A questão não é mais saber se a falta de componentes eletrônicos vai afetar a recuperação da indústria automotiva no Brasil este ano, mas quanto o desempenho já foi e será afetado. O tamanho do estrago começa a ser conhecido e segue em crescimento, colocando em risco de revisão para baixo até as mais conservadoras projeções de retomada divulgadas em janeiro.

Pior, ao que tudo indica, a falta de semicondutores, hoje um insumo tão básico para a produção de veículos quanto o aço da carroceria ou a borracha dos pneus, deverá se arrastar pelo resto deste ano e além, já que a média dos analistas só vislumbra alguma normalização do fornecimento global a partir do segundo trimestre de 2022 – ou seja, é possível que o setor tenha de conviver com o problema por mais um ano inteiro.

No início de julho, a Anfavea, que reúne os fabricantes instalados no Brasil, apresentou um estudo do Boston Consulting Group (BCG) que indica perda de produção em 2021 de 5 milhões a 7 milhões de veículos leves no mundo todo por causa da falta de semicondutores.

A consultoria aponta que 162 mil unidades já deixaram de ser produzidas na América do Sul no primeiro semestre, o que segundo a Anfavea representa algo em torno de 130 mil unidades só no Brasil, que responde por mais de 80% da produção na região. A entidade avalia que o número pode se repetir nos próximos seis meses: portanto, ao menos 260 mil automóveis podem não ser fabricados este ano porque não houve chips suficientes para as dezenas de centrais eletrônicas que comandam sistemas de frenagem, direção, airbags, multimídia e conexão entre motoristas e seus carros, para citar só algumas funções “semicondutor-dependentes”.

Mas o buraco pode ser ainda maior – e está crescendo. Segundo acompanhamento regular da consultoria Auto Forecast Solutions (AFS), dos Estados Unidos, o Brasil já tem oito fabricantes com 14 fábricas afetadas de alguma maneira pela escassez de chips desde março, que já levaram a reduções de produção ou paralisações das linhas de montagem de 41 modelos, com perdas somadas até agora de quase 200 mil unidades que deixaram de ser produzidas, número que deve subir para 220 mil levando-se em conta as interrupções já conhecidas até o fim de julho. Somando todas as paradas ou cadência reduzida, a AFS estima perda equivalente a 270 dias de operações.

Galeria: Chevrolet em São Caetano do Sul (SP) - 90 anos

PERDAS IRRECUPERÁVEIS

Segundo estima a AFS, em paralisações de até 21 dias, a perda de produção pode ser recuperada ao longo do ano; até 30 dias essa recuperação corre risco de não acontecer; nas interrupções de linhas por mais de um mês o volume que deixou de ser produzido torna-se irrecuperável, pois não há mais tempo hábil para isso mesmo se todo o fornecimento de semicondutores fosse normalizada – o que não deve acontecer.

No Brasil, segundo calcula a AFS, já existem três fábricas que já perderam mais de 30 dias de produção, caso da GM em Gravataí (ficará cerca de 150 dias parada) e em São Caetano do Sul (47 dias), e da Volkswagen em Taubaté (34 dias). Não estão descartadas novas paralisações, o que aumenta o volume irrecuperável de veículos que não serão produzidos este ano.

Se a escassez de chips continuar a paralisar linhas de produção, é possível que as fábricas brasileiras de veículos deixem de produzir mais de 400 mil carros e utilitários leves apenas este ano, com a possibilidade de adiar para depois de 2022 a recuperação prevista para 2021.

É uma perda e tanto, maior do que qualquer dificuldade econômica prevista, que se confirmada coloca em sério risco a expectativa dos fabricantes de produzir no País 2,3 milhões de veículos leves em 2021 e recuperar parte das perdas pesadas de 2020, quando a pandemia suspendeu as operações de quase todas as linhas por períodos de um a três meses, reduzindo a 2 milhões o número de unidades produzidas, o que já foi quase um milagre diante das circunstâncias negativas.

Galeria: Volkswagen - Fábrica de Taubaté (SP)

DESEQUILÍBRIO LEVA TEMPO PARA SER RESOLVIDO

Ironicamente, foi justamente o milagre da volta do crescimento do mercado em velocidade bem mais rápida do que era esperado que deixa o Brasil mais distante de voltar ao nível de produção de 3 milhões de veículos/ano – essa era a previsão para 2020 antes do impacto da Covid-19.

A queda muito profunda das vendas causou o cancelamento de encomendas de semicondutores (e outros insumos) e a retomada acelerada dos negócios gerou a escassez de tudo um pouco – e de muitos chips, desviados para outros setores que continuaram comprando durante a escalada da pandemia, como computadores, smartphones, games e diversos aparelhos eletrônicos.

Joseph McCabe, presidente da AFS, resume esse desequilíbrio em sua análise sobre a falta de semicondutores no setor automotivo:

“Conforme a indústria automotiva avança em mais eletrificação, compete cada vez mais por recursos que alimentam outras indústrias, principalmente a de aparelhos eletrônicos. Atualmente existem mais centrais eletrônicas de processamento em um automóvel do que em qualquer eletrônico de consumo, mas globalmente o número desses aparelhos é exponencialmente maior que o de carros.”

O problema é que ambas as indústrias, de carros e aparelhos eletrônicos, estão avançando rápido e a cada ano aumentam seus pedidos de semicondutores, um componente de alta complexidade tecnológica, que envolve investimentos bilionários em pesquisa, desenvolvimento e unidades produtivas sofisticadas, por isso poucas empresas no mundo podem produzir chips e seus insumos. A reação ao aumento súbito de pedidos é lenta, pode levar muitos meses, até anos.

No momento, a falta de chips é uma das consequências dos desequilíbrios produtivos causados pela pandemia no mundo todo, mas é um problema tão inesperado quanto era a Covid-19 um ano e meio atrás. Para o coronavírus já existem mais de meia dúzia de vacinas e é questão de tempo, mais em algumas regiões e menos em outras, até que a ciência consiga debelar a infecção.

No caso de semicondutores algo parecido deve acontecer, a necessidade de consumo criará novas fontes de fornecimento – mas quem consome menos ou não antecipa suas necessidades aos fornecedores vai para posições atrás na fila, como parece ser o caso do Brasil, tanto na imunização da população como na compra de insumos eletrônicos importados.

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