A marca Toyota está no inconsciente coletivo brasileiro: é o arquétipo da fábrica de carros indestrutíveis, com incomparável qualidade de construção e certa aura premium. Todo motorista de táxi ou aplicativo sonha ter um Corolla Hybrid, o tanque de guerra que gasta pouco e impressiona os passageiros.

E tem mais: ano após ano, o Corolla se mantém na lista dos modelos mais vendidos no mundo. Se juntarmos os números globais do sedã com os do Cross, o modelo da Toyota é o best-seller disparado (1,5 milhões de unidades) superando de longe o segundo colocado, o Tesla Model Y (1,2 milhões), segundo os números da consultoria Jato Dynamics.

Aí, a BYD lança o King no Brasil, e não esconde a ambição de que seu novo carro se torne o rei dos sedãs por aqui, quiçá o imperador do transporte executivo. Os fãs de Toyota, obviamente, já espumam raivosos nas caixas de comentários: “como uma novata chinesa ousa comparar essa coisa com o sublime Corolla?”.

O atrevimento é tamanho que, na apresentação à imprensa, a BYD trouxe um Corolla Hybrid Premium (o topo de linha, de R$ 200.910) para comparação com um King GL, o sedã chinês em versão básica (R$ 175.800). No estacionamento vazio de um shopping de São Paulo, os jornalistas puderam dirigir um e outro para tirar suas próprias conclusões.

Volta rápida

Foram voltas rápidas e, como dissemos, em um estacionamento - o que não permite grandes julgamentos. Mas já pudemos ter alguma ideia das armas que o recém-chegado tem para se afirmar entre um público tão conservador e racional.

Por ser líder disparado de um segmento com cada vez menos competidores, o Corolla (média de 2.600 vendas por mês no Brasil, em 2024) é o alvo da BYD. O Honda Civic, que antes era o arquirrival do Toyota, ficou tão caro (R$ 265.900) em sua nova geração, híbrida e importada da Tailândia, que já não ameaça mais ninguém - são cerca de 120 vendas mensais. Já os mexicanos Nissan Sentra e o VW Jetta não têm versões híbridas e também ficam bem atrás dos números do Corolla.

Para começar, vamos pôr um ao lado do outro. Com 4,78 m de comprimento e 2,72 m de entre-eixos, o King supera o Corolla em 15 cm e 1,8 cm, respectivamente. Mas o que realmente importa é que o sedã chinês é 4 cm mais alto que seu rival nipo-brasileiro, além de 5,7 cm mais largo.

A gente percebe a diferença na prática: não é preciso se abaixar tanto para entrar no King - o que é uma vantagem para quem leva passageiros. O cocuruto de quem vai no banco de trás fica bem mais afastado do forro do teto, enquanto os joelhos têm mais folga. Por causa do pacote de baterias no chão, contudo, o assoalho do modelo da BYD é mais alto - assim, as pernas vão um pouco mais flexionadas, o que não chega a ser um grande incômodo. Em contrapartida, graças ao piso quase plano e à largura extra da carroceria, dois adultos e uma criança ficarão bem instalados no banco de trás.

Os bancos dianteiros são excelentes. Amplos e, ao mesmo tempo, anatômicos, abraçam o corpo. Na versão GL, só o banco do motorista tem ajuste elétrico. Na GS, ambos trazem o recurso. Outro destaque é o volante, de boa pegada, diâmetro menor que o do Corolla e com base reta. É forrado com couro sintético - mas o do Corolla é mais agradável ao tato.

Falando nisso, o acabamento interno é melhor do que esperávamos, com materiais suaves ao tato na parte de cima do painel e nas laterais das quatro portas. Há um contraste dos tons mais escuros no tablier com o cinza clarinho dos bancos. Nesse ponto, não há diferenças entre as versões GL e GS. Só não gostamos da maçaneta interna, meio mole em vez de fazer um sonoro clique na hora de abrir a porta.

O quadro de instrumentos é todo digital, em um painel de 8”. Para a central multimídia, temos a já conhecida tela giratória da BYD, que ainda deve impressionar muita gente. Só na versão GS, o ajuste do ar-condicionado é em duas zonas. Entre os mimos na parte de trás da cabine, há saídas do ar para o banco traseiro, além de dois conectores USB-A (aquele tipo maior, convencional).

