Teste BYD Shark: mais um delírio da moda ou veio pra ficar?
Picape híbrida plug-in tem qualidades, mas pode ser dúvida para um cliente fiel deste segmento
Existem diversas febres momentâneas na história do marketing. Depois da paleta mexicana, agora é a vez do pistache, que sabe-se lá até quando estará nos cardápios desde restaurantes refinados até sorveterias populares em receitas cada vez mais bizarras com um ingrediente que ninguém sabia o que era até outro dia - ou ainda nem sabem. Será assim com a BYD?
De uma marca desconhecida, passou pelo horário nobre da TV popular e agora invade segmentos com um público tão tradicional que é quase impossível mudar seus hábitos. A BYD Shark é uma picape média, justamente onde estão Toyota Hilux, Chevrolet S10 e Ford Ranger, com uma motorização a gasolina e híbrida plug-in para convencer um cliente fiel destas a largar o diesel. Quais as chances disso acontecer, principalmente por R$ 379.800?
Cara de picape, alma de SUV
A Shark é imponente. As linhas gerais da carroceria são quadradas, com as caixas de rodas destacadas e pouco arredondada. Não tem como não lembrar de Ford Ranger e F-150 ao olhar a dianteira e traseira (e pela escadinha na tampa da caçamba), mas a BYD chama bastante atenção a noite, quando a iluminação se destaca ao interligar os faróis e lanternas com uma barra em LEDs para cada conjunto. A Shark usa o maior logo da BYD que já vimos, não escondendo a sua origem, tanto na dianteira quanto na traseira, este estampado na tampa.
Por dentro, o acabamento impacta pela boa qualidade e escolha de materiais. Tem a clássica dupla de telas da BYD, sendo a central de 12,8" que gira e o painel em 10,25", com o já conhecido design semelhante a qualquer carro da marca, com uma perceptível evolução na usabilidade da multimídia, principalmente ao manter os comandos de ar-condicionado aparentes mesmo com espelhamentos (Apple CarPlay e Android Auto, ambos sem fios) ativos. No volante, dá para selecionar o modo de condução e configurações fora-de-estrada e, para o motorista, um bom head-up display.
No começo, dá para ficar confuso com a quantidade de botões no console central, assim como há quem não goste do toque de esportividades dos detalhes em laranja no interior, que não conversa em nada com a proposta de uma picape como a Shark. No geral, o interior da Shark poderia ser colocado em um SUV sem problemas, capaz de combinar mais ainda.
Tecnicamente, a Shark é uma picape em arquitetura chassi-carroceria, como todas as médias com quem concorre. Olhando aspectos isolados, entendemos melhor a sua proposta, como a suspensão traseira com molas helicoidais e uma arquitetura duplo-A no lugar do eixo rígido com feixes de molas. Isso, junto com outros fatores, colocou a capacidade de carga em apenas 790 kg em 1.200 litros, mas priorizou o conforto dos ocupantes principalmente do banco traseiro.
A Shark usa a mesma base do Fangcheng Bao 5, um SUV do grupo BYD que será vendido no Brasil em 2025, e por isso que fica muito clara a alma de SUV na picape. O próprio conjunto híbrido é bem semelhante entre eles, com o 1.5 turbo a gasolina e dois motores elétricos, um em cada eixo, formando um conjunto de tração integral elétrica, o principal diferencial dela diante de suas concorrentes turbodiesel.
No eixo dianteiro, o motor 1.5 turbo de 183 cv e 26,5 kgfm com uma concepção relativamente simples, com variador de fase no comando de admissão e injeção direta. Além de tração, ele gera energia para as baterias, com 29,6 kWh no já clássico formato Blade e composição LFP, esta responsável pela alimentação do motor dianteiro de 231 cv e 31,6 kgfm e do traseiro de 204 cv e 34,7 kgfm. Em conjunto, são declarados 437 cv, mas não o torque.
De picape, uma caçamba apenas
Não vou mentir que a Shark tem o DNA de picapes, pois não tem. Para o lado positivo, a suspensão não tem o comportamento tão característico do eixo rígido e feixes, sem os pulos da traseira, com ajuste bastante focado em conforto e curso bem longo. Só que acaba balançando bastante em velocidades mais altas e uma frequencia que incomoda quando se passa por lombadas, por exemplo, e algumas batidas secas.
Esse comportamento pode agradar um público que está indo para as picapes pela moda, mas não um comprador tradicional e é um outro reflexo de como a Shark está mais preocupada em ser um SUV que uma picape. Ao volante, se ignorar que há uma caçamba no lugar do porta-malas, não tem como a ligar com Ranger, S10, Hilux e companhia, mas sim relembrar até um pouco o Song Plus, guardadas as proporções.
