Salas de exposição modernas, com um caprichado projeto de iluminação e um acervo de microcarros raríssimos, emplacados na Itália, Alemanha, Espanha, Holanda, Inglaterra e Suécia. Quem vê as fotos imagina logo que é na Europa, mas esse museu fica no Brasil - mais precisamente no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, a 125 km de Porto Alegre.
Trata-se da Cini Microcars Collection, uma celebração dos carrinhos minúsculos que tiveram seu apogeu nos anos 50. Tamanho capricho na apresentação do museu se deve à formação de seu fundador, César Cini, um arquiteto de 56 anos.
- O que me atrai nos microcarros é principalmente o tamanho e o design inusitado, bem como suas soluções de mecânica e os materiais usados - explica Cini, que também é empresário da área de mobiliário.
A paixão pelos microcarros começou em uma temporada vivida na Itália. Voltando ao Brasil, ele decidiu comprar seu primeiro Fiat 500 "Topolino", ano 1947. Depois veio a primeira BMW Isetta, a segunda, a terceira, a quarta, a BMW 600, a BMW 700...
- Descobri então que existia esta temática e livros sobre os Kleinwagen, carros pequenos - conta.
Grande parte do acervo foi comprada na Itália. Como Cini tem negócios por lá, o país serviu como base para trazer carros de outros países europeus. Já os modelos adquiridos nos Estados Unidos vieram diretamente para o Brasil. As buscas pela internet eram intensas.
- O Janus comprei de um comerciante na Holanda que só trabalha com microcarros. Já o Crosley tem uma carroceria especial, feita por um colecionador americano. Aqui no Brasil melhoramos seus para-choques, a saia traseira, a cor do carro... - relata.
Dos exemplares achados no Brasil, um dos mais marcantes é o Rovin 1948, microcarro francês que estava em São Paulo.
A coleção foi crescendo e faltava um local para expor dignamente os carros. Veio então a ideia de explorar o turismo gastronômico e vinícola em Bento Gonçalves, e fazer o museu. O projeto do interior do prédio é da arquiteta Monica Rizzi, moradora da cidade. Os carros são exibidos sobre plataformas revestidas de vidro que lembram as do Volkswagen ZeitHaus Automuseum (em Wolfsburg, Alemanha) e as do Museo Nazionale dell'Automobile (em Turim, Itália). Até a decoração dos banheiros é bem cuidada, com grandes fotos de volantes e painéis de carros.
Num país em que os colecionadores quase sempre trancam seus automóveis em galpões inacessíveis, a iniciativa de Cini é uma exceção bem-vinda.
- Os carros precisavam de um ambiente moderno, clean e com iluminação especial. É caro manter isso tudo em ordem. Explorar comercialmente, abrindo ao público, é uma forma de democratizar o conhecimento desta parte da história do automóvel e viabilizar economicamente a manutenção do espaço. Quem visitar o museu verá peças raríssimas - diz o entusiasta.
As restaurações são complicadas, pois restaram poucos exemplares desses modelos e não se produzem peças de reposição. Em alguns casos faltam informações da época. Eram carrinhos baratos, custavam o preço de um scooter e tinham catálogos em preto e branco que eram meia folha de papel ofício. É difícil até de descobrir as cores originais de fábrica.
A burocracia e a logística das importações são um desafio ainda maior. É preciso adquirir o carro e guardá-lo no exterior, enquanto se espera o desenrolar do longo processo para o despacho e a liberação no Brasil.
Hoje, são 27 carros dentro do museu e mais dois na recepção. Entre exposição e reserva técnica, a coleção tem 35 automóveis - todos funcionam, mas muitos deles já não são ligados há bastante tempo. Além de microcarros que parecem brinquedos, há modelos como o Mini, o pai de todos os compactos da atualidade.
- É difícil falar em favorito. O meu primeiro Cinquecento merece respeito. Com ele fiz viagens, ralis, ia ao supermercado... No museu, o carro que mais me chama a atenção é a Bianchina Trasformabile. Dentre as raridades, um destaque é o simpático Rovin: estima-se que sobraram menos de cem exemplares no mundo. O Zündapp Janus é outro bastante raro, mas o que mais impressiona os visitantes é o Messerschmitt KR 201 - lista Cini.
No mundo, há poucos museus inteiramente dedicados aos microcarros. O mais famoso era o de Bruce Weiner, nos Estados Unidos, mas já fechou as portas e teve seu acervo espalhado por diversas coleções particulares. Na Inglaterra existe o The Bubblecar Museum, ainda ativo. E, agora, quem for à Serra Gaúcha não deve deixar de visitar a coleção de Cini.