Mala de boca grande

O porta-malas é muito bom: tem 450 litros de capacidade (20 l menos que o do Corolla) mas sua boca é mais larga, permitindo pôr objetos maiores ali dentro. Além disso, o compartimento é todo acarpetado e sua tampa pode ser aberta eletricamente por meio de uma tecla na porta do motorista, em vez da velha alavanquinha no chão. O espaço poderia ser até maior, não fosse um degrauzinho no lado esquerdo para abrigar a bateria de 12V, que alimenta os faróis e a buzina, por exemplo.

O que muita gente não vai gostar é o fato de o King não trazer um estepe, mas sim um kit reparo com selante e compressor. Além disso, não há a opção de teto solar. São detalhes que podem levar um comprador em potencial a escolher a concorrência.

Qin e Destroyer

Em estilo, temos linhas um tanto genéricas, até conservadoras se comparadas às de outros BYD desenhados pela equipe do alemão Wolfgang Egger. A explicação é que boa parte dessa carroceria já existe na China desde 2018, quando foi lançado o BYD Qin - modelo que detém o 12º lugar naquela lista dos carros mais vendidos no mundo em 2023.

Em 2022, foi feita uma plástica caprichada na dianteira e na traseira do Qin, e o sistema híbrido plug-in DM-i foi incorporado ao projeto. Assim nasceu o modelo BYD Destroyer 05, que agora chega ao Brasil rebatizado de King.

O design interno é mais moderno que o externo. Enquanto o Corolla tem alavancas convencionais para o seletor da transmissão e o freio de mão, o King tem um seletor giratório e freio de estacionamento por botão. No console do BYD há ainda comandos para o ar-condicionado (que também podem ser feitos na tela multimídia, de 12,8”) e as teclas para usar o carro em modo totalmente elétrico ou como híbrido - e aí é que está a maior diferença entre o King e o Corolla Hybrid.

Plug-in e sua autonomia

O King é um híbrido plug-in (PHEV), ou seja: pode ser carregado na tomada e usado como carro puramente elétrico, segundo a vontade do motorista. A autonomia desse modo puramente elétrico vai variar de acordo com a versão. No King GL, uma bateria de 8,3 kWh permite rodar 36 quilômetros antes que o motor a combustão entre em ação. Já na versão GS, com bateria de 18,3 kWh, esse alcance sobe para 80 quilômetros.

São números obtidos de acordo com o ciclo do Inmetro, no Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV). Graças ao fato de ser um híbrido plug-in, o King tem uma autonomia total maior que a dos híbridos convencionais (no Corolla, por exemplo, a bateria é de apenas 1,3 kWh). Ainda pelo ciclo do Inmetro, o King GS pode rodar 806 quilômetros na cidade e 720 quilômetros na estrada, quando se combina a bateria 100% carregada com o tanque de gasolina cheio (48 litros). E devem ser números próximos à realidade. 

A BYD, porém, afirma que é possível percorrer até 1.200 quilômetros no King GS (no GL, a distância cai para 1.100 quilômetros). Mas é bom lembrar que carros híbridos consomem menos na cidade do que na estrada - e essa autonomia informada só seria possível em ambiente urbano. Não pense que você vai fazer os 2.400 quilômetros entre o Rio de Janeiro e Montevidéu com apenas dois tanques…

Carros híbridos plug-in são vantajosos para quem pode ter um carregador na garagem de casa. Antes de dormir, deixe o carro conectado ao wallbox e reduza drasticamente as idas ao posto. As baterias, aliás, não pegam carga rápida, só alternada (AC), com potência de recarga de 3,3 kWh (GL) e 6,6 kWh (GS).

Você pode até usar um plug-in como um híbrido convencional (sem carregar na tomada e com o motor a gasolina servindo como gerador), mas o consumo vai piorar muito, o desempenho cairá e você estará levando uma bateria pesada à toa. Obviamente, a questão do consumo - uma das mais importantes em um sedã híbrido - não pôde ser aferida com algumas voltinhas no estacionamento de um shopping. Tampouco se divulgaram os números na ficha técnica. Esperamos um King para uma convivência maior.

Por baixo, um Song Plus

O que deu para sentir bem no rápido test drive foi a enorme disposição do King nas arrancadas e retomadas. Pudera: mesmo no GL “de entrada”, que dirigimos, são 179 cv do motor elétrico e mais 110 cv do motor a combustão. Já a potência combinada é de 209 cv. No King GS, o motor a combustão não muda, mas o elétrico é ainda mais potente: 197 cv, com 33,1 kgfm de torque. Aqui, a potência combinada chega a 235 cv.

