A notícia de que a Ford vai fechar a fábrica em São Bernardo do Campo (SP), sua mais antiga planta no país e onde a empresa mantém sua sede, não foi exatamente uma surpresa. Porém, isso acende um sinal amarelo sobre qual será o futuro da fabricante, não só no Brasil como no restante do mundo. Estaria a Ford caminhando para um encolhimento ou apenas buscando o lucro? Um pouco de cada...
No momento, a Ford ainda não está no vermelho, mas há uma cobrança por resultados. A fabricante fechou 2018 com um lucro de US$ 3,7 bilhões, menos da metade do que fez em 2017 e abaixo da esperada margem de lucro de 8%. As ações despencaram para US$ 1,30, uma queda de 39% ao longo do ano. Para a diretoria e acionistas, são números preocupantes. É aí que entra Jim Hackett, CEO da empresa que foi contratado em 2017 justamente para reestruturar a fabricante.
O plano de Hackett é cortar US$ 25,5 bilhões em custos até 2022 e alcançar a margem de lucro de 8%. A estratégia é reduzir ao máximo a empresa, acabando com os prejuízos e investindo onde há perspectiva de lucro. O que isso significa? Na parte de investimentos, a reestruturação se refletiu no fim dos hatches e sedãs, uma medida anunciada para os Estados Unidos e que pode afetar outros mercados – o comunicado da Ford Brasil diz que a empresa também irá focar seus esforços por aqui em SUVs e picapes.
Só mudar o portfólio não será o suficiente, pois ainda há o problema dos prejuízos. A Ford está investindo pesado no desenvolvimento de carros elétricos e autônomos, o que não está gerando nenhum lucro, já que eles ainda não foram lançados. Enquanto isso, enfrenta problemas na China, onde as vendas da marca caíram 25% no primeiro semestre de 2018.
A situação na Europa não é melhor. A participação de mercado da Ford na região foi de 8% para 6,5%, registrando um prejuízo de US$ 245 milhões no terceiro trimestre de 2018. A marca já anunciou que irá acabar com a produção na fábrica de transmissões em Bordeaux (França) e está tirando de linhas modelos que vendem abaixo do esperado, como a minivan C-Max. Está tão ruim que irá demitir milhares de trabalhadores na região, tirar outros modelos de linha e ainda ameaça acabar com a operação de mais algumas fábricas no continente, como na Inglaterra, caso o país realmente deixe a União Europeia (Brexit) sem um acordo de comércio com o bloco.
No meio desse cenário, ainda está a América do Sul. A Ford diz que o prejuízo na região entre 2012 e 2017 foi de US$ 4,2 bilhões. Em 2018, foram mais US$ 678 milhões perdidos. Com 9,17% de participação de mercado, a Ford fechou 2018 com 226.437 unidades vendidas, sendo que a dupla Ka e Ka Sedan correspondeu a 142.312 unidades, ou 62,8% do total vendido. A margem de lucro dos modelos mais baratos é baixa e, para piorar, o principal cliente do Ka são as locadoras de veículos – informação revelada por Lyle Watters, presidente da Ford para América do Sul. Vendas diretas reduzem a margem de lucro.
O Ka ainda representa outro problema para a Ford. Desde o lançamento da terceira geração, ele canibalizou o Fiesta. É um modelo mais barato e feito sobre a mesma plataforma. E a imagem do Fiesta ficou arranhada após o câmbio Powershift (que equipava as versões automáticas) apresentar problemas. A empresa tentou resolver com o lançamento do Fiesta 1.0 EcoBoost, mas seu preço alto (R$ 71.990 no lançamento) afastou os clientes. A situação foi agravada com renovação do Ka, quando ele recebeu mais equipamentos e um conjunto mecânico formado pelo novo motor 1.5 de 136 cv (mais eficiente que o 1.6 de 128 cv do Fiesta) e um câmbio automático com conversor de torque. A empresa ainda perdeu a chance de posicionar o Fiesta como um modelo concorrente do Polo.
O resultado foi visto nas vendas. Em 2018, o Fiesta emplacou 14.505 unidades, um número consideravelmente baixo. Como comparação, o Toyota Yaris emplacou 18.584 veículos e ele só começou a ser vendido em julho. E quem produz o Fiesta? A fábrica de São Bernardo do Campo, que trabalha em turno único, com ociosidade e alternando a produção. Em alguns, montava só Fiesta, em outros, apenas caminhões. O Motor1.com já havia adiantado que a marca iria matar o hatch com o tempo.
Watters diz que tentou outras alternativas, como vender a fábrica para uma empresa turca ou fechar uma parceria para o uso do complexo - possivelmente com a Volkswagen, agora sua parceira para veículos comerciais. Nada deu certo, levando à decisão de encerrar a produção de SBC. O executivo diz que seria necessário investir uma quantia expressiva para atender às demandas do público brasileiro, o que não seria viável para a lucratividade. Na reunião com o sindicato, Watters ainda citou a indefinição do governo sobre o Euro 6, novo programa de emissão de poluentes para caminhões, o que atrapalha qualquer estratégia de investimento.
A grande pergunta no momento é: qual o futuro da Ford no Brasil? Quando rumores apontavam que a operação sulamericana poderia ser vendida, a marca respondeu que não tinha intenção de sair daqui, mas sim adequar os negócios na região. O que veremos é o encolhimento de todos os gastos da fabricante na região, mantendo a planta em Camaçari (BA) para carros, a de Taubaté (SP) para motores e a de Pacheco (Argentina) para picapes - inclusive dividindo o espaço com a Volkswagen futuramente.
Como consequência, o portfólio será reduzido. Além do fim do Fiesta, a Ford já havia confirmado o encerramento da produção do Focus na Argentina. As versões sedã de ambos também deixarão nosso mercado. Outro que está com os dias contados é o Fusion, que vem importado do México e já teve o fim decretado nos EUA. Sobrarão Ka e Ka Sedan, os modelos de grande volume da empresa; o EcoSport, que deve ser renovado de alguma forma; a picape Ranger, que na próxima geração dará origem à nova VW Amarok; e os importados Mustang e Edge.
O que vai tirar o sono dos concessionários é o silêncio da marca sobre quais serão os próximos passos. Os únicos lançamentos anunciados pela Ford para 2019 são o EcoSport sem estepe, que já foi apresentado, e a Ranger Storm, série especial da picape. De inédito, havia apenas o plano de trazer o Territory, versão Ford de um SUV chinês, apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo e que, segundo nossas fontes, não foi bem recebido. F-150 Raptor? A empresa diz que está em estudos e, mesmo que seja confirmada, virá em baixa quantidade por conta do preço. Em um momento que muitas fabricantes divulgam planos de lançamentos para os próximos 4 ou 5 anos, a estratégia da Ford de continuar quieta só aumenta as especulações negativas.
Fotos: divulgação
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