A exposição é aberta ao público de quinta-feira a domingo, das 10h às 18h, com ingressos a R$ 50 (crianças até 12 anos não pagam). Mais informações no site www.cinimicrocars.com.br.
A FEBRE DOS MICROCARROS
A economia europeia ainda estava se recuperando dos estragos da Segunda Guerra Mundial e diversos pequenos fabricantes lançaram modelos baratos e ultra econômicos que eram bem dizer um meio termo entre os automóveis e as motocicletas.
Também chamados de carros-bolha, os microcarros em geral eram lentos e ofereciam pouco conforto. A criação mais famosa dessa leva foi a Isetta, criada em 1953 pela marca de motocicletas Iso. A empresa italiana concedeu licenças para que a pequenina Isetta (apenas 2,25m de comprimento) fosse produzida em diversos países - e assim nasceu a Romi-Isetta no Brasil, em 1956, inaugurando a nossa indústria automobilística. Na Alemanha, a BMW também lançou uma versão da Isetta e, graças a isso, não faliu.
A extinção dos microcarros foi decretada em 1959 quando o engenheiro Alec Issigonis criou o Mini. Não era uma miniatura de carro comum, mas um projeto genial que aproveitava o máximo de espaço interno possível em uma carroceria com 3m de comprimento. No trânsito, nas pistas e nos ralis, o Mini mostrou que era um automóvel de verdade, fazendo bonito frente a rivais bem maiores. A partir daí, toda a indústria passou a copiar soluções do Mini para fazer compactos cada vez melhores - e os velhos carros-bolha caíram no esquecimento.
A Cini Microcars Collection permite conhecer a história dos microcarros e de alguns de seus antecessores. Veja aqui os destaques do museu:
AUSTIN 7 - Produzido entre 1923 e 1939 (muito antes dos surgimento dos microcarros), esse pequeno modelo popular representou para os britânicos o que o Ford T foi para os Estados Unidos. De quebra, foi produzido em outros países, dando origem ao alemão Dixi, o primeiro carro da BMW, e aos japoneses Datsun que lançaram a Nissan no mercado automobilístico. Depois da Segunda Guerra, um garoto de 20 anos chamado Colin Chapman modificou seu Austin 7 para criar o primeiro Lotus.
FIAT 500 TOPOLINO - É outro pequeno popular nascido bem antes dos microcarros. Projetado por Dante Giacosa e lançado em 1936, esse simpático camundongo mecânico foi o modelo que pôs muitos italianos sobre rodas. Com 3,20 m de comprimento, tinha um motorzinho dianteiro de 570cm³ e tração traseira. Com algumas modernizações da carroceria, foi produzido até 1955.
ROVIN D2 - Desde antes da Segunda Guerra, Raoul Pegulu, marquês de Rovin, e seu irmão Robert de Rovin faziam motocicletas e pequenos carros esportivos. Em 1946, eles lançaram um minúsculo conversível com motor traseiro. Alguns Rovin zero-quilômetro chegaram a ser vendidos pela agência carioca Auto Modelo, entre 1948 e 1950. A produção na França durou até 1958.
BISCÚTER VOISIN 200R - O francês Gabriel Voisin foi um arrojado construtor de carros de luxo e aviões antes da Segunda Guerra. Na penúria da década de 40, porém, ele projetou o Biscooter. Era um microcarro que, como o nome sugere, equivaleria a dois scooters. Como nenhum fabricante da França se animou a construí-lo, a licença de produção foi dada à companhia Autonacional S.A, de Barcelona. Assim nasceu o singelo Biscúter - aproximadamente 12 mil exemplares foram feitos entre 1953 e 1960.
BMW ISETTA - A BMW demorou a se levantar após o fim da Segunda Guerra. Nos anos 50, a marca estava com sérios problemas de caixa e quase foi vendida à rival Daimler-Benz. Sua salvação foi produzir localmente a Isetta, um projeto da companhia italiana Iso. Aos poucos, a BMW foi melhorando o carrinho, que fez um tremendo sucesso e permitiu manter a independência da empresa bávara. Entre 1955 e 1962, foram produzidas 161 mil BMW Isetta!
