Um carro elétrico superou oficialmente o recorde histórico de um Fórmula 1 no Festival da Velocidade de Goodwood, Inglaterra. A façanha aconteceu no dia 26, diante dos 150 mil espectadores.

Ao volante do pequenino carro elétrico McMurtry Spéirling, o piloto britânico Max Chilton fez o percurso de 1,86 quilômetro em 39s08. Assim, pulverizou o recorde oficial anterior (41s6), alcançado em 1999 por um McLaren MP4/13 guiado pelo alemão Nick Heidfeld num dia de especial destemor à morte.

Vale dizer que, em 2019, o francês Romain Dumas fez o percurso em 39s9 com outro carro elétrico, o Volkswagen ID.R. A marca, contudo, não foi computada oficialmente.

No vídeo do Festival of Speed 2022, é possível sentir a vertigem da velocidade do Spéirling no suave aclive entre fardos de feno e muros de pedra, bem como ouvir os inusitados sons do carrinho e perceber a incrédula reação do público.

QUE RAIO É ESSE?

Spéirling - assim mesmo, com acento agudo no "é" - quer dizer "trovoada" em irlandês. O carro é criação da pouco conhecida McMurtry Automotive, baseada em Gloucestershire, na Inglaterra.

O McMurtry Spéirling que correu em Goodwood é um protótipo. Tem lugar apenas para o piloto, pesa menos de uma tonelada e é equipado com dois motores elétricos - um em cada eixo - com potência total de aproximadamente 1.000 cv (o número exato não foi revelado). A relação peso-potência, portanto, anda ao redor de 1kg/cv.

Galeria: McMurtry Spéirling

O estilo de batmóvel fase Michael Keaton disfarça as diminutas dimensões desse micro-hipercarro, que mede somente 3,20 m de comprimento. Em tamanho, é uma espécie de Lotus Seven carenado... Sua bateria de 60kWh tem forma de U, vai incorporada à estrutura do chassi de fibra de carbono e é suficiente para rodar entre 30 e 60 minutos de pé embaixo.

A aceleração de 0 a 100 km/h é feita em 1,5 segundo. Para a prova de Goodwood, o carro recebeu uma relação de transmissão que não permite passar dos 241 km/h.

McMurtry Spéirling
McMurtry Spéirling
McMurtry Spéirling

TURBINAS PARA CRIAR EFEITO SOLO

O pulo do gato não é a potência, nem o baixo peso total, mas sim um dispositivo para criar efeito solo artificialmente e colar o Spéirling no chão - exatamente como nos Chaparral 2J e Brabham BT46B, "carros ventiladores" criados nos anos 70 e logo proibidos de participar de corridas. São duas turbinas bem atrás do cockpit que sugam o ar sob o veículo e o sopram por saídas de ventilação no painel traseiro da carroceria. Isso cria uma região de baixa pressão abaixo do carro e o "cola" ao chão.

Mesmo com o carro parado, as turbinas elétricas podem criar um downforce de duas toneladas, ou seja: o dobro do peso do Spéirling. Em ação, a 240 km/h, esse efeito aumenta para 2.250 quilos - daí as velocidades insanas com que esse micro-hipercarro atacou as curvas em Goodwood sem desgrudar do asfalto.

O inconveniente é o tanto de poeira que se levanta na pista, um dos motivos que levaram os "carros ventiladores" a serem banidos das corridas na década de 70. Como as tomadas de tempo em Goodwood são feitas com um participante de cada vez, não há maiores problemas. Um dos detalhes mais impressionantes é o som (a 120 decibéis) que as turbinas produzem, lembrando um jato.

McMurtry Spéirling

O PAI DA CRIANÇA

A pequena McMurtry Automotive foi criada em 2016 por Sir David McMurtry, um desses personagens em extinção no mundo do automóvel. Nascido na Irlanda em 1940, McMurtry trabalhou com turbinas de avião entre os anos 50 e 70. Enquanto participava do desenvolvimento dos motores do Concorde, ele teve dificuldades para medir tubos de combustível com exatidão e acabou criando seus próprios instrumentos para fazer o serviço.

Tomou gosto pela invenção e fundou a Renishaw, uma companhia especializada em ferramentas de precisão para metrologia industrial, máquinas de medição por meio de coordenadas e até sistemas de espectroscopia (estudo de como a luz interage com a matéria) e dispositivos para microcirurgias. Com isso, tornou-se bilionário e recebeu do Império Britânico o título de Sir.

Em 2021, McMurtry achou que era hora de abrir caminho para os mais jovens. Aos 81 anos de idade, vendeu sua participação na Renishaw e passou a dedicar-se em tempo integral à produção de carros elétricos.

McMurtry Spéirling
McMurtry Spéirling
McMurtry Spéirling

VEM AÍ A VERSÃO DE RUA

A primeira aparição pública do Spéirling aconteceu durante o Festival da Velocidade de Goodwood do ano passado, quando foi pilotado por Derek Bell em uma demonstração. Desde então, o micro-hipercarro tem sido aprimorado nas pistas. A ideia é que prove sua qualidade superando outros recordes em circuitos famosos.

O mais incrível é que uma versão de rua do Spéirling já entrou em processo de homologação. O carro ganhará faróis, limpador de para-brisa e um mínimo de conforto, mas manterá suas dimensões e potência. Importante dizer que as turbinas só poderão ser ligadas em modo "pista" - nada de levantar poeira no trânsito... Para um futuro mais distante, a McMurtry já planeja fazer carros elétricos ainda menores.

McMurtry Spéirling

O QUE É O FESTIVAL DE GOODWOOD?

Realizado anualmente numa propriedade em West Sussex, Inglaterra, o Festival de Velocidade de Goodwood teve mais uma de suas edições entre os dias 23 e 26. O evento é palco para a exibição de mais de 600 carros, entre clássicos de corridas, protótipos únicos, modelos feitos sob encomenda e provas de exibição. Os fabricantes também aproveitam para apresentar lançamentos, projetos malucos e o que mais couber nas terras do lorde March (nascido Charles Gordon-Lennox), o 11º Duque de Richmond.

Toda essa festa começou com uma pista auxiliar que contornava um campo de pouso da Real Força Aérea, na Segunda Guerra. Em 1948, o traçado virou um autódromo, que foi utilizado por quase vinte anos. Em 1966, contudo, os organizadores de corridas acharam que a pista de 3.809m deveria receber chicanas para se tornar menos perigosa. Os nobres donos da área não concordaram em mexer no traçado e Goodwood deixou de sediar competições oficiais.

Em 1993, porém, o lorde March ressuscitou parte do circuito. Apaixonado por velocidade, ele é um daqueles personagens sofisticados e podres de ricos que parecem só existir no cinema. E, assim, a cada mês de junho ou julho, cerca de 150 mil plebeus se reúnem no “quintal” do nobre para ver pilotos lendários e carros de corrida idem. Pense em um bólido famoso — desde modelos da primeira década do século XX até os Fórmula 1 recentes — e ele estará presente, rugindo alto numa pista de 1.866 metros em ligeira subida, atravessando a propriedade rural.

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