Serpenteando pelas estradinhas sinuosas da ilha da Sardenha, na Itália, o rugido do motor V8 biturbo (de 707 cv!) ecoa por paredões e abismos anunciando o fim de uma era. Nesses tempos de emissões reguladas a mão de ferro, teria sido muito mais fácil para o fabricante oferecer tamanha potência por meio de algum arranjo híbrido ou, simplesmente, instalando um motor elétrico em cada eixo. Mas, aqui, é a boa e velha combustão interna quem continua a dar as cartas sozinha, e a música que sai das quatro bocas do escape já começa a soar nostálgica.
Estamos ao volante do Aston Martin DBX707, o utilitário esportivo mais rápido do mundo - aliás, utilitário superesportivo parece o termo mais apropriado. Ao chamar o carro de "Seven-Ô-Seven", a turma da fábrica esfrega na cara do mundo a superioridade alcançada no dinamômetro. Esses 707 cv suplantam com folga os 680 cv do Porsche Cayenne Turbo S E-Hybrid, os 650 cv do Lamborghini Urus e os 635 cv do Bentley Bentayga Speed W12 biturbo. Em relação ao DBX "normal" (aquele mesmo que serve como Medical Car na Fórmula 1), são 157 cv e 20,4 kgfm extras!
Algum leitor atento há de lembrar que o Jeep Grand Cherokee Trackhawk - uma excentricidade para americano ver - ainda detém o título de SUV mais potente do planeta com seus 717 cv. Ok... Mas só o DBX707 consegue acelerar de 0 a 100 km/h em 3,3 segundos, ir de 0 a 160 km/h em 7,4 segundos, alcançar os 310 km/h de máxima e, além disso, fazer muita curva. Tobias Moers, antigo chefe da AMG e hoje o mandachuva da Aston Martin Lagonda, já prometeu que levará o carro a Nürburgring Nordschleife para suplantar o atual recorde do Porsche Cayenne Turbo GT (7:38.9).
A chegada do Seven-O-Seven ao Brasil já está marcada para junho ou julho. Se a cotação do real não variar muito até lá, o super SUV custará R$ 3,7 milhões, contra os R$ 2,8 milhões do DBX comum - quem há de ligar para uma pequena diferença de R$ 900 mil? Como o mundo não é um jogo de Super Trunfo, deixamos todos esses números de lado e fomos sentir, em primeira mão, as emoções de guiar esse utilitário com nome e disposição de avião a jato.
Primeiro, o impacto visual. Em relação ao DBX "comum", o 707 tem grade mais larga e grandes entradas e saídas de ar para os freios. Seu spoiler dianteiro, as saias laterais e os aros opcionais de 23 polegadas (para quem acha pouco as 22" de série) contribuem para a aerodinâmica e o visual de SUV brabo. Mas é na traseira que está o mais chocante: alinhado com as quatro saídas do escapamento de aço inox há um difusor tão pronunciado para trás que poderia servir como cama para um gato. O para-choque é todo novo, com aberturas que ajudam a esfriar os freios.
As maçanetas embutidas saltam para que possamos abrir a porta do motorista. Quem valoriza muito a eletrônica a bordo ficará decepcionado com o DBX707: a tela multimídia não é touchscreen e, de resto, há um monte de botões "físicos" no console, algo em extinção em 2022.
Também não gostamos do seletor do câmbio por teclas no alto do painel, ladeando o botão de partida. É desagradável especialmente nas manobras de estacionamento, quando se tem que esticar o braço algumas vezes - e mover o tronco à frente, no caso deste repórter de 1,70 m de altura.
Fora isso, a posição dirigir é excepcional. O motorista não tem aquela sensação de estar "lá em cima", tão comum nos SUVs. A linha de cintura, com vidros laterais baixinhos, reforça a impressão de se estar em um hatch esportivo e não em um utilitário com 5,04 metros de comprimento por 1,68 m de altura. O DBX707 disfarça bem seu tamanho.
O melhor de tudo é ser recebido por bancos dianteiros tipo concha, que nos tratam bem qualquer seja a distância a percorrer. Além do amplo ajuste, o volante tem um aro que enche as mãos, além de duas imensas aletas de fibra de carbono para as trocas de marchas em modo manual.
O espaço no banco traseiro é bom para dois passageiros, sem apertos nas pernas, graças ao entre-eixos de 3,06 m. E há até um porta-malas com 638 litros de capacidade (mais 81 litros sob o fundo falso), o que faz do DBX uma shooting brake dos tempos modernos.
O que mais impressiona é a qualidade do acabamento interno. Como o 707 é bem forrado! Por onde se olha há couro de primeira (até nas telas dos alto-falantes) ou fibra de carbono de verdade (atrás dos bancos, no console etc). Tudo é ótimo no tato e na aparência, criando um ambiente mais refinado que no rival Lamborghini Urus.
Hora de apertar o botão do arranque. Chamado de M177, o V8 biturbo de quatro litros fornecido pela AMG é, basicamente, igual ao que equipa o DBX comum, bem como os Aston Martin DB11 V8, DB Volante e Vantage. Com diferenças de acerto e rendimento, também é usado em diversos modelos da linha Mercedes-AMG.
