O Citröen C4 Cactus é um daqueles carros que nem sempre é lembrado no processo de compra. São tantos SUVs compactos à venda - a maioria bem mais nova - que o modelo feito em Porto Real (RJ) pode ficar de lado. Só que podem ir na minha: se você esquecer do C4 Cactus, vai estar perdendo um baita carro.
E, depois de rodar mais de 3.500 km indo e voltando da Bahia para a virada de ano levando mais três pessoas no carro, posso falar isso com propriedade. Foram 6 dias fazendo de 8 a 12 horas atrás volante com poucas pausas e diversas complicações - nenhum delas causada pelo SUV da Citroën. Diria mais, não fosse o C4 Cactus, essa viagem seria bem dolorosa.
Sendo mais específico, o carro dessa aventura foi um Citroën C4 Cactus Shine Pack THP 2024. Neste ano/modelo, o SUV que já tem 8 anos de mercado com poucas alterações ganhou alguns detalhes pintados de laranja, novas rodas, carregador por indução e a central multimídia com tela de 10" e espelhamento sem fio de outros produtos da Peugeot e da Citroën.
São boas adições, considerando que a versão Shine Pack ainda traz seis airbags, faróis automáticos, sensor de chuva, frenagem automática de emergência, iluminação diurna em LED, controles de estabilidade e tração, ar-condicionado automático digital, controle de cruzeiro, câmera de ré, faróis de neblina, rack de teto, bancos e volante em couro, sensor de pressão dos pneus, alerta de saída de faixa, rodas de liga leve de 17 polegadas diamantadas e sistema Grip Control com diferentes modos de tração.
Mas a idade de seu projeto acaba levando a algumas ausências que podem ser encontradas em diversos dos rivais mais novos, entre elas monitor de ponto cego e controle de cruzeiro adaptativo. E ainda há um pacote de acessórios oferecidos como opcional, acrescentando coisas simples, como sensor de estacionamento traseiro e a função tilt-down do espelho direito, que rebaixa a lente em marcha ré para facilitar as balizas.
O motor 1.6 THP, desenvolvido em parceria com a BMW, ainda equipa o C4 Cactus e é bem esperto, mesmo com quase 20 anos desde o lançamento. São 173 cv a 6.000 rpm e 24,5 kgfm de torque a 1.400 rpm, o que faz com que seja um dos mais potentes entre os SUVs compactos – perde somente para o Jeep Renegade, Fiat Fastback e Pulse com o 1.3 turbo de 185 cv. Como o Citroën não é o mais pesado de sua turma, com 1.214 kg, o SUV fica bem esperto quando se exige desempenho.
Mas o Cactus ainda é derivado de um hatch, então não é tão grande. Nas medidas, tem 4,17 m de comprimento (pouco mais que um Chevrolet Onix), 2,60 m de entre-eixos, 1,71 m de largura, 1,56 m de altura e 225 mm de altura em relação ao solo. Talvez o maior entrave para o carro seja o porta-malas de somente 320 litros, mas ainda é maior que o do Renegade, que tem 314 litros.
Seu preço de tabela é de R$ 139.990, mas a Citroën oferece o C4 Cactus Shine Pack THP 2024 por meio de compra online, baixando o preço para R$ 129.990. Olhando para outros SUVs compactos no mercado, R$ 130 mil mal compra um rival em configuração intermediária, muito menos uma completa como no Cactus.
A missão era complicada sob qualquer ótica: ir da capital paulista a Itacaré (BA) antes da virada do ano. Mas ainda tinha um agravante, pois, dos quatro passageiros, somente eu iria dirigir. Da partida à chegada estavam 1.784 km, maior parte percorrida dentro de Minas Gerais. Eu sabia que as estradas mineiras eram lastimáveis, mas nada me preparou para o que encontrei no caminho.
