Sou particularmente fã de carros com história, que carregam em seu DNA o legado da evolução de gerações e gerações, e cujo nome basta ser citado numa roda de amigos para que todos saibam do que estamos falando. Desta casta posso citar modelos emblemáticos como Porsche 911, BMW Série 3, Mercedes Classe G, VW Golf e até alguns menos famosos, como o Suzuki Samurai/Jimny.
Por conta de toda a tradição envolvida, nada mais justo do que colocar o Land Rover Defender nesta lista. Mas, ao menos neste primeiro teste da nova geração do utilitário, eu prefiro contrariar o que ouvi até agora e dizer que esperava algo diferente: a tradução do velho para o novo se perdeu no caminho.
Claro que não sou ingênuo de achar que o novo Defender fosse aquele 4x4 puro e duro de antigamente. Mas o que encontrei foi, guardadas as devidas proporções, um Discovery que se esforça para parecer um Defender - e que na verdade pouco lembra o carro original. A Land Rover abandonou o chassi em separado da carroceria para adotar uma plataforma monobloco (a mesma D7x do Discovery), embora com reforços e proteções para aguentar a pancadaria do off-road.
As suspensões por eixo rígido deram lugar a sistemas independentes na dianteira e traseira, com molas a ar. E a marca inglesa ainda equipou seu modelo mais fora-de-estrada com um motor 2.0 turbo a gasolina (Ingenium P300) usado em sedãs da Jaguar - que em nada tem a ver com a pegada do Defender.
Veja bem, não estou dizendo que o Defender virou SUV de shopping, não é isso, mas ao mesmo tempo não consigo ver essa nova geração na savana africana daqui a 10, 20 anos...
Adaptar conceitos antigos aos novos tempos não é tarefa fácil. Mas estão aí o Jeep Wranger e o próprio Suzuki Jimny Sierra para provar que é possível fazer um blend de tradição e modernidade que agrade a gregos e troianos. A Land Rover optou por um caminho talvez muito elitista para esta nova geração do Defender, o que resultou num utilitário capaz, mas que poderia facilmente ter um escrito "RANGE ROVER" no capô.
Um exemplo claro disso que estou falando é o interior notadamente premium, recheado de telões e telinhas para o cluster, multimídia, comandos do ar-condicionado, etc. Alguns detalhes tentam remeter a um ambiente rústico, como parafusos à mostra nas portas e revestimentos sintéticos. Mas eles não enganam, estamos num carro chique.
Temos toda a parafernália eletrônica disponível, incluindo câmeras para ver o que o piso à frente nos reserva, botões para ajuste de altura da suspensão (pneumática) e os modos de condução off-road do sistema Terrain Response II. A transmissão automática de 8 marchas trabalha em conjunto com a tração integral permanente com opção de reduzida e bloqueio dos diferenciais central e traseiro.
É sem dúvidas um conjunto muito valente no off-road, especialmente se tiver a ajuda de sapatos lameiros (nosso exemplar de teste veio vestido com pneus Goodyear Wrangler de uso misto). A capacidade de imersão é de elevados 90 cm, os ângulos de ataque e saída são de respeito (37,5 e 40 graus, respectivamente) e a suspensão a ar absorve muito bem os impactos do piso, além de proporcionar um vão livre do solo de até espantosos 29,1 cm! Coloque o Defender numa trilha, acione a reduzida e o bloqueio traseiro, coloque o Terrain Response no modo que mais combina com a situação e fique apenas com o "trabalho" de acompanhar o modelo superando os obstáculos.
Outra coisa bacana é que você pode levar muitos convidados (e tralhas) para curtir essa trilha. Isso porque o espaço interno do novo 110 é impressionante, entregando muita amplitude de movimentos para os ocupantes (são mais de 3 metros de entre-eixos). Cabem 3 pessoas confortavelmente no banco traseiro, e ainda mais 2 crianças nos banquinhos rebatíveis que ficam no porta-malas desta versão de 7 lugares. Sem usá-los, temos nada menos que 743 litros para bagagens - sem contar o rack do teto e a malinha de ferramentas colocada na lateral (acessório).
As inconsistências, porém, voltam a aparecer debaixo do capô. O motor 2.0 turbo é um peixe fora d'água no Defender. Embora tenha bom torque para um 4-cilindros a gasolina, com 40,8 kgfm disponíveis logo a 1.500 rpm, ele parece limitado para levar o utilitário 2,3 toneladas - sim o 110 é grande e bastante pesado, e você percebe isso ao dirigi-lo.
