Viver na cidade está cada vez mais difícil. A população cresce e as ruas ficam mais cheias a cada ano. Em outros lugares do mundo, a solução para quem precisa de um carro é escolher um subcompacto, por ter um tamanho que permita estacionar com mais facilidade e ser mais econômico – além de, dependendo do caso, ser mais barato.
Essa categoria teve início lento no Brasil, com a chegada de poucos modelos como Kia Picanto e Volkswagen Up! (na verdade o primeiro Ford Ka, de 1996, era um bom exemplo). Começou a crescer com a chegada do Fiat Mobi e, neste ano, do Renault Kwid, um dos carros mais baratos do mercado (só perde para o chinês Chery QQ). Um se apoia no aspecto descolado, outro se considera um SUV por sua altura do solo. São os dois mais vendidos do segmento, mas qual deles tem melhor custo-benefício? Escolhemos a faixa dos R$ 40 mil (Mobi na versão Drive e Kwid na Intense) para saber.
Espaço e praticidade
Pedir espaço em um citycar é uma loucura, eu sei. O conceito deles é justamente ser pequeno e leve o suficiente para ser fácil de estacionar e bem econômico. Porém, se ele tem banco traseiro, deve pelo menos oferecer capacidade para encher o veículo sem que os passageiros achem melhor sair e pegar um ônibus.
Uma das grandes falhas do Mobi está neste quesito. Ele é bem apertado. Motoristas mais altos terão que tirar a trava do trilho para poder recuar um pouco mais o banco e achar uma posição adequada para dirigir. Os mais baixinhos não terão problema, seja ele o condutor ou passageiro. Já para quem senta atrás... falta espaço para as pernas, e isso com os bancos ajustados para um motorista de 1,63 m. O porta-malas também é um dos menores do segmento, com capacidade para 215 litros. E esqueça o cargobox oferecido pela Fiat, ele só serve para itens pequenos e acaba atrapalhando mais do que ajuda.
Não que a vida seja muito melhor no Kwid. Ele é mais espaçoso, é verdade, principalmente para quem viaja atrás. Só que tem suas limitações. A cabine é estreita demais, o que faz com que o ombro encoste na porta com frequência. Há espaço para as pernas e para a cabeça, só não espere conforto se for andar exatamente no meio do banco traseiro – assim como o Mobi, ele é quase inviável para levar três adultos. Já o porta-malas é de bons 290 litros, praticamente igual ao dos hatches maiores, como o Hyundai HB20 (300 litros).
Ponto negativo do Renault é a posição de dirigir. Para manter o preço baixo, ficou sem ajuste para o volante, então temos que nos virar com o banco (também sem regulagem de altura) para achar a posição mais confortável. Ao menos o Kwid tem um volante exclusivo, de pequeno diâmetro, para não bater na perna do motorista. O Mobi usa o mesmo volante do Uno, mas tem ajuste de altura tanto da coluna de direção quanto do banco.
Para mim, os carros da Renault sempre pecam na ergonomia, com comandos e porta-objetos mal desenhados ou em posições de acesso ruim. O Kwid é bem melhor neste ponto. Tem um ótimo porta-objetos à frente do câmbio e a central multimídia elevada, mais bem posicionada que no Sandero. No entanto, algumas soluções causam estranheza, como o comando dos vidros elétricos no painel (o carro é muito estreito para tê-los nas portas) e o puxador da porta mais baixo do que o normal. O Mobi é bem mais convencional neste ponto, com tudo ao alcance das mãos.
Acabamento e equipamentos
Simplicidade define o Kwid, até mais que o Mobi. Toda a cabine é composta por plástico rígido na cor cinza, no mesmo padrão de outros carros da marca, como o Sandero. Ao menos, os apliques em acrílico branco nas portas e no volante melhoram o aspecto em relação às versões de entrada. É bem montado e não há rebarbas ou vãos. Não causa sensação de baixa qualidade, embora fique óbvio que estamos num carro feito para ser barato.
Quem prefere acabamento melhor terá que ir para o pequeno da Fiat. Os plásticos apresentam textura mais suave ao toque e que varia de acordo com a região do painel ou das portas. Tem até algumas partes com acabamento em preto brilhante, sem falar na montagem caprichada - era o melhor Fiat de Betim neste aspecto, até a chegada do Argo.
Cada um tem seu destaque na lista de equipamentos. Nas versões avaliadas, ambos trazem de série os itens mais desejados, como ar-condicionado, vidros dianteiros elétricos, computador de bordo e direção elétrica. O Kwid Intense tem como vantagem o pacote Connect, com retrovisores elétricos, chave com telecomando e a central multimídia MediaNav 2.0, formada por uma tela sensível ao toque de 7" e funções como câmera de ré e GPS. Só faltam os comandos no volante.