O primeiro trecho foi até Conselheiro Lafaiete (MG), onde eu e a esposa buscaríamos um casal de amigos que toparam essa empreitada meio sem sentido. Essa pernada foi a mais tranquila de todas, rodando principalmente pela Rodovia Fernão Dias. É uma estrada com pedágios bem mais camaradas: R$ 2,80 em 2023 e passou para 2,90 em 2024. Em termos de pedágio, é mais barato fazer os 600 km que separam São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG) do que chegar em Campinas (SP), a menos de 100 km da capital paulista.
Ao menos na Fernão Dias, as condições estavam aceitáveis. Alguns buracos pelo caminho, mas a sinalização estava presente e não faltavam postos de combustível e pontos de apoio ao usuário. O trajeto até Conselheiro Lafaiete levou pouco menos de 10 horas, considerando as paradas.
Foi um trecho completamente sem sustos. Apenas dois adultos e suas bagagens não foram desafio o motor THP do Cactus. Mas uma coisa já tinha transparecido: os bancos dianteiros do carro eram confortáveis, o que viria a calhar nos próximos dias. No demais, controle cruzeiro travado em 100 km/h e o melhor consumo da viagem inteira, chegando em 16,5 km/l com gasolina na aferição em bomba. Porém, o computador de bordo é mentiroso. Nesse trecho marcou mais de 18 km/l de consumo médio.
Em Lafaiete já éramos quatro no carro e o pequeno bagageiro começou a pegar. Pequenas mochilas já foram para dentro do carro, principalmente as com equipamentos eletrônicos. Tinha espaço no porta-malas, mas iam ficar um tanto prensadas. Por outro lado, o Cactus acomodou sem dificuldades diversas garrafas d'água e as duas tomadas USB de carregamento extras (uma abaixo do encosto de braço dianteiro que chegou na linha 2024) e outra para o banco traseiro foram elogiadas.
A multimídia, porém, sofre com algumas questões. Se o seu celular não fizer espelhamento sem fio, o cabo USB fica pendurado em posição precária. Além disso, tem que ficar entrando e saindo do Android Auto para acessar o menu do ar-condicionado enterrado na multimídia se mostrou uma distração desnecessária. A frenagem autônoma de emergência que o diga, pois evitou pequenos acidentes em duas oportunidades ao longo do trajeto.
Saímos de lá mais cheios e com algumas recomendações. Ir por BH até Ipatinga (MG) foi desencorajado, pois, segundo quem deu a dica, "tem muito caminhão e os motoristas são malucos". É uma região varada de mineradoras e, além de muito volume de veículos pesados, eles rodam muito devagar quando estão carregados e rápidos demais quando estão vazios.
E posso dizer com bastante convicção: o trecho entre Conselheiro Lafaiete e Itaobim (MG), nossa segunda parada, é um show de horror. Mesmo passando por cidades maiores, como Governador Valadares e Teófilo Otoni, as condições são precárias. O trecho tem 687 km, pouco a mais que entre São Paulo e Lafaiete. No entanto, ao invés de 8 horas ao volante, foram 12.
O trecho da BR-116, em alguns locais chamado de Rio-Bahia, foi um terror. É uma estrada sem pedágios, mas também sem cuidados. O asfalto era tão velho e gasto que até as lombadas (raramente pintadas ou sinalizadas) tinham sulcos por onde passam os pneus dos caminhões, fora a sequência de buracos interminável. Esperava o pior e ainda assim fui surpreendido.
Nesse trecho apareceu a primeira crítica ao Cactus: a suspensão é muito mole para andar carregado em situações adversas. A traseira batia fim de curso com bastante frequência e com pouco esforço. Nas curvas, porém, o carro ainda se sai bem. Apresenta mais rolamento nas mudanças de direção quando carregado, mas não assusta. Só que o consumo foi penalizado. Neste trecho o Cactus fez somente 12,1 km/l com gasolina, o pior da viagem.
