Causou comoção a expressão “o salão acabou”, proferida como sentença de morte no início da semana por Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos, que por 60 anos foram os protagonistas do Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, onde mostraram sua história no país.
Afinal, não é todo dia que alguém decreta o fim do que já foi a terceira maior exposição de carros do mundo em número de visitantes, que recebeu 750 mil pessoas na última edição, em 2018.
Mas Moraes logo emendou que, a partir deste ano, o evento passa a ser chamado de São Paulo Motor Experience, com uma nova proposta, que acontece de 6 a 14 de agosto próximo nas dependências do icônico Autódromo de Interlagos. Outro nome – o salão virou o já batido “experience” – e novo endereço, mas o mesmo objetivo: mostrar carros ao público. Portanto, não acabou, mas evoluiu – e atraiu o interesse das mesmas empresas expositoras de salões passados.
Segundo apurou este colunista, 17 dos 23 boxes de Interlagos disponíveis para aluguel já estão reservados para exposições estáticas – como em um salão – de carros de mais de 17 marcas de algo como uma dezena de fabricantes. Isso quer dizer que só faltam seis boxes para alugar e a empresa organizadora RX (antiga Reed), já dá o evento como certo, viabilizado e confirmado – ainda que a pandemia sempre possa causar estragos.
O BMW Group, com BMW e Mini, foi o primeiro a desistir publicamente de expor no antigo salão marcado para 2020, e foi o primeiro a confirmar que estará no SPMX, com um box de exposição para cada uma de suas duas marcas e dezenas de carros para test drives. De acordo com a fabricante, a possibilidade de oferecer mais “experiências” ao volante dos seus automóveis foi o que chancelou a ida (ou a volta) ao evento.
Ainda sem confirmação oficial, sabe-se de bastidores que Renault, Nissan, Toyota e BYD estão prestes a confirmar presença, na dependência de trâmites burocráticos. Volvo, Kia, Caoa Chery, Hyundai, Volkswagen e Grupo Stellantis (com Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën e Ram) estão em negociações avançadas e tendem a estar em Interlagos.
Até a Ford, agora uma importadora, cogita a ideia de alugar um box e oferecer modelos para testes no evento. A recém-chegada Great Wall também conversa sobre a possibilidade de se juntar ao grupo.
General Motors já declarou publicamente que não irá, enquanto reservadamente Audi e Jaguar Land Rover também declinaram. Contudo, segundo uma fonte, algumas empresas disseram que hoje a resposta é não, mas podem ainda mudar de ideia até abril.
O efeito manada é sempre grande nesse tipo de evento. Quando um concorrente confirma presença, o outro se sente obrigado a confirmar. Pode ser o caso, por exemplo, da Mercedes-Benz em sua disputa por clientes com a BMW, o mesmo valendo para a Audi no segmento premium.
“Como é de conhecimento público, reservamos Interlagos para realizar um novo salão. Um evento para continuar grande, como a própria história mostra. Mas, diferente, com mais experiência para os apaixonados por carro e diversão para a família. Interlagos é o local ideal e o apoio da Prefeitura de São Paulo está sendo fundamental. A marca Salão do Automóvel é grande e, com Interlagos, unimos dois grandes ícones do mundo automotivo no São Paulo Motor Experience”, explica Luiz Bellini, diretor de portfólio da RX responsável pela organização do SPMX.
Bellini também garante que, ao contrário do que a mudança de nome possa ter sugerido, a marca Salão do Automóvel não está sendo abandonada e o protagonista do evento segue sendo o mesmo: o carro.
“Tudo vai continuar centrado no produto da indústria, o que estamos fazendo é reinventar o salão, com número muito maior de experiências táteis ao volante e para toda a família, aprofundando o que já tínhamos começado a fazer no salão passado, quando montamos diversas áreas externas para test drives”, diz.
Na verdade, o que acabou foi o dinheiro, não o salão nem o interesse do público pelo evento – como se comprova pelos 750 mil visitantes de 2018. Montadoras que chegavam a esbanjar R$ 20 milhões em estandes nababescos, que não vendiam um carro sequer (ao menos não ali), não têm mais como justificar gastos sem ganhos equivalente às matrizes – que agora direcionam bilhões de dólares e euros para fazer frente a questões muito mais importantes, como eletrificação e digitalização sem precedentes dos veículos.
