Passado o primeiro bimestre de 2021 que a associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea, classificou de “razoável” diante dos problemas de falta de componentes para produzir, a principal ameaça que surge no horizonte da recuperação do setor automotivo agora não é mais só as restrições locais por conta do agravamento da pandemia de coronavírus no Brasil, mas um de seus efeitos globais: o desarranjo na cadeia de suprimentos.
Desde o fim de 2020 para cá, este desarranjo está causando escassez no fornecimento de semicondutores para componentes eletrônicos, cada vez mais presentes nos carros, caminhões e ônibus.
O problema já paralisou diversas linhas de produção pelo mundo, principalmente na Europa, e está afetando o Brasil. Todos os fabricantes já reconheceram que já foram impactados em alguma medida, precisaram fazer pequenas paradas ou ajustes internos para contornar a falta de componentes e continuar produzindo, mas estão no limite do contorcionismo para superar não só as limitações de volumes para comprar, como os gargalos logísticos que surgiram com a pandemia – também estão em falta rotas de navios e porões de aviões em quantidade suficiente para atender à demanda global.
Nenhum fabricante admite abertamente, mas o fato é que não é mais uma questão de se, mas quando e por quanto tempo todas as fábricas de veículos no País vão ter de parar por falta de componentes eletrônicos.
A General Motors foi a primeira a dar o passo mais radical: deu férias coletivas em março e paralisou completamente por três semanas sua produção em Gravataí (RS), onde fabrica o carro que até fevereiro era o mais carro mais vendido do País, o Onix. E quando voltar, em abril vai afastar metade dos empregados por até dois meses para reduzir o ritmo e recompor os estoques de componentes. Em menor escala, a Honda também suspendeu por duas semanas intercaladas a fabricação do Civic em Sumaré (SP).
Nesse cenário, a Anfavea avalia que a falta de insumos e componentes é atualmente a maior ameaça de paralisação de fábricas, bem mais do que o agravamento da pandemia, que no ano passado que parou linhas por mais de um mês entre março e maio, mas a indústria conseguiu adotar protocolos para seguir trabalhando com baixo risco de infecção pela Covid-19. Por isso, com a doença em alta e o fornecimento de itens em baixa, a entidade considera uma vitória a produção da indústria no primeiro bimestre, de 396,7 mil veículos, praticamente o mesmo volume do mesmo período de 2020, pouco antes do impacto da pandemia.
Luiz Carlos Moraes, o presidente da Anfavea, reconhece que o mercado andou de lado nos primeiros dois meses de 2021, com 338,5 mil emplacamentos e queda de 14% nas vendas totais de veículos em relação ao primeiro bimestre do ano passado.
Até aí ele diz que o resultado está dentro da previsões da entidade, que na virada do ano reduziu suas expectativas em função dos ventos contrários da pandemia sobre a economia, projetando crescimento de 15% nas vendas domésticas de veículos (para 2,36 milhões de unidades) e de 20% na produção (2,52 milhões). “Até agora foi razoável e vamos manter nossas projeções, o que preocupa é daqui para frente”, disse Moraes, em alusão aos diversos problemas para manter as fábricas produzindo.
As interrupções têm impacto imediato nos resultados de produção e vendas e podem comprometer a recuperação que ganhou corpo no último trimestre de 2020. Desde e então a falta de produtos para pronta-entrega, estoque baixos e filas de espera de meses por alguns modelos configuram o novo normal do mercado brasileiro que impede uma retomada mais vigorosa das vendas.
Tomando só o exemplo da GM, a paralisação de Gravataí já custou a perda do primeiro lugar do Onix nas primeiras semanas de março e tem potencial para custar a perda da liderança do mercado brasileiro após cinco anos. Isso, claro, se os principais concorrentes também não precisarem suspender a produção no mesmo nível.
Nessas horas o grau de localização de componentes faz diferença. Não por acaso, governos da Europa e Estados Unidos estão apoiando com incentivos os investimentos de fabricantes de componentes na construção de fábricas locais de semicondutores de última geração, para se livrarem da dependência de poucos produtores na China, Tailândia ou Taiwan, que hoje colocam em risco a produção industrial e o crescimento econômico mundial.
A média das previsões dá conta que a escassez global de semicondutores deverá durar com maior potencial de estragos até o meio do ano, mas não se descarta a escassez pontual de alguns componentes até o fim de 2021. Como dizem alguns executivos do setor, “será um ano emocionante”.
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Fonte: Automotive Business
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