Já o Mobi apoia-se no Live On, sistema que usa o celular do motorista no lugar de uma tela fixa. Tem seus méritos, pois o aplicativo é rápido, gratuito e pode ser atualizado constantemente. Sem falar que aceita comandos pelos botões no volante. Mas é uma solução meio Mandrake, já que elimina o trabalho e custo de colocar uma central multimídia de verdade e exige o uso de um celular até para ouvir rádio.
Em termos de segurança, o Kwid sai na frente ao vir de série com 4 airbags (frontais e laterais), contra apenas os frontais obrigatórios no Fiat (não adiciona mais bolsas nem como opcional). Também apresentou melhor resultado nos testes de impacto do Latin NCAP, conseguindo três estrelas em nível de proteção (de cinco possíveis), contra apenas uma do rival.
Ao volante
Ao dar partida no motor, o Mobi se sobressai em conforto. O ruído é melhor e o carro vibra bem menos, apesar de deixar claro que é um motor de três cilindros. O Kwid é bem mais barulhento, a ponto de um vizinho brincar que eu estava com um caminhão – apesar do exagero dele, não dá para negar que o som do motor do Renault é bem mais presente pelo isolamento acústico mais simples.
No dia a dia essa diferença permanece. O Kwid continua a tremer, seja com o carro parado no semáforo ou com ele em movimento na estrada. Basta colocar o pé nos pedais para sentir a trepidação. Até o volante treme quando o motor chega a rotações mais altas. É mais confortável ficar dentro do Mobi por ele impedir que essas vibrações cheguem à cabine com tanta intensidade. Também é mais fácil de manobrar, equipado com direção elétrica e que pode ficar ainda mais leve com o modo City acionado.
Por outro lado, o Kwid melhora em movimento. Por querer ser um SUV, é mais distante do solo e tem uma suspensão com ajuste adequado para superar obstáculos com mais facilidade (até fizemos um pequeno off-road com ele). O Renault é mais durinho que o Fiat, mas ambos repassam os impactos da via mais que o desejado para a cabine. Nesta versão o Kwid tem direção elétrica, ao invés de eletro-hidráulica como nos demais carros da Renault, com o volante bem leve na cidade e em manobras.
A Renault finalmente está usando uma transmissão manual mais agradável. Tem comando por cabo ao invés do sistema a varão, o que melhora muito a sensação na troca de marchas. A caixa exclusiva do Kwid tem engates um pouco duros, mas nada que incomode. É melhor que o Mobi, já que a Fiat insiste na velha transmissão molenga que está em todos os carros de sua linha. Falta precisão e tem curso muito longo.
Pelo tamanho e construção, os dois subcompactos inclinam bastante nas curvas. Dá para sentir bem acima dos 80 km/h e pode assustar quem guiar um carro desses pela primeira vez. Ambos acabam tendo fatores que acentuam o balanço da carroceria, como a falta de barra estabilizadora - tem que economizar para ficar barato, não é? Apesar da sensação, os dois são estáveis e mostram reações previsíveis no limite. No Kwid, os pneus poderiam ser mais largos (165/70 contra 175/65 do Mobi), ao menos igualando o oponente.
Os dois hatches são bem animados para um 1.0 aspirado, devido ao baixo peso. O Kwid sai na frente. Seu motor é mais simples, uma versão baixo-custo do 1.0 SCe usado no Sandero (perde o variados de fase). Só que o carrinho pesa somente 779 kg. No nosso teste instrumentado, acelerou de 0 a 100 km/h em 13,9 segundos. É bom para chegar a essa velocidade, mas perde o ímpeto em velocidades mais altas, como mostrou na retomada de 80 a 120 km/h, precisando de 15,5 s. É a consequência de focar no regime em baixa rotação ao simplificar o motor, limitando a potência em 70 cv (contra 77 cv do Fiat).
Em comparação, o Mobi precisou de 14,5 s para chegar a 100 km/h. E fez valer sua maior potência na retomada 80 a 120 km/h, marcando 14,1 s. É um bom resultado, considerando que o compacto da Fiat pesa 945 kg, 166 kg a mais do que o Kwid. Com apenas duas válvulas por cilindro, o motor Firefly agrada pelo torque, que é bem maior que o do rival (10,9 contra 9,8 kgfm) e ainda é entregue mais "cedo" (3.250 rpm contra 4.250 rpm do Renault).
Apesar dos problemas nos freios que levaram ao recall de todas as unidades, e dos pneus mais finos, o Kwid freou melhor do que o Mobi. Precisou de 40,8 m para frear a 100 km/h, contra os 41,5 m do Mobi. Abaixo dos 80 km/h, a diferença entre os dois foi sempre de 0,2 m para o Kwid. Vale dizer, no entanto, que o Renault deixa a desejar no tato do pedal, um tanto borrachudo, que exige pé firme para parar. O do Fiat responde mais prontamente.