Esses conjuntos de motor/bateria/tecnologia DM-i/plataforma são basicamente os mesmos do Song Plus. O King GL usa o motor elétrico e a bateria dos Song Plus pré-2024, enquanto a versão GS traz o motor elétrico e a bateria do Song Plus modelo 2025. Todos têm tração apenas nas rodas dianteiras e seu motor 1.5 aspirado - DOHC, com comandos acionados por corrente - não é flex.

Pela ficha técnica da BYD, o 0 a 100 km/h do King GS é feito 7,3 s (o GL leva uns décimos a mais: 7,9 s). É uma aceleração digna de sedã premium alemão. Já a máxima das duas versões é limitada a 185 km/h.

Fritando borracha

Na prática, na pistinha improvisada para o lançamento, foi fácil perceber o vigor do King em relação ao Corolla Hybrid, de modestos 122 cv. Aperte a teclinha EV no console do BYD (modo 100% elétrico), pise com vontade no pedal da direita e o King facilmente sai cantando pneus. Dentro da cabine reina o absoluto silêncio, sem qualquer ruído do motor a combustão.

No modo HEV (híbrido), o motor a gasolina entra em ação de acordo com a necessidade, podendo servir apenas como gerador para recarregar até 70% da bateria ou ajudando o motor elétrico a tracionar as rodas. Há modos de condução econômico, normal e esportivo - mesmo no econômico, o King já mostra grande animação.

A transmissão é por engrenagem epicicloidal (planetária) e o isolamento acústico é excelente, com uma manta grossa na parede de fogo. Resultado: mesmo com modo híbrido Sport ativado, há pouco ruído dentro do carro.

Apesar dos pneus de perfil mais alto - Giti Comfort 215/55 R17 no King, contra Bridgestone Turanza 215/50 R17 no Corolla - sentimos que o sedã da BYD tem um rodar mais áspero que o Toyota, que parece filtrar melhor as rugosidades do asfalto. Podem ser também diferenças no ajuste e no projeto da suspensão (traseira por eixo de torção no King, ou multibraço no Corolla). Mas, como dissemos, foi um “teste” muito travado e não permitiu um julgamento mais profundo nesse quesito.

O que ficou bem claro foi o excelente diâmetro de giro do King que, na prática, facilita um bocado as manobras em garagens e ruas apertadas. Aliás, um dos melhores pontos do carro chinês é sua direção curtinha, ágil e, ao mesmo tempo, mais leve que a do Corolla. Uma delícia de guiar.

Bola fora: cadê os ADAS?

Na lista de equipamentos de segurança é que encontramos o ponto fraco do novo pretendente ao trono dos sedãs: temos seis airbags, sensores de estacionamento na dianteira e traseira e não muito mais do que isso. Em pleno 2024, o King não traz qualquer dispositivo ADAS (Advanced Driver-Assistance Systems, ou sistemas de condução semiautônoma), enquanto o Corolla Hybrid traz piloto automático adaptativo (ACC) e frenagem automática de emergência, bem como os alertas de ponto cego, de tráfego cruzado na traseira e de mudança de faixa. Hoje, mesmo carros nacionais muito mais baratos vêm com esses recursos.

O King é um sedã espaçoso, silencioso e muito potente. No Brasil, a valer o bom senso, a versão de entrada GL (R$ 175.800) venderá menos do que a topo de linha GS (R$ 187.800). Esses R$ 12 mil a mais se justificam plenamente pelos 44 quilômetros extras de autonomia em modo elétrico, bem como nos 26 cv a mais de potência combinada.

Visualmente, as duas versões do King são idênticas - até as rodas têm o mesmo desenho. O que muda por fora é apenas a faixa de leds na grade dianteira do GS, servindo de luz de rodagem diurna. As forrações das duas versões também são iguais, mas só o GS tem ajuste elétrico no banco do carona, duas zonas de ajuste do ar-condicionado, oito alto-falantes (em vez de seis) e fitas de luz ambiente. As diferenças terminam por aí. A BYD dá 6 anos de garantia para o carro, sem limite de quilometragem - e a bateria tem garantia ainda maior: 8 anos.

Quem preferir pagar a partir de R$ 190.120 por um Corolla Hybrid pode argumentar que perderá menos dinheiro na hora da revenda, ou que pretende deixar um carro em perfeito estado como herança para seus netos. Mas o fato é que a Toyota do Brasil deveria apostar mais na tecnologia plug-in, antes que algum aventureiro lance mão de sua coroa.

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