BMW 600 - A BMW inventou também uma versão alongada da Isetta. Além da porta que se abria junto com a frente do carro (como na Isetta), a BMW 600 tinha uma porta traseira, na lateral direita da carroceria. Era, portanto, um carro de duas portas com arranjo bem incomum... O motor era o dois cilindros boxer, de 582cm³, das motos BMW R67. O modelo não durou muito, já que seu preço batia com o do VW 1200.
ZÜNDAPP JANUS - Enquanto a BMW tentava vender o modelo 600, uma concorrente, a fábrica de motos Zündapp, fabricava algo parecido. Era o Janus, cujo nome homenageava um deus romano de duas caras. É que a traseira e a dianteira desse microcarro eram praticamente idênticas - ficava difícil saber se estava indo ou vindo. Havia duas portas: uma ocupando toda a frente do carro, e outra na extremidade traseira. Com projeto original da fábrica de aviões Dornier, o Zündapp Janus resistiu em produção por apenas dois anos (1957-1958).
HEINKEL KABINE - As fábricas de aviões na Alemanha faziam de tudo para sobreviver no pós-guerra. A afamada Heinkel, por exemplo, plagiou na maior cara dura o projeto da Isetta, para competir com a BMW. Para não infringir a patente da Iso, a barra de direção dos Heinkel Kabine era fixa (nas Isetta, a direção se movia quando a porta era aberta). O modelo durou pouco na Alemanha, mas teve sua produção estendida para a Irlanda, a Inglaterra e a Argentina.
MESSERSCHMITT KR 201 - Fabricante dos mais famosos caças alemães da Segunda Guerra, a Messerschmitt foi temporariamente proibida de produzir aviões e teve que se virar para não fechar as portas. Uma das soluções foi fazer um microcarro de dois lugares em tandem (um na frente, outro atrás, como em aviões). As inspirações aeronáuticas também eram percebidas no volante em forma de manche e na bolha de plexiglas usada como capota em algumas das versões. Parecia a carlinga de um caça! O modelo tinha apenas três rodas: duas na dianteira e uma na traseira. Em 1958, a produção foi repassada à fábrica alemã FMR, que fez o carrinho numa versão com quatro rodas.
FIAT "NUOVA" 500 - Não é um microcarro, mas é pequeno o suficiente para figurar na coleção de Cini. Depois de 20 anos produzindo o 500 Topolino, a Fiat resolveu mudar tudo em seu modelo popular. Assim, em 1957, nasceu a "Nuova Cinquecento", com motor traseiro de dois cilindros em linha, refrigerado a ar. O projeto era do mesmo Dante Giacosa que havia desenhado o Topolino de 1936. Logo, o modelo com 2,97m de comprimento e teto de enrolar virou um símbolo da Itália. A produção se estendeu até 1975 e, em 2007, suas linhas arredondadas foram revividas em um novo Fiat chamado 500.
AUTOBIANCHI BIANCHINA - Em 1957, a italiana Autobianchi usou a mecânica da "Nuova" Fiat 500 (motor traseiro de dois cilindros) para fazer a Bianchina, um charmoso carrinho urbano que hoje seria chamado de "premium". Apesar de seus parcos 3 metros de comprimento, a carroceria desenhada por Luigi Rapi era extremamente elegante. Uma das versões de maior sucesso foi a Trasformable: seu teto de abrir combinava com a dolce vita das madames italianas dos anos 60. Curiosamente, a Bianchina teve sua vida estendida até 1977 na forma de uma furgoneta para trabalho.
SCOOTACAR - Foi uma das tantas esquisitices britânicas em matéria de bubble cars. Esse microcarro de três rodas e meros 2,21 metros de comprimento era feito, pasmem, por uma fábrica de locomotivas. A carroceria é de fibra de vidro e um motor monocilíndrico 2T, de 197cm³ traciona a única roda traseira por meio de um câmbio de moto e uma corrente. Cerca de mil exemplares foram produzidos entre 1957 e 1964.
VELOREX - É um dos carros mais minimalistas da coleção. Fabricado na Tchecoslováquia, o Velorex tinha apenas três rodas, motor de motocicleta e era inspirado no Morgan 3-Wheeler inglês. Para manter a leveza, a estrutura tubular do veículo era coberta com couro, em vez de chapas de metal. A produção teve seu auge no fim da década de 50 (com 120 exemplares por mês) e o modelo de três rodas resistiu em linha até 1971. A Velorex ainda tentou fazer carros com quatro rodas para concorrer com o Trabant, mas a ideia fracassou. Os sidecars da Velorex, contudo, são fabricados até hoje.
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