Desde que foi lançado, em 2016, o Renault Sandero R.S. deixou Fiat Punto T-Jet e Peugeot 208 GT comendo poeira em nossos comparativos. Desenvolvido pela Renault Sport, o hot hatch francês é daqueles carros que não queremos devolver quando acaba a avaliação. Desta vez, o encontro é com o novo Fiat Argo HGT, que resgatou a sigla entre os esportivos da marca e tem calibração exclusiva de suspensão e relação de câmbio para não fazer feio na hora de acelerar. Mas será o suficiente para desbancar o até então invicto R.S?
Argo e Sandero concorrem no mesmo segmento em suas versões "populares", sendo dois dos mais espaçosos compactos do mercado. Ou seja, suas versões esportivas conseguem agradar quando o assunto é acomodar os ocupantes e carregar malas, mesmo não sendo a sua principal função. Lado a lado, o Sandero leva vantagem com entre-eixos e porta-malas maiores (320 x 300 litros) - alguns de seus grandes méritos diante de toda a concorrência. Mesmo o Argo sendo maior em largura na ficha técnica (que considera as proteções plásticas dos para-lamas), o Renault acomoda melhor três adultos no banco traseiro.
O motorista também se sente mais folgado no Sandero, com posição de dirigir mais baixa e pedais mais espaçados - além de terem posicionamento perfeito para o punta-tacco. Seus bancos são revestidos de tecido, mas têm abas bem pronunciadas, que realmente prendem o corpo nas curvas e não cansam no dia a dia. No Argo a posição do motorista é um tanto alta para um esportivo, além de os pedais ficarem mais justos, já que a caixa de roda invade mais a cabine - como acontece com Palio, Uno e acontecia com o Punto. Os bancos acomodam bem e podem ser revestidos de couro (opcional), mas com formato menos esportivo.
Em compensação, o Argo agrada (bem) mais os olhos do seu dono por dentro. O acabamento é superior, tanto em desenho quanto em qualidade de plásticos e encaixes, e isso é importante quando falamos em carros acima dos R$ 60 mil. O Fiat é bem mais refinado, com suas texturas e mescla de cores e materiais, tendo a cabine mais caprichada do segmento. Além disso, só o Fiat oferece cinto de três pontos e encosto de cabeça para todos os ocupantes do banco traseiro, sem contar a fixação Isofix para cadeirinhas. Por sua vez, a Renault precisa melhorar a ergonomia do Sandero, reposicionando os comandos dos vidros elétricos traseiros, dos retrovisores e do piloto automático. E a reclamação não é exclusividade do R.S.
Na lista de equipamentos de série, Argo e Sandero são semelhantes. Ambos oferecem vidros, travas e retrovisores elétricos, controles de tração e estabilidade, assistente de partida em rampa, direção assistida (elétrica no Argo e eletro-hidráulica no Sandero), central multimídia com tela sensível ao toque e comandos no volante e computador de bordo. O Renault traz o piloto automático (algo que o Argo só emprega nas versões automáticas) e ar-condicionado automático, item que a Fiat vende num pacote de R$ 2.800 junto com a partida por botão e chave presencial, sensores de luz e chuva, retrovisor interno fotocrômico e retrovisores externos com rebatimento elétrico. De série, o ar é analógico.
Com a arquitetura eletrônica da picape Toro, o Argo usa o mesmo painel de instrumentos com tela de 7" configurável para exibir diversas informações de computador de bordo, som, navegação e velocímetro. Também adota a central multimídia "flutuante" com tela de 7" e conexões Apple CarPlay e Android Auto. No Sandero R.S. só temos um grafismo exclusivo no cluster. De resto é a mesma telinha azul no canto direito das demais versões, bem simples, e a central multimídia que não oferece recursos de conectividade além do Bluetooth. Também não se compara ao Fiat na resolução da tela.
Aqui estão dois hatches com motores aspirados, câmbio manual e ajustes específicos para justificar o visual invocado. Mas as semelhanças acabam por aí, por incrível que pareça. Já conhecemos o Sandero R.S., desta vez representado pela série limitada Racing Spirit, com detalhes em vermelho, e sua fome por pista. É o tipo de carro que faz você ir ao supermercado mais longe de casa só para passar mais tempo ao volante.
