Primeiras impressões Citroën C3 You: sobra potência, falta esportividade
São 130 cv no hatch, mas a suspensão extramacia corta o barato
Um hatch compacto e levinho com motor turbo de 130 cv é promessa de muita diversão. Algo para os órfãos do Ka XR e do Up “tampa preta” TSI. Mas segurem a onda, entusiastas… A proposta do Citroën C3 You não é ser um pocket rocket, mas algo bem distinto. A ideia foi, simplesmente, criar o carro turbo e automático mais barato do país, com uma suspensão extramacia ao estilo “tapete voador”. Talvez por isso, a Stellantis tenha optado por fazer o lançamento da nova versão em pistas cheias de quebra-molas e numa empoeirada estradinha de terra em Minas Gerais.
Antes de assumir o volante, porém, vale falar um pouco sobre os novos tempos da Citroën no Brasil. Desde que foi formado, em 2021, o grupo Stellantis vem tentando estabelecer espaços bem definidos para cada uma de suas 14 marcas. Para a Citroën (que já teve “créative technologie” como slogan) coube o papel de ser uma divisão com foco em carros de entrada e comerciais leves, tanto aqui quanto no resto do mundo.
Daí que, no lançamento do C3 You, modelos ultrapopulares de um passado remoto, como o 2CV, foram citados várias vezes pela turma do marketing. Isso dá um nó na cabeça de quem se acostumou a ver a Citroën como “marca premium”, imagem difundida no Brasil na época da reabertura das importações, quando a fabricante francesa era representada aqui pelo empresário Sergio Habib.
Turbo e CVT por menos de R$ 100 mil
O C3 You tem como missão ser o turbo/automático mais em conta do Brasil (R$ 95.990, como anunciado no evento, ou R$ 99.990 no “monte o seu” do site da Citroën). Como referências, o VW Polo TSI Sense automático sai por R$ 102.990, o Chevrolet Onix 1.0 Turbo AT por R$ 104.250, e o Hyundai HB20 Comfort Plus por R$ 109.490 - dentro de casa, há o Peugeot 208 Allure, com o mesmo motor do C3, por R$ 99.990.
O outro grande apelo desse Citroën é ter o motor mais potente da categoria: 125 cv/130 cv, contra os 109 cv/116 cv do Polo, os 116 cv do Onix, e os 120 cv do HB20. Para isso, a Stellantis usou componentes que já tinha na prateleira: o motor GSE T200, de projeto Fiat, combinado ao câmbio CVT Aisin de sete marchas simuladas - o mesmíssimo conjunto que já equipa o SUV C3 Aircross, além dos Peugeot 208 e 2008 e dos Fiat Pulse, Fastback e Strada.
O You (o nome, “você” em inglês, também sugere youth, “juventude”) é hoje o único C3 com câmbio automático. Com seu 1.0 turbo, de três cilindros, a novidade ocupa a vaga das extintas versões C3 Live Pack 1.6 e Feel Peck 1.6, que usavam o motor EC5 de 1.587 cm³ aspirado da PSA, acoplado a uma caixa automática convencional Aisin, de seis marchas. Com 113 cv/120 cv, o EC5 1.6 era uma tentativa de atualizar um projeto bem antigo: o motor TU5 que equipou originalmente o Peugeot 306, em 1994, e os Citroën Xsara.
Já os C3 1.0 aspirados nas versões Live (R$ 76.890) e Feel (R$ 87.590) rendem 75 cv e 10,7 kgfm, com álcool - contra os 130 cv e 20,4 kgfm do C3 You. São 73% a mais de potência e 90,6% a mais de torque. Tem mais: enquanto nas versões 1.0 aspiradas o torque máximo é alcançado a 3.250 rpm, no C3 turbo toda a força já está disponível a 1.750 rpm. É um mundo de diferença.