Mas é interessante rodar com a Shark. Apesar dos 5.457 mm de comprimento - a Amarok tem 5.350 mm, por exemplo -, é tranquilo acostumar com esse porte. É dócil e leve para dirigir, com a ajuda da direção elétrica, boa área envidraçada e diversos assistentes de condução, mas o que mais se destaca é o bom conjunto híbrido da picape e em como atua.
Primeiro, o sistema permite rodar em modo completo elétrico. Chegamos aos 87 km de autonomia urbana antes do próprio carro mudar (forçado...) para híbrido com 25% de carga, um bom número considerando os 2.710 kg da Shark e dois motores elétricos, principalmente ao poder rodar em ciclo urbano sem gastar combustível. Ela ainda pode se orgulhar de ser a única que faz isso.
Como todo BYD, a Shark permite diversas configurações de carga e uso de energia. Como padrão em nossos testes, a colocamos também em modo híbrida e automático para recarga e administração da bateria. Assim, a Shark chegou aos 45 km/litro no ciclo urbano, ligando pouco o 1.5 turbo e, quando isso acontece, é bem isolado em ruídos e vibrações.
Lógico que isso depende da carga das baterias. Se usar o 1.5 turbo para fazer isso, sem depender de fonte externa, pode esperar um consumo bem diferente disso que, no mundo real, quase a iguala a picapes maiores a gasolina no fim do dia. O motor a combustão não é o mais eficiente quando trabalha mais do que o modo híbrido, onde participa pouco, mas vale lembrar o peso da Shark nessa equação.
Se no dia a dia a força dos motores elétricos são suficiente, os 437 cv aparecem juntos em poucos momentos. Se a Shark é suave no uso e nem parece ter toda essa força pela linearidade, no modo Sport ela começa a jogar essa força no jogo. No 0 a 100 km/h, cravou 5,6 segundos, mas são as retomadas que mais fazem diferença no uso, seja na cidade ou na estrada, importante para ultrapassagens, por exemplo.
Na estrada, o próprio sistema híbrido prioriza o motor 1.5 turbo, o que faz uma boa diferença no uso quando comparado ao 1.5 aspirado que a BYD usa no resto da linha. Lógico que os elétricos estão trabalhando, mas podem relaxar mais e deixar o combustão trabalhar mais e preserva a carga das baterias. Só que isso tem um preço, com 9,1 km/litro em ritmo rodoviário, bem diferente do ambiente urbano. Curiosamente, a estrada é um dos ambientes favoritos dos donos de picapes e perde um pouco o sentido do sistema PHEV.
Melhor como SUV ou uma picape menor
Se você nunca teve uma picape média, a Shark não vai te tirar muito do que está provavelmente acostumado. Conforto de SUV, pacote de equipamentos dignos de modelos premium, bom acabamento e uma cabine espaçosa são pontos que destacam a Shark no uso. Híbrida, trouxe a tecnologia para o segmento que vive do diesel há alguns anos, desde que as picapes médias a gasolina saíram de linha. É como entrar na moda das picapes sem precisar ter a parte que um dono de não-picape gosta.
Só que não vejo um dono de picape diesel levar a Shark para casa. A dependência de recarga externa - que é de até 6,6 kW em AC e 55 kW em DC - já é um ponto complicador, principalmente para quem viaja muito, apesar dos mais de 400 cv. Um sistema de tração que não tem caixa reduzida ou que é feito por um motor elétrico, não um diferencial, é um desafio para quem depende do fora-de-estrada - apesar dela ir bem na terra batida, sem dificuldades. A própria estrutura da Shark torce demais quando comparada a médias tradicionais, mesmo que não vá para algo mais pesado.
Na cidade e na estrada de terra, percebe-se alguns barulhos, como as portas batendo na carroceria quando passa em buracos mais pesados ou estrada mais acidentada. O curso da suspensão exagerado, com batidas secas, dá a impressão que o conjunto foi calibrado para o uso no asfalto e passou pela terra só para marcar espaço, não como prioridade. Basta passar em uma lombada mais rápido para ver o conjunto reclamar e a Shark balançar demais.
A Shark deveria ser um SUV ou uma picape menor, como uma Ford Maverick ou Ram Rampage, para ter mais espaço no mercado. É boa como automóvel, mas não estudou a concorrência brasileira e seu público, muito fiel ao que tem na garagem e bastante exigente. Vai pegar um novo cliente mais preocupado com o estilo da moda e isso já pode a levar a um número bom de vendas, mas não quem tem os tradicionais modelos do segmento, principalmente os que as usam além da cidade, capacidade fora-de-estrada ou de carga.
Fotos: Mario Villaescusa (para o Motor1.com)
BYD Shark 1.5T PHEV
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