Não fosse por isso, talvez essa discussão sequer existiria e todos ficariam contentes em realizar os mesmos salões de sempre. Alguns fabricantes ainda desejam participar de um salão tradicional, mas boa parte decretou que nunca mais participará de um evento assim, motivando a busca de opções disfarçadas de “experiência” no lugar da simples exposição.
Já no começo de 2020, antes mesmo da pandemia jogar uma pá de cal em todos os eventos presenciais pelos dois anos seguintes, o salão já tinha sido cancelado por falta de quórum, com o mesmo discurso da busca por experiências exclusivas mais baratas e efetivas. A Anfavea prometeu estudar com a RX uma nova fórmula para 2021, o que também não aconteceu por causa da Covid.
A nova fórmula, fechada no quarto trimestre de 2021, foi baseada em vários exemplos como a CES de Las Vegas, novo Salão de Munique na Alemanha, Goodwood Festival of Speed na Inglaterra, Loolapalooza (já realizado em Interlagos) e Rock in Rio. Foram feitas visitas a esses eventos e organizadas diversas reuniões entre RX, Anfavea e representantes dos fabricantes.
Tudo girou em torno de atender de atender três pedidos das montadoras para realizar a mostra brasileira: fazer um evento mais barato que o salão tradicional, com oferta de múltiplas experiências para atrair aficionados por carros e suas famílias, além de poder vender veículos no local.
Os três pedidos parecem ser atendidos pelo SPMX, a começar pelo preço, menor que um décimo de quem mais gastava em salões anteriores. Segundo apuração junto a fontes deste colunista e com valores sujeitos a mudanças, três pacotes de participação estão sendo oferecidos às montadoras, com custos que somados são de 60% a 70% menores do que os gastos no SP Expo.
O pacote mais simples – que até agora ninguém comprou – custa cerca de R$ 250 mil por marca e inclui só a participação de veículos nas quatro pistas de test drives, que serão organizados pela TSO, empresa especializada contratada da RX. Está incluído no valor combustível, limpeza e um instrutor por carro em teste, que será treinado por cada fabricante para mostrar ao motorista/visitante os atributos de cada modelo.
Por algo em torno de R$ 450 mil junta-se o test drive de dois carros por pista com um box por marca, na área dos boxes de Interlagos que será transformado em uma espécie de “boulevard de exposições” localizado ao lado da reta de chegada. Ao locar um box, a montadora também tem à disposição um espaço equivalente no andar de cima, no paddock, onde pode montar sua área VIP para receber executivos e convidados.
O pacote sobe para perto de R$ 750 mil se o expositor quiser aumentar de dois para quatro o número de carros para test drive por pista. Incluindo também um box e espaço no paddock por marca, até agora esta tem sido a configuração mais procurada. Fabricantes com muitas marcas, como é o caso da Stellantis, estão negociando dividir o box entre marcas com menor número de produtos.
Além da locação dos espaços, fica sob responsabilidade do expositor os custos para decorar os ambientes e contratar serviços de recepção e buffet. Segundo algumas projeções, com no máximo R$ 2 milhões já é possível garantir uma participação relevante. Se alguma montadora ou qualquer outra empresa quiser montar um estande externo dentro do autódromo, poderá fazer isso às suas custas, mas será em área deslocada da “zona quente” do evento.
A área principal do SPMX compreende o “boulevard de exposições” dos boxes e atrás deles, passando pelo pavilhão do paddock VIP, onde serão realizadas diversas palestras e apresentações de tecnologias, área que abrigará a pista off-road e a saída para test drive na curva do laranjinha, para duas voltas com o carro escolhido na pista principal de Interlagos.
Causou incredulidade a imodesta previsão de que o SPMX vai oferecer 100 mil test drives aos visitantes. Na verdade, essa é uma projeção irreal e que não inclui só test drives, mas todas as experiências oferecidas, incluindo também voltas em patinetes elétricos, quadriciclos, além de testes em pista de frenagem automática de emergência (AEB) e controle de estabilidade e tração (ESC), entre outras possibilidades ainda em construção.