Tudo começa na posição do "piloto". O banco do Sandero abraça até na curva mais fechada. O volante, importado do Clio RS, é tem diâmetro reduzido e acabamento em couro (só faltou o ajuste de profundidade da coluna, algo que o seu concorrente tem). O toque da Renault Sport segue no câmbio, com engates curtos e justos. É preciso até certa atenção na hora de uma troca rápida para não errar o ponto de encaixe.
O Argo segue receita diferente. Posição elevada, bancos mais voltados ao conforto e câmbio com engates longos (embora com trambulador melhor que os anteriores da Fiat). O volante tem base reta e até mesmo uma marcação no topo, trazida dos carros de corrida, mas é a mesma peça das versões de entrada.
Sob o capô, o Fiat usa o motor 1.8 E-TorQ de 16 válvulas e comando único variável, que gera 139 cv e 19,3 kgfm de torque. Do outro lado, o F4R do Renault é um 2.0 16V com duplo comando e variador na admissão, que entrega 150 cv e 20,9 kgfm. Se a maior força já lhe garante vantagem, o grande trunfo do R.S. está na relação de câmbio, bem curta e com uma marcha "em cima" da outra. O Sandero está sempre acordado, pronto para a ação.
Basta observar os números do nosso teste instrumentado. Em todos a vantagem é do Sandero, principalmente na aceleração de 0 a 100 km/h, com 9,1 s contra 10,8 s do Argo, e nas retomadas, já que o escalonamento curto do câmbio, como já dito, deixa o R.S. mais esperto. E olha que estamos falando do Argo HGT, que já tem o câmbio mais curto em comparação com a versão Precision. O Fiat não é lento, mas não provoque se o Sandero parar ao seu lado no semáforo, principalmente se o motorista ligar o modo Sport. A rotação do motor sobe e todos os parâmetros entram em outro estilo de condução, mais agressiva.
Além de menos potente, o Argo é consideravelmente mais pesado. São 82 kg extras em relação ao Renault, sem considerar alguns opcionais que a unidade avaliada trazia, como os airbags laterais e parte eletrônica do pacote tecnológico. Em contrapartida, o HGT foi mais econômico que o oponente, prejudicado justamente pelo câmbio curto, em especial na estrada. Em sexta marcha, os 120 km/h passam a 3.500 rpm, enquanto o Argo está abaixo das 3.000 rpm mesmo com uma marcha a menos. É o preço do desempenho. E o Fiat traz o start/stop, que colabora no consumo urbano.
Agora observe as fotos acima. Veja o quanto o Sandero está firme na curva, quase sem sinal de rolagem, mesmo em velocidade maior. A Renault Sport dedicou horas de desenvolvimento neste setup, e ele é impressionante. Sempre na mão, sem sinal de desequilíbrio da dianteira ou traseira, além dos ótimos pneus Michelin Pilot Sport 4 no lugar dos já grudentos Continental que equipavam o modelo 2017. A questão é: se você busca conforto, descarte o R.S. Ele é firme, duro mesmo, com comportamento de um carro preparado para pistas. Quica quando passa em buracos e ondulações, mas não chega a bater seco. Particularmente, não vejo problema, mas há quem não goste.
O HGT tem acerto específico de molas e amortecedores, mais firmes que no Argo Precision. Além disso, as rodas 17" com pneus 205/50 (opcionais) melhoram a dirigibilidade. Na redação, elegemos o HGT como a melhor combinação do Argo, já que ele consegue boa estabilidade sem atrapalhar o conforto. Não é afiado como o Sandero, como as fotos mostram, mas é razoavelmente firme e garante diversão nas serrinhas da vida. A plataforma, baseada na do Punto, manteve as boas características do modelo original. Prova disso também estão nos números de frenagem que, mesmo com o Argo sendo mais pesado e usando discos apenas na dianteira, ficaram bem próximos do Sandero e seus discos nas 4 rodas com chamativas pinças vermelhas.
Os dois falham na direção. No Sandero R.S., a caixa eletro-hidráulica tem bom peso e comunicação, principalmente em altas velocidades, mas judia na hora de manobrar, ainda mais com um volante de diâmetro menor e rodas de 17" com largos pneus 205. O Argo, com assistência elétrica, é leve para manobrar mas, em velocidade, ganha um peso artificial e exagerado em alguns momentos, especialmente em curvas fechadas.
Nas versões básicas, Argo HGT e Sandero R.S. estão separados por apenas R$ 1.800, mas o Fiat traz mais equipamentos. A série Racing Spirit do Renault é mais cara, mas traz detalhes estéticos diferenciados. O Argo HGT completo, como o testado por nós, chega a R$ 73.600.