Para chegar aos 707 cv que dão nome ao Seven-O-Seven, a Aston apelou para novos turbocompressores (com eixo girando sobre rolamentos) e uma nova calibração da central eletrônica. Administrando tamanha força, temos o câmbio automático Mercedes 9 G-Tronic. É o mesmo usado no DBX comum - só que, no 707, quem une o motor à transmissão é uma embreagem multidisco banhada em óleo, em vez do conversor de torque.
Essa embreagem faz toda a diferença, já que troca as marchas com mais presteza, apimentando a relação homem-máquina. Quer pôr em drive e esquecer do câmbio? Tudo bem - as passagens serão rápidas e sem vacilos. Em baixas velocidades, o Seven-O-Seven é suave com o motorista e, apesar de tanta potência, não é daqueles supercarros que andam aos arrancos. Sua tia poderia pegar o novo Aston Martin emprestado para ir ao supermercado.
Mas o bom é aproveitar os penhascos da Sardenha e fazer as trocas manualmente a cada entrada de curva, regendo o V8 enquanto permitem a existência de carros assim... Lembre-se: são 91,8 kgfm de torque máximo já a 2.600 rpm. Pise forte e esse poder se manifesta de forma quase que imediata. O mais parecido com isso que experimentamos foi guiar o Porsche Taycan Turbo S - carro 100% elétrico. Falta ao Taycan, contudo, o som grave e ao mesmo tempo nervoso do motor AMG subindo de giro num piscar de olhos.
Ao longo dos 440 km de avaliação, íamos acompanhando as barrinhas do marcador do tanque de 87 litros se apagando num ritmo preocupante - mais ou menos como acontece no indicador de autonomia dos carros elétricos. A média ficou em 5,71 km/l, mas há que se ponderar que, em muitos trechos, evocamos os tempos em que os Aston DB2/4 e DB3S participavam da histórica Mille Miglia.
Ao serpentear com esse SUV de 2,2 toneladas pelas montanhas, a gente percebe o belo trabalho que a Aston Martin Lagonda fez ao afinar a atuação da tração integral. Inicialmente, esse utilitário superesportivo parece um carro com tração traseira - daqueles que você consegue dirigir usando mais o acelerador que o volante. Depois é que a tração dianteira se faz notar e o modelo adota uma atitude mais neutra. Além disso, o diferencial traseiro do 707 tem bloqueio eletrônico, evitando patinadas de uma das rodas. Quem está no comando nunca se sente ameaçado pelo monstro.
Em um botão do console, há cinco modos de condução a serem selecionados. Há desde a função Terrain, que sobe as molas a ar da suspensão dianteira em 6 cm (recurso que usamos apenas uma vez para atravessar um pequeno trecho alagado, num caminho de terra batida) até o modo Sport+, o mais divertido de todos.
Aliás, uma das diferenças do DBX normal para o 707 é o controle mais intenso da suspensão a ar, contendo movimentos e reduzindo a rolagem da carroceria. No modo de condução GT (intermediário) o utilitário é até meio balançante. No Sport+, fica bem firme, além de mudar respostas do câmbio e permitir o controle de largada Race Start. É assim que se chega aos 100 km/h em 3,3 segundos.
A aderência é coisa do outro mundo, com muita borracha em contato com o chão. Temos os Pirelli P-Zero 285/35 ZR23 na dianteira e 325/30 ZR23 na traseira (sim... nosso carro estava com os 23" opcionais). São pneus largos, de perfil muito baixo, mas nem por isso, o 707 é um carro desconfortável. Pegamos asfalto ótimo, bem como meio áspero e um pouco esburacado. Em qualquer situação, mesmo no modo Sport+, tivemos um rodar cômodo. Outra: a direção com assistência elétrica nunca é anestesiada nem pesada demais.
E como o 707 freia, com seus enormes discos de carbono-cerâmica já devidamente aquecidos. Os dianteiros têm 420 mm de diâmetro e os traseiros, 390 mm. Para se ter uma ideia do quanto são grandes, um disco de vinil (long play mesmo, da vitrola) tem 300 mm de diâmetro. A contrapartida é o ruído ao frear, e não era coisa só do carro que avaliamos - no caminho, reparamos que os freios dos outros 707 também chiavam alto.
Chegando a uma autoestrada com asfalto excepcional pouco tráfego, houve jornalista que manteve velocidades próximas a 200 km/h imerso em silêncio e com uma sensação de absoluta confiança. Que delícia é dirigir esse carro por horas e horas.
Após um dia inteiro ao volante, chegamos radiantes de volta ao hotel, sem qualquer dor na coluna, mas com uma pergunta: por quanto tempo mais teremos motores a combustão tão potentes e complexos? Na própria Aston Martin esse tempo parece estar chegando ao fim: o DBX707 deve ser um dos últimos lançamentos da marca movido exclusivamente a gasolina.
Aston Martin DBX707 2023
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