Na prática, o esperto câmbio parece sempre ter de acordar o motor para entregar respostas mais ágeis, para compensar que de modo geral as reações do Defender são lentas. Se os números de desempenho estão longe de decepcionar (cravou 0 a 100 km/h em 9,1 segundos e retomada de 80 a 120 km/h em 5,8 s nas nossas medições instrumentadas), saiba que isso só vem com alta exigência do pedal da direita - o que afeta o consumo.
Ahhhh, o consumo... Este é outro ponto que mostra que esse motor, definitivamente, não nasceu para o Defender. Pelo fato de ser limitado em baixas rotações (lembre-se que estamos falando de um utilitário de 2,3 toneladas, e não de um sedã de 1,5 ton.), é preciso ser convicto no acelerador para que o jipão ganhe velocidade. E se este propulsor já não era dos mais econômicos em carros leves e aerodinâmicos, neste caso o resultado é ainda pior: 6,2 km/litro na cidade e 7,9 km/litro na estrada em nossas medições - o que deixa a autonomia rodoviária ao redor dos 700 km mesmo tendo um tanque de 90 litros.
Ou seja, se considerarmos que na terra o consumo é ainda mais alto que no trânsito urbano (registramos em torno de 4 km/litro nestas condições), longas viagens por locais mais afastados da civilização exigirão muito planejamento - ao menos até que a Land Rover traga ao Brasil o Defender com motor a diesel (na Europa ele está disponível nas versões D200, D250 e D300, sempre com 6 cilindros e um sistema híbrido-leve). Também seria interessante trazer versões mais baratas de comprar e manter, como uma com molas de aço no lugar das bolsas de ar, além, é claro, da versão de 2 portas Defender 90.
Para viagens no asfalto, o Defender 110 é confortável, silencioso e desenvolve boas velocidades sem balanços exagerados da carroceria. Claro que não tem a dinâmica de um Range Rover Sport (nem é esta a proposta), mas é razoavelmente bem equilibrado nas curvas a despeito da direção anestesiada. Já os freios mereciam ser mais fortes para conter o peso elevado do modelo, exigindo longos 46,3 metros até a parada completa quando vindo a 100 km/h. Mas se a ideia é ir para terra só de vez em quando, então eu ainda fico com o Discovery.
De volta ao pensamento do começo, terminei o teste do novo Defender 110 com sentimentos mistos. Acho que o design e a proposta são fantásticos, mas o resultado remete mais a um Discovery menos formal do que a um utilitário legítimo como o antigo Defender - até mesmo no preço de R$ 461.150 desta versão HSE testada. Será que era só eu que esperava um jipe mais raiz, menos refinado, com um baita motor a diesel e, principalmente, mais acessível?
Fotos: autor/Motor1.com
MOTOR | dianteiro, longitudinal, 4 cilindros em linha, 16 válvulas, 1.997 cm³, turbo e injeção direta, comando variável na admissão e escape, gasolina |
POTÊNCIA/TORQUE | 300 cv a 5.500 rpm / 40,8 kgfm de 1.500 a 4.000 rpm |
TRANSMISSÃO | automática de 8 marchas, tração integral com reduzida |
SUSPENSÃO | independente com braços sobrepostos na dianteira e traseira, molas a ar |
RODAS E PNEUS | de liga-leve aro 20" com pneus 255/60 R20 |
FREIOS | discos ventilados na dianteira e na traseira, com ABS e ESP |
PESO | 2.318 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento de 4.758 mm, largura de 1.996 mm, altura de 1.967 mm e entre-eixos 3.022 mm |
CAPACIDADES | porta malas 743 litros (160 litros com 7 lugares), tanque 90 litros |
PREÇO | R$ 461.150 |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR (gasolina) | ||
---|---|---|
Defender 110 P300 | ||
Aceleração | ||
0 a 60 km/h | 4,5 s | |
0 a 80 km/h | 6,6 s | |
0 a 100 km/h | 9,1 s | |
Retomada | ||
40 a 100 km/h em S | 5,9 s | |
80 a 120 km/h em S | 5,8 s | |
Frenagem | ||
100 km/h a 0 | 46,3 m | |
80 km/h a 0 | 29,0 m | |
60 km/h a 0 | 16,3 m | |
Consumo | ||
Ciclo cidade | 6,2 km/litro | |
Ciclo estrada | 7,9 km/litro |
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