Além do conforto dos bancos, o que salvou o dia mesmo nesse trecho foi o motor THP. Eram poucos pontos de ultrapassagem e muitos caminhões se arrastando a 20 km/h nas ladeiras. Então todas as oportunidades tinham que ser bem pensadas e aproveitadas. E esse é um ponto que não tenho do que reclamar: os 166 cv com gasolina (173 cv apenas com etanol) sobrepujaram o peso extra, a morosidade do câmbio calibrado para economia e sequência de pirambeiras que o governo de Minas Gerais chama de estrada.
Também foi o dia em que vimos o resultado de uma imprudência fatal. Mais para o final da tarde, a cerca de 200 km de Itaobim, o trânsito simplesmente parou. Uma Chevrolet S10 em ultrapassagem proibida e na contramão deu de frente em uma carreta Scania carregada. Resultado: a picape dobrou no meio e empurrou a dianteira do caminhão um bom meio metro para dentro. Ficou o aviso e a sensação de abandono do poder público.
A chegada em Itaobim após 3 paradas no caminho para esticar as pernas foi o único ponto positivo do dia. Mas a culpa não foi do Cactus, que superou adversidades com ímpeto. Mas se você vai andar carregado com frequência, falta carga nas molas traseiras para lidar com a situação. Motor, câmbio, bancos, ergonomia e conforto na cabine foram aprovados por todos os ocupantes. Aqui vai uma outra crítica que foi exposta pelos passageiros do baco de trás: se você anda com o joelho apoiado na porta, o formato do puxador de porta vai ser incômodo.
De Itaobim a Itacaré (BA), o trajeto era menor e apenas um pedágio cobrado no anel viário dos arredores de Vitória da Conquista (BA). Já saindo de Itaobim, o asfalto começou a apresentar melhores condições, os trechos de serra começaram a rarear e após pouco tempo já estávamos na Bahia.
Lá, nada além de céu azul, calorão e uma estrada que surpreendeu pelo bom estado de conservação do asfalto e da sinalização. Porém, a imprudência aumentou. Além dos caminhões, até ônibus de passageiros ultrapassavam o limite de velocidade e em locais proibidos.
Apesar disso, o caminho até Itacaré via Ilhéus (BA) foi bem mais tranquilo que o dia anterior. A cidade ainda é pequena e mostra a origem como vila de pescadores ainda. Mas tem se tornado um pólo turístico rapidamente dentro da região do Sul da Bahia. As ruas apertadas de paralelepípedo e alto volume de turistas evidenciaram uma vantagem do C4 Cactus sobre o rivais. Por ser menor e derivado de um hatch, não foi complicado passar por ruas apertadas nem encontrar vagas no centro da cidade.
O retorno foi basicamente uma repetição da ida, só que agregando o peso extra de bebidas e comidas típicas de Itacaré. E a volta sempre parece que tem mais coisas que ida de qualquer forma. Ainda assim, a carroceria relativamente larga do C4 Cactus continuou tratando todos bem, apesar de alguns itens precisarem ir do meio do banco traseiro ou sobre a tampa interna do porta-malas.
Agora para uma manha em viagens de longa duração: coloque no mapa destinos intermediários, não apenas o final. Assim, faltará menos tempo para o "próximo objetivo", diminuindo a ansiedade de um trecho muito longo. E para diversão garantida, repare nos nomes dos lugares e comércios locais. Além de combustível para as piadas, mantém o motorista mais atento.
Após 6 dias atrás do volante do Citroën C4 Cactus Shine Pack THP 2024 nas condições mais adversas, posso dizer que fui surpreendido. Não esperava muito dele, mas acabou entregando tudo. O desempenho ainda está lá, assim como o conforto, enquanto o SUV tem uma boa relação custo-benefício. Acreditava que um carro de projeto tão antigo ia entregar a idade rapidamente. A conclusão é que, se o projeto for bom de início, o tempo passa mais devagar para o carro.
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