Confesso que, ao pegar o Fiat Argo Trekking 1.3 2021 para esta avaliação, bateu um certo preconceito. Que lógica há em calçar um hatch compacto com pneus de uso misto Pirelli Scorpion ATR 205/60 R15, mais apropriados a picapes e trabalho pesado? Sem falar na sensação visual de "carro de salto alto", com um enorme vão entre os arcos dos para-lamas e os pneus, mostrando o tanto que a suspensão foi levantada.
Para mim, o Argo Trekking não é um carro feito para quem gosta de carros. A direção elétrica é leve demais em baixas e médias velocidades, além do já bastante conhecido câmbio manual da Fiat, o C513, em cena desde 1996. Feche os olhos, pise no pedal de embreagem e engate as marchas e lembre o Palio que foi lançado há 25 anos - vamos detalhar isso mais adiante. Mas ele tem suas qualidades que agradam ao grande público.
Mas veio a primeira missão no dia a dia: levar minha filha à escola. Nesse momento, descemos de nossa empáfia e começamos a perceber o sentido desse Fiat Argo Trekking. Entre ida e volta, num percurso de apenas 8,4 km, passamos 24 vezes por quebra-molas (ou lombadas, dependendo da região do Brasil em que você está lendo) - o que dá a espantosa média de uma a cada 350 metros.
Normalmente, fazemos esse trajeto com extremo cuidado, sofrendo um pouco a cada obstáculo. No Argo Trekking e seu "salto alto", contudo, ignoramos as ondulações pelo caminho. Com molas, amortecedores e pneus maiores, o Trekking tem 21cm de vão livre - são 5,5 cm a mais do que em um Argo "normal". O resultado impressiona: em vez de desviar, mire naquela cratera da sua rua e você mal sentirá o desnível. Há apenas um "bonc!" abafado e bem amortecido pelo monte de borracha dos pneus e calços de suspensão.
Ou seja, é um hatch para nossas ruas, tanto que o Trekking, lançado há exatamente dois anos, hoje responde por 30% das vendas do Argo. Nesse tempo, o carro mudou pouco visualmente. Na linha 2021, seus adesivos pretos nas laterais e no capô ganharam um jeitão de tatuagem tribal. O teto continua preto, numa decoração que nem parece tão exagerada quando o carro está pintado no sóbrio Cinza Silverstone do exemplar avaliado. Também entrou em cena um logotipo dianteiro maior, parte da nova identidade da marca, assim como a bandeira com as cores da Itália um pouco mais ao lado.
E no ano passado, entrou em cena uma configuração com motor 1.8 e câmbio automático, mas a que vende mesmo é a "nossa" 1.3 manual que, enfim, ganhou controle eletrônico de estabilidade também como parte dessas mudanças para a chamada linha 2021.
Voltemos à ação. Há boa ergonomia mesmo sem o ajuste de distância do volante (só há de altura). A posição de dirigir é alta e o motorista, além disso, sente mais oscilação vertical da suspensão do que em um Argo comum. Mas nada que assuste: entramos animados em uma curva de 360°, em descida, que termina sob um viaduto, e o Argo Trekking se comporta de forma surpreendentemente neutra e equilibrada. Repetimos a brincadeira e o carro continuou a mostrar-se seguro. O ruído de rolagem dos Scorpion ATR é até baixo para pneus de uso misto.
O motor Firefly 1.3, de quatro cilindros, oito válvulas e 101 cv/109 cv não é nenhuma máquina de guerra, mas se vira bem a partir de 2.500 rpm. As relações do câmbio são as mesmas do Argo Drive 1.3, mas com diferencial encurtado para compensar os pneus de diâmetro maior, o arrasto extra e ajudar o Firefly a trabalhar na sua melhor melhor faixa de uso - a 100km/h, o ponteiro do contagiros está cravado em 3.000 rpm. Isso, é claro, atrapalha o consumo: nos testes do Motor1.com, ele registrou 8,0 km/litro na cidade e 11,4 km/litro na estrada, sempre com etanol, números que poderiam ser melhores.
