desempenho, a Ford declara que a Ranger tem uma velocidade máxima de 187 km/h e acelera de 0 a 100 kmh em 9,2 segundos. Porém, nos testes do Motor1.com Brasil, ela cumpriu a aceleração em 8,7 segundos. Os testes de eficiência mostraram um consumo de 7,4 km/l na cidade e de 11,6 km/l na estrada.
Nas medidas, a picape tem 5.354 mm de comprimento, 1.918 mm de largura, 1.886 mm de altura e 3.270 mm de entre-eixos. O peso declarado da Ranger XLS V6 é de 2.266 kg, enquanto sua capacidade de carga é de 1.054 kg. Falando nisso, o volume da caçamba é de 1.250 litros. Para quem for sair do asfalto, o tanque tem 80 litros, a altura mínima do solo é de 235 mm, o ângulo de ataque é de 30 graus, o de saída é de 26 graus e o de transposição é de 22 graus.
Depois de ter andado em carros que praticamente se dirigem sozinho e que até gravam suas dancinhas para postar nas redes sociais, é um alívio ver uma Ranger que não se presta a nada além de ser uma picape. A simplicidade de seu propósito torna o convívio bem mais fácil. Quer ligar o motor? Gire a chave; quer ajustar o banco? Puxe uma alavanca, e só.
Os bancos de tecido são quase nostálgicos de uma época em que se sabia que eles eram muito melhores no corpo em temperaturas muito altas ou muito baixas do que os de couro. A única vantagem desses tecidos sintéticos que se vendem como couro é a facilidade de limpeza apenas.
Rancores com os carros modernos deixados de lado, a Ranger XLS V6 já tem os parachoques pintados, o que tira um pouco do aspecto de carro de trabalho, mas os apliques plásticos nos paralamas e as rodas menores com pneus de uso misto mostram que ela não está lá apenas para ser um rostinho bonito. Ainda que ela tenha um visual bem acertado e muito mais moderno do que a de suas principais rivais que, em alguns casos, já estão beirando as décadas de existência.
Entrando, a cabine ainda é tomada por plásticos, mas tudo ajeitadinho e bem montado. Mas algumas coisas enganam. O comando do ar-condicionado, por exemplo, tem cara de que é automático, mas não é, e ainda demanda um certo nível de interação com a multimídia por mais que tenha botões físicos. No demais, o tamanho da tela da multimídia, a alavanca de câmbio digital, o freio de estacionamento eletrônico e o painel digital relembram que se trata de uma picape média de nova geração, ainda que em roupagem quase básica.
Para testar a Ranger XLS V6, fui com a esposa e mais um casal de amigos para Paraty (RJ), uma viagem que, ida e volta, não dá 500 km, mas inclui estradas de alta velocidade repletas de caminhões apressados até serras em que não se passa de 20 kmh com curvas fechadas e subidas íngremes.
Daí vem o primeiro problema que é inerente de qualquer picape. Sem protetor de caçamba nem capota marítima, além de previsão de chuva no caminho, todas as malas tiveram que ir na cabine dividindo espaço com os passageiros. Sorte que a Ranger é larga e tem espaço de sobra para as pernas. Quem foi no banco de trás não reclamou da situação, mesmo depois de 4h30 de viagem na volta.
E isso nos leva à grande estrela do show: o conjunto mecânico. Potência e torque extras não são apenas pra fazer arruaça. Ter fôlego para, num carro carregado, ultrapassar um caminhão obviamente acima de seu limite de velocidade também significa segurança. E tranquilidade, porque você não passa o tempo inteiro na estrada calculando se é possível fazer ultrapassagens ou não. O V6 da Ranger te passa confiança rapidamente nessas manobras.
Já na serra que liga as cidades de Cunha (SP) à Paraty (RJ), o câmbio mostrou ao que veio. Ele já tem uma operação suave, mas, em pleno 2024, isso não é mais que a obrigação. Na descida da serra, a transmissão adiantou as reduções corretamente para aproveitar melhor o freio motor e não abusar dos freios de serviço. E os mais de 60 kgfm de torque foram uma mão na roda para a volta. Mesmo relativamente carregada, não teve pirambeira que exigiu mais do que meio acelerador para que a Ranger mantivesse a velocidade.
E fica mais um elogio para o acerto de suspensão. Até parece que a Ford chegou aos anos 2020. A Ranger é a picape média que menos quicou enquanto vazia nos buracos das ruas, ao mesmo tempo em que se manteve firme o suficiente para contornar curvas de raio longo a velocidades que é melhor deixar para a imaginação de vocês deduzir sem nem alarmar os passageiros que estavam dormindo. Nesse quesito de suspensão, a Ranger pra mim é a melhor picape média do mercado, mesmo tendo andado na Toyota Hilux SRX Plus que cobra mais caro para incorporar o conjunto da esportiva Hilux GR-Sport.
A roupagem de trabalho da Ranger XLS torna o uso simples, sem frescuras; O V6 te dá mais confiança e - principalmente - segurança nas horas de lazer. Quem disse que quem tem uma picape em versão básica não pode curtir um final de semana na praia sem se estressar na estrada? Sim, são R$ 20 mil a mais sobre uma Ranger 2.0, mas são menos de 10% de diferença que valem toda a pena. E depois que você anda em qualquer Ranger, é difícil considerar as outras na hora de comprar, tirando fatores como fama de confiabilidade ou tamanho da rede de lojas.
A Ranger XLS V6 não só dança como rebola debochadamente sobre a linha que separa as picapes de trabalho e as de lazer. É bom lembrar que nem todo mundo que quer mais desempenho está procurando mais luxo e, hoje, só a Ford tem uma opção assim entre as picapes médias.
Ford Ranger XLS V6
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