Seriam alcançados não mais do que 60 mil test drives agendados se – e somente se – todas as 14 marcas em negociação confirmarem presença em todas as quatro pistas do evento, e se houver demanda suficiente dos visitantes que terão de pagar preços variáveis para dirigir cada carro.
Na pista principal, com saída e chegada no laranjinha, serão colocados no máximo 80 carros para rodar distanciados, em baterias de 15 a 20 minutos de duração. O test drive percorre todo o trajeto do circuito de Interlagos – mas com calma, instrutor do lado, velocidade máxima de 120 km/h e curvas afuniladas para a passagem de um só carro.
Também haverá uma pista de terra com cerca de 1 km dedicada a percursos de baixa dificuldade com SUVs 4x4 e 4x2. Os utilitários 4x4 poderão mostrar sua capacidade em uma pista curta de obstáculos, com diversos graus de dificuldade de transposição.
Haverá ainda um pequeno trajeto-aperitivo exclusivo para elétricos. Está em negociação também a oferta de transporte interno com modelos elétricos de uma marca.
Atrações alternativas ainda incluem roda gigante, área de e-sports (videogames), palestras e apresentações de tecnologias, pista de derrapagem controlada (drifting) e veículos tunados, espaço para UTVs (veículos recreativos como quadriciclos e triciclos), exposições de carros antigos e de automóveis de sonhos – ao que parece já estão confirmados Ferrari, Lamborghini e McLaren –, pistas fechadas para alguns fabricantes e tudo que cabe na imaginação das ações de marketing, ainda em planejamento.
Os organizadores avaliam que é pouco ou nada provável que chuvas possam atrapalhar o evento com muitas áreas ao ar livre, o que afugenta os visitantes. Justamente por isso a data escolhida para a realização do SPMX foi em agosto, o mês que historicamente apresenta o menor índice pluviométrico do ano na cidade de São Paulo.
Está em curso a criação de uma área de vendas das montadoras, onde os visitantes poderão comprar carros – essa sim uma novidade do evento. Mais ainda, o comprador poderá avaliar seu carro usado em empresa especializada no estacionamento do SPMX – localizado na extensão da reta oposta, com entrada pelo kartódromo.
Ao chegar, o visitante pode fazer a avaliação do carro e emitir um voucher com a garantia do valor oferecido. Com o documento, pode negociar a entrada para o carro novo, da marca escolhida no estande de vendas.
Para os que forem ao São Paulo Motor Experience em Interlagos, há muitas opções para gastar dinheiro. Ainda em estudo, este colunista apurou que o ingresso mais barato vai custar R$ 45, com direito apenas à entrada e visita às diversas exposições – o preço é R$ 10 menor do que os R$ 55 cobrados no SP Expo em 2018 em dias de semana.
Os valores, ainda não definidos, vão subindo gradativamente conforme os desejos e o tamanho do caixa de cada um. Boa parte dos test drives serão cobrados de acordo com o carro escolhido – quanto mais luxuoso, esportivo ou de marca famosa, mais cara fica a experiência.
A exemplo do que aconteceu no último salão, a RX planeja colocar à venda um pacote VIP por R$ 7 mil, incluindo sofisticações como hotel cinco estrelas para um casal, carro de luxo com chofer e, claro, entradas do SPMX com muitos test drives, com espaço exclusivo. O preço é o dobro dos R$ 3,5 mil cobrados em 2018 por serviços semelhantes. Segundo a RX, na época todos os pacotes VIPs foram vendidos, ainda que reconheça ser pequeno o número de pessoas dispostas a gastar tanto para frequentar de forma exclusiva um evento de automóveis.
Para os expositores, o salão que virou “experience” promete ser mais barato e efetivo. Ganha-se no contato direto com os produtos, aumenta-se o entretenimento, simplificam-se as exposições e os gastos, mas perde-se em glamour, imagem e diferenciação entre marcas. Dizem ser a tendência global, sem volta, matar o velho para criar o novo. Nesse sentido, o salão morreu, mas por enquanto passa bem, pois sem passado não existe futuro.
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