Ambos têm como proposta serem bem econômicos. E estão bem próximos neste quesito. Nossas medições, com etanol, apontaram 14,3 km/l na estrada tanto para o Kwid quanto para o Mobi. Na cidade, o compacto da Renault foi levemente melhor, com 10,2 km/l, contra 10,1 km/l. Poderia ser um ponto a favor do Kwid, não fosse pelo fato de ter um tanque de apenas 38 litros, enquanto o do Mobi é de 47 litros. Ou seja, quem escolher o franco-indiano irá parar mais vezes para abastecer.
Compra e manutenção
Tanto o Kwid quanto o Mobi vêm com três anos de garantia. O Renault parece que sai na frente com preços fixo para as três primeiras revisões, de R$ 388, cada uma feita no intervalo de 10 mil km. À primeira olhada, parece melhor negócio, pois a Fiat cobra R$ 236, R$ 444 e R$ 404, na ordem. Só que, no total, serão gastos R$ 1.084 ao final do tempo de garantia do Mobi, contra os R$ 1.164 do Kwid.
O que pesa no Mobi Drive é que precisamos gastar bem mais para tê-lo com a mesma quantidade de equipamentos que o Kwid Intense. Sensor de estacionamento traseiro só aparece no pacote Tech, por R$ 3.922, e adiciona retrovisores elétricos, rodas de liga leve de 14”, chave canivete com telecomando, faróis de neblina, banco do motorista com ajuste de altura e alarme. Nada de rádio, pois é um outro opcional. São mais R$ 1.540 para colocar o rádio Connect, com função Bluetooth e porta USB, além da tela TFT para o computador de bordo. Ou mais R$ 1.696 para equipá-lo com o sistema Live One e a tela TFT.
O Kwid Intense custa R$ 40.490, e só. A Renault vende o compacto já com o pacote opcional Connect (pode esperar que ele seja cobrado no futuro). O Mobi Drive parte de R$ 41.790, mas pula para R$ 47.408 ao adicionar os kits Tech e Live. Isso dá uma diferença de R$ 6.918 no fim das contas.
Conclusão
Cada um poderia ter o seu público. O Kwid tem uma pegada mais interessante para quem quer um veículo altinho e mora num lugar mais acidentado. O Mobi é mais confortável, mas seus pontos negativos pesam mais. É mais apertado, seu porta-malas beira à inutilidade e, o principal, é mais caro. A diferença é pequena no valor base, mas chega a quase R$ 7 mil ao equipará-lo em equipamentos ao Renault. Melhor para o Kwid, que define a disputa a seu favor.
Fichas técnicas
Renault Kwid 1.0 Intense | Fiat Mobi 1.0 Drive | |
MOTOR | dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12 válvulas, 999 cm3, comando duplo sem variador, flex | dianteiro, transversal, três cilindros, 6 válvulas, 999 cm³, comando variável de válvulas, com ciclo Atkinson/Miller em cargas parciais, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 66/70 cv a 5.500 rpm / 9,4/9,8 kgfm a 4.250 rpm | 72/77 cv a 6.250 rpm / 10,4/10,9 kgfm a 3.250 rpm |
TRANSMISSÃO | manual de cinco marchas; tração dianteira | manual de cinco marchas, tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira |
RODAS E PNEUS | aço com calotas, aro 14", pneus 165/70 R14 | aço com calotas, aro 14", pneus 175/65 R14 |
FREIOS | discos sólidos na dianteira e tambores na traseira, com ABS e EBD | discos sólidos na dianteira e tambores na traseira, com ABS e ESP |
PESO | 779 kg em ordem de marcha | 945 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 3.680 mm, largura 1.579 mm, altura 1.474 mm, entre-eixos 2.423 mm | comprimento de 3.566 mm, largura de 1.633 mm, altura de 1.502 mm e entre-eixos 2.305 mm |
CAPACIDADES | tanque 38 litros; porta-malas 290 litros | tanque 47 litros; porta-malas 215 litros |
PREÇO | R$ 40.490 | R$ 41.790 (versão testada R$ 47.408) |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR (etanol) | |||
---|---|---|---|
Kwid | Mobi | ||
Aceleração | |||
0 a 60 km/h | 5,5 s | 5,9 s | |
0 a 80 km/h | 9,2 s | 9,6 s | |
0 a 100 km/h | 13,9 s | 14,5 s | |
Retomada | |||
40 a 100 km/h em 3a | 12,9 s | 13,2 s | |
80 a 120 km/h em 4a | 15,5 s | 14,1 s | |
Frenagem | |||
100 km/h a 0 | 40,8 m | 41,5 m | |
80 km/h a 0 | 25,2 m | 25,4 m | |
60 km/h a 0 | 14,1 m | 14,3 m | |
Consumo | |||
Ciclo cidade | 10,2 km/l | 10,1 km/l | |
Ciclo estrada | 14,3 km/l | 14,3 km/l |
Fotos: Paulo Henrique Trindade e Divulgação