Carol, que administra a frota de imprensa da Stellantis, avisou: "Chegou uma Ram 1500 Rebel para testes. Vai ficar contigo uma semana!". Confesso que isso me soou, a princípio, como presente de grego... O que vou fazer no trânsito urbano com um monstro de quase 6 metros de comprimento? E, para piorar, em versão a gasolina, nesses tempos em que o litro do precioso líquido passa dos R$ 7,20 no Rio de Janeiro.
Tentei adiar a missão ao máximo e repassar a oferta a outro jornalista, que não topou. Atrasei um dia para buscar e o gerente da concessionária telefonou desesperado, pois a Ram estava ocupando muito espaço na oficina. Não teve jeito: tive que alugar uma vaga especialmente grande para abrigar essa picapona tão ao gosto dos consumidores norte-americanos - e também dos brasileiros que fizeram fortuna com o agronegócio.
Enquanto a Ram 2500 Laramie, a diesel, tem peso bruto total de 4.536 kg (daí ser preciso habilitação de categoria C para conduzi-la), "nossa" Ram 1500 Rebel tem PBT inferior a 3,5 toneladas e pode ser dirigida por qualquer motorista com CNH categoria B. Legal! A questão é que, com suspensão mais macia, a 1500 Rebel pode levar uma carga útil de, no máximo, 610 kg (a modesta Fiat Strada cabine dupla leva 40 kg a mais!). Já a Ram a diesel transporta 1.088 kg.
Outra: importada dos Estados Unidos, a 1500 Rebel não dispõe da isenção tributária que beneficia a 2500 Laramie, fabricada no México. Resultado: a versão a gasolina custa R$ 429.990, contra R$ 427.990 da movida a diesel.
O V8 Hemi a gasolina da 1500 Rebel rende impressionantes 400 cv de potência mas com 56,7 kgfm de torque máximo, enquanto a 2500 Laramie traz o seis-em-linha Cummins de 6.7, 365 cv e 110,7 kgfm - um turbodiesel digno de um caminhão.
É maluquice comprar uma picape tão grande para carregar menos coisa, com menos torque e ainda gastar mais na concessionária e no posto? Bom... A ideia é que a Ram 1500 esteja mais para um vistoso esportivo do que para veículo de trabalho. Seu ambiente, em teoria, é mais urbano do que as plantações de soja do Centro-Oeste.
Daí que, para tentar compensar o preço, "a picape mais potente do Brasil" recebeu equipamentos como teto solar panorâmico, um caprichado sistema de som Harman Kardon com 900 watts, controle de cruzeiro adaptativo e uma tampa de caçamba (com abertura remota) da qual falaremos mais adiante. Se você está achando tudo isso um absurdo, saiba que desde sua chegada ao país (em abril) até outubro, a Ram 1500 Rebel teve 510 unidades vendidas no país. Em outubro, aliás, foram 33 Ram a gasolina contra 31 a diesel. Dito isto, vamos a bordo.
Difícil imaginar um lugar menos apropriado à Ram do que as ruas de Botafogo, bairro urbanizado no século XIX - tempo em que o automóvel estava sendo inventado na Europa e ainda não havia chegado ao Brasil. Dirigir a picape por ruas estreitas, cheias de triciclos de entregas e bicicletas que surgem de todos os lados, é como estar montado num elefante dentro de uma loja de cristais.
No trânsito, a Ram chama a atenção até de gente que não liga a mínima para automóveis. Totalmente desaconselhável aos tímidos. A posição de dirigir é alta - e põe alta nisso! Você vê de cima os motoristas de Hilux e dos VUCs. No sinal vermelho, o vendedor precisa esticar o braço para pôr o saquinho de balas sobre o retrovisor esquerdo da Ram.
De cara gostamos do volante em posição bem vertical e forrado com um couro bem suave ao toque. O acelerador é hipersensível para um V8 tão potente - já o pedal do freio tem curso muito longo. Com o passar dos dias, muitas vezes dirigimos com o pé esquerdo no freio e o direito no acelerador, como tantos americanos gostam de fazer.
O quadro de instrumentos não é nada minimalista e, por motivos óbvios, um dos principais mostradores é o de autonomia. Ali ao lado, a tela multimídia de 12" vai na vertical, à moda Tesla e Volvo. Ainda há, porém, muitos botões físicos. É meio que um painel de máquina de trabalho - a impressão é de que estamos a bordo de um caminhão Caterpillar de mineração. Para acionar os comandos de som e do ar-condicionado é preciso tirar o olho da pista por muito tempo. Em compensação, temos projeção no para-brisa das informações de velocímetro, limite de velocidade e nome da rua.
A cabine é tão absurdamente grande que o ar-condicionado não dá conta de gelar todo o ambiente. Os porta-objetos são gigantescos. Entre os bancos dianteiros há um que parece uma piscina! E nunca foi tão fácil acomodar uma cadeirinha infantil em um banco traseiro. Mesmo que tivéssemos trigêmeos, ainda sobraria um montão de espaço. Igualmente gigantesco é o teto solar que vai até a parte traseira da cabine (não disponível na Ram 2500 Laramie). O assoalho plano aumenta o conforto.
Gostamos ainda do capricho na forração dos bancos e da robustez dos tapetes. Por outro lado, o carregador de celular por indução não funcionou direito: acendia um LED como se fosse carregar o iPhone X, mas cortava subitamente.
Passado o impacto inicial, começamos a curtir as características da Ram. Cada vez que apertamos o botão de partida, o V8 Hemi acorda com um trovão e, por alguns segundos, se mantém a 1.300 rpm, ecoando na garagem. Com o tempo a gente vai pegando o traquejo de manobrar a picapona mesmo em ambientes relativamente apertados. Os apitos dos inúmeros sensores de proximidade ajudam, bem como as câmeras e, sobretudo, a direção levinha, com assistência elétrica.
O jogo de direção é surpreendente para um veículo com tração nas quatro rodas. Os retrovisores externos são gigantescos (com um espelhinho convexo no canto superior externo) e você sempre pode dobrá-los para passar em um local estreito. No fim, tiramos de letra: já manobrávamos o "caminhãozinho made in USA" com uma mão só ao entrar e sair da garagem cheia de colunas. Tudo é questão de hábito. O Park Assist é item de série, mas não o usamos nenhuma vez.
Mas é bom sempre ter em mente que, mesmo nos amplos estacionamentos descobertos dos shoppings da Barra da Tijuca (o que mais se parece com o habitat de uma Ram no Rio), essa picape ocupa espaço maior que o de uma única vaga. Alinhe a frente e sobrará traseira.
Quem dirige uma picape sempre acaba encarregado de alguma missão. A nossa foi buscar 15 sacos de terra adubada e mais 6 sacos de fibra de coco para uma horta escolar - no total, uns 390 quilos de carga. Conforme saímos da Zona Sul carioca e as pistas vão se alargando, a Ram 1500 vai encontrando seu ambiente.
Mesmo com um acerto off-road na traseira e amortecedores especiais Bilstein, a suspensão (com molas helicoidais nos dois eixos) é macia ao estilo carro americano. Temos 25 cm de vão livre e pneus Falken de uso misto, medida 276/65 R18. Você freia, ela embica a frente e levanta a traseira. Nas curvas, não abuse que você ficará meio mareado.
Ao carregar os sacos, descobrimos as vantagens das duas opções de abertura da tampa traseira. A tampa pode baixar, como na maioria das picapes, ou ser bipartida, abrindo-se para os lados, à moda da Toro. O mecanismo é simples e versátil, adaptando-se à cada situação e ao tipo de carga.
A caçamba não é das mais profundas. Em vez da capota marítima tradicional, de plástico maleável, "nossa" Ram 1500 trazia um sistema rígido retrátil da fábrica de acessórios Keko. Lembra a abertura dos estojos escolares de antigamente, em que pequenas réguas iam se enrolando e "desaparecendo". Seu funcionamento é comandado por controle remoto: você pode cobrir a carga enquanto está no trânsito, por exemplo. A má notícia é que o equipamento é pago à parte e custa mais de R$ 8 mil...
Nas laterais da caçamba, sobre os arcos dos para-lamas, há dois compartimentos com tampa fechada a chave. "Ponha gelo lá dentro e esses espaços podem servir para esfriar bebidas", sugeriu um assessor da Stellantis. Cá entre nós, o compartimento parece feito na medida para que os rednecks levem seus rifles.
O desafio final foi passar pelo portãozinho da escola onde íamos descarregar a terra e a fibra de coco. Trânsito fechado, frente apontada, retrovisores rebatidos e a Ram passou justinha, sobrando uns 5cm de cada lado. Parecia impossível, mas com um pouco de jeito deu pé.
É muito gostoso dirigir uma picape desse porte, em pleno 2021, sem ouvir o som de um motor a diesel. Na Ram 1500, o "glub-glub-glub" baixinho e ameaçador do V8 a gasolina nos transporta aos tempos da vovó Dodge D-100, picape fabricada no Brasil entre 1969 e 1975. Em vez do velho 318 LA (5,2 litros) do Dodge Dart, contudo, temos aqui um furioso 345 Hemi (5,7 litros). Ainda é um V8 um tanto anacrônico com apenas duas válvulas por cilindro e comando no bloco, mas hoje rende 400 cv e leva com imensa facilidade as 2,6 toneladas de uma Ram 1500 vazia.
O vê-oitão fica afundado lá embaixo do cofre, com muito espaço para o mecânico trabalhar em volta. De pé leve, em velocidade de cruzeiro, a eletrônica desativa quatro cilindros, num esforço para economizar combustível. Mesmo assim, nos momentos mais tranquilos de nossa convivência, a média raramente superou os 5 km/l. Divertido mesmo é entrar em um túnel mantendo o giro a uns 1.500r pm, dar kick down e ouvir o urro de leão da Metro reverberando nas paredes. A casa cai e o consumo dispara.
A Ram 1500 Rebel usa o onipresente câmbio ZF 8HP, mas pôs um seletor giratório e não há como reduzir marchas manualmente. Aliás, o botão giratório do câmbio e o do volume do rádio são bem parecidos (apenas de tamanhos diferentes) e até a sensação táctil é parecida. Ficam a poucos centímetros de distância um do outro. No escuro, vai ter distraído se confundindo.
Ao cabo de uma semana, já estávamos adorando dirigir a 1500 Rebel e devolvê-la nos deixou com saudades. A única coisa que não tem a menor graça nessa Ram é pagar R$ 700 para encher seu tanque de 98 litros...
Fotos: Mario Villaescusa (para o Motor1.com) e divulgação
Ram 1500 Rebel
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