Esportivos são vítimas de seguros altos, e Sandero R.S. e Argo HGT não fogem à regra. No perfil homem, 35 anos, morador da zona oeste de São Paulo e casado, o Fiat cobra R$ 4.812 em média, contra R$ 4.974 do Renault. Nas três primeiras revisões, o Argo é consideravelmente mais barato, além de as manutenções serem a cada 10.000 km, enquanto no Sandero são feitas a cada 8.000 km. Veja a tabela:
1ª revisão | 2ª revisão | 3ª revisão | TOTAL | |
Fiat Argo 1.8 HGT MT5 (cada 10.000 km) | R$ 300,00 | R$ 528,00 | R$ 464,00 | R$ 1.292 |
Renault Sandero R.S 2.0 MT6 (cada 8.000 km) | R$ 634,53 | R$ 634,53 | R$ 634,53 | R$ 1.903,59 |
De um lado, o esportivo racional. O Fiat Argo HGT diverte e tem potencial, com suspensão bem calibrada entre conforto e estabilidade. É mais bem equipado e mais refinado por dentro, além de ser mais "social", menos duro para rodar na cidade e mais econômico. Poderia usar o motor 1.4 turbo do saudoso Punto T-Jet, mas imaginamos que o preço seria proibitivo por ser importado da Itália. Que tal então um câmbio de 6 marchas para encurtar as relações iniciais e melhorar as respostas? Mas, no geral, é um bom produto.
No entanto, o Sandero R.S. ainda é o esportivo acessível a ser batido. Tem alma de carro de corrida, números de desempenho convincentes, amplo espaço interno e bom pacote de equipamentos. Mas é beberrão, mais caro para manter e sofre nas ruas esburacadas do nosso Brasil. No conjunto, define o comparativo pela adrenalina que ele injeta no sangue. Para desbancar o Renault, o Argo vai ter que no mínimo esperar a estreia do motor 1.3 Firefly turbo...
Fotos: Mario Villaescusa
Fiat Argo HGT | Renault Sandero R.S. Racing Spirit | |
MOTOR | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.747 cm³, comando único com variador, flex | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.998 cm³, duplo comando com variador na admissão, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 135/139 cv a 5.750 rpm/ 18,8/19,3 kgfm a 3.750 rpm | 145/150 cv a 5.750 rpm/ 20,2/20,9 kgfm a 4.000 rpm |
TRANSMISSÃO | manual de cinco marchas, tração dianteira | manual de seis marchas; tração dianteira |
SUSPENSÃO |
independente McPherson dianteira e eixo de torção na traseira |
independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira |
RODAS E PNEUS | liga-leve de 17" com pneus 205/50R17 | liga-leve de 17" com pneus 205/45 R17 |
FREIOS | discos ventilados na dianteira e tambor na traseira, com ABS e ESP | discos ventilados na dianteira e discos sólidos na traseira, com ABS e ESP |
PESO | 1.243 kg em ordem de marcha | 1.161 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento de 4.000 mm, largura de 1.750 mm, altura de 1.505 mm e entre-eixos 2.521 mm | comprimento 4.068 mm, largura 1.733 mm, altura 1.499 mm, entre-eixos 2.590 mm |
CAPACIDADES | tanque 48 litros; porta-malas 300 litros | tanque 50 litros; porta-malas 320 litros |
PREÇO |
R$ 64.600 (R$ 73.600 como testado) |
R$ 63.400 (R$ 66.400 como testado) |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR | |||
---|---|---|---|
Fiat Argo HGT MT | Renault Sandero R.S. | ||
Aceleração | |||
0 a 60 km/h | 4,7 s | 4,2 s | |
0 a 80 km/h | 7,0 s | 6,6 s | |
0 a 100 km/h |
10,8 s |
9,1 s | |
Retomada | |||
40 a 100 km/h em 3a | 10,3 s | 7,1 s | |
80 a 120 km/h em 4a | 10,9 s | 6,3 s | |
Frenagem | |||
100 km/h a 0 |
37,5 m |
37,6 m | |
80 km/h a 0 | 23,4 m | 23,4 m | |
60 km/h a 0 | 13,3 m | 13,0 m | |
Consumo | |||
Ciclo cidade | 7,8 km/l | 6,5 km/l | |
Ciclo estrada | 10,3 km/l | 9,3 km/l |
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