O calcanhar de aquiles é a caixa de marchas C513. Para os padrões dos anos 1990 era ótima, mas o tempo passou. Hoje, seus engates são longos e um tanto borrachudos na comparação com transmissões mais modernas. Para piorar, esse câmbio é ruidoso e, a cada aceleração ou desaceleração, alterna gemidos de engrenagens com sons de matraca. A impressão é de que há componentes frouxos lá dentro, mesmo em um carro zero-quilômetro, ou que as matrizes das peças já estão cansadas. O C513 já deu o que tinha que dar, né Fiat?
Por dentro, há ótimo espaço para alguém de 1,70 m que vai no banco traseiro e o porta-malas tem 300 litros de capacidade, estando até um pouco acima da média da categoria. A aparência interna do Argo sempre nos agradou, com seu jeito de Mercedes Classe A 2012-2018. Na versão Trekking, ainda mais, com a forração preta no teto e colunas, a mesma do Argo HGT. O acabamento leva muito plástico duro, mas texturizado com capricho. Nos forros das portas dianteiras há almofadinhas espumadas. Os tecidos dos bancos têm aparência algo rústica, condizente com o espírito aventureiro do carro, e levam costuras cor de laranja. Os tapetes de borracha grossa vão nessa mesma onda - não dá pena de entrar no carro depois de se pisar na lama.
A central multimídia, lá no alto do painel, é facilmente conectada ao smartphone, o computador de bordo é bem completo e a escala dos instrumentos analógicos é limpa e fácil de ler. O carro testado trazia ainda câmera de ré, rodas de liga leve, abertura de portas por aproximação, partida no botão e ar-condicionado digital - é o conjunto Full, de R$ 5.500. Quem não quiser pagar tanto, pode levar o pacote Plus (R$ 3.900), só com as rodas e a boa câmera de ré.
O preço do Trekking 1.3, sem opcionais, é de R$ 71.290, contra os R$ 67.790 do Argo Drive 1.3. Os rivais são o Hyundai HB20X (R$ 73.090) e o Renault Sandero Stepway (R$ 79.905) em suas versões de entrada com câmbio manual, ambos com motores 1.6 16v, mas sem pneus de uso misto como o Scorpion ATR. Não demora e a Fiat terá os seus Progetto 363 e Progetto 376, seus SUV "de verdade" com plataforma do Argo e motor 1.0 turbo com potência na faixa dos 130cv - mas, aí, os preços serão bem mais altos.
Até o fim dessa avaliação, ainda enfrentamos os temidos trilhos de bonde em Santa Teresa, no Rio, paralelepípedos soltos e ruas de péssimo calçamento. O aventureiro urbano da Fiat passou impávido e macio por tudo isso. Já nem fugíamos mais das crateras. Se fôssemos comprar um Argo, o Trekking 1.3 seria a nossa opção. Não é um carro para entusiastas, mas para a realidade das ruas brasileiras.
MOTOR | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 8 válvulas, 1.332 cm3, comando simples com variador de fase, flex; |
POTÊNCIA/TORQUE | 101/109 cv a 6.250 rpm; Torque: 13,7/14,2 kgfm a 3.500 rpm; |
TRANSMISSÃO | câmbio manual de 5 marchas, tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira; |
RODAS E PNEUS | aço aro 15" com pneus 205/60 R15 (liga leve opcional) |
FREIOS | discos na dianteira e tambores na traseira, com ABS; |
PESO | 1.130 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 3.998 mm, largura 1.724 mm, altura 1.568 mm, entreeixos 2.521 mm |
CAPACIDADES | porta-malas 300 litros, tanque 48 litros |
PREÇO | R$ 71.290 (R$ 76.790 como testado) |
MEDIÇÕES MOTOR1 (etanol) | ||
---|---|---|
Aceleração | ||
0 a 60 km/h | 5,4 s | |
0 a 80 km/h | 8,7 s | |
0 a 100 km/h | 12,3 s | |
Retomada | ||
40 a 100 km/h em 3a | 11,1 s | |
80 a 120 km/h em 4a | 11,6 s | |
Frenagem | ||
100 km/h a 0 | 42,8 m | |
80 km/h a 0 | 26,8 m | |
60 km/h a 0 | 15,0 m | |
Consumo | ||
Ciclo cidade | 8,0 km/l | |
Ciclo estrada | 11,4 km/ |
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