Para completar as comparações, com seus 1.115 quilos de peso, o C3 You é uns 100 kg mais leve que o C3 Aircross equipado com o mesmo conjunto mecânico, e tem relação peso/potência de 8,6 kg/cv. Nisso, é melhor até que o saudoso Up TSI (9,2 kg/cv) e o lendário Ka XR original (9,8 kg/cv).
Contudo, para tristeza de quem curte compactos apimentados, o C3 You não foi trabalhado para se comportar como um esportivo. A preocupação aqui foi dar à versão turbo o mesmo comportamento dinâmico das versões aspiradas, mas levando em conta o vigor extra do motor.
Os freios ganharam novas pinças, mas o diâmetro dos discos não mudou. Tanto a relação da direção quanto a dosagem de sua assistência elétrica foram mantidas - porém, o ESP está mais sensível e “participativo”. Na suspensão, entraram molas ligeiramente mais duras e amortecedores com um pouquinho mais de carga, só para evitar que a frente levante muito nas acelerações fortes. É isso… Sequer a largura dos pneus (195/65 R15) foi aumentada. O vão livre também é o mesmo dos irmãos aspirados: são 18 cm, altura digna de um SUV.
Uma curiosidade é que, hoje, todas as plataformas para os compactos da Stellantis no mundo são desenvolvidas pela equipe de engenharia do Brasil. É o caso das CMP, usadas no C3 e nos Peugeot 208. Cada marca, contudo, tem um tipo de acerto: os Citroën são supersuaves, os Fiat privilegiam o handling e os Peugeot ficam em um meio termo entre conforto e esportividade. Ao fim de cada calibração, um representante da matriz vem da Europa conferir se o DNA da marca foi mantido. E, hoje, a referência dos Citroën vem dos 2CV, que podiam transpor um terreno arado levando uma caixa de ovos, sem quebrar nenhuma casca.
Alegorias e adereços
Por fora, o que se vê são os detalhes em azul-piscina (perdão… emerald blue) nas molduras dos faróis de neblina, nas faixas laterais e nas colunas C, bem como no escudo “You!” abaixo dos retrovisores externos. O teto é sempre pintado de preto. As rodas de liga leve são as mesmas usadas na versão Feel, porém escurecidas.
Por dentro, as mudanças são ainda mais discretas: o You é basicamente igual à versão Feel, mas com bancos revestidos em courvin cinza-claro e cinza-escuro. O volante também é forrado. De resto, é a simplicidade de sempre, com a nítida meta de manter o preço abaixo dos R$ 100 mil.
Mesmo com ajuste de altura do assento do motorista no ponto mínimo, a posição de dirigir é “lá em cima”, destruindo de vez qualquer sensação de esportividade. Não há regulagem de distância do volante, só de altura. Os cintos dianteiros são fixos nas colunas. Falando em segurança (ou falta de), os únicos airbags presentes no modelo nacional são os dois frontais obrigatórios. Na Índia, o compacto da Citroën já é equipado com seis airbags.
Estamos cercados por plástico duro, seja nas laterais de portas, no tablier ou no console. Não há qualquer parte emborrachada ou acolchoada para disfarçar. Até os para-sóis são bem rígidos, com uns espelhinhos mínimos. Volte-os à posição original, e eles farão “Blam!” ao baterem no forro do teto. E, seguindo uma infeliz tendência de nossa indústria automobilística, não há qualquer alça PQP.
O pior ponto é o quadro de instrumentos digital bem pobre, que a gente já conhece das outras versões do C3. E, assim, temos um carro turbo sem conta-giros. Será que seria tão mais caro usar o cluster do C3 Aircross para deixar o You mais atraente? Na telinha digital em preto e branco (cercada por luzes de alerta) temos um computador de bordo de poucas informações. Para usá-lo, passe a mão por dentro do volante e aperte um pininho. Os indianos também já resolveram essa questão, lançando um painel melhorzinho no modelo 2025.
A falta de equipamentos é contrabalançada pelo espaço interno, excelente para um compacto de 3,98 m de comprimento. Sobra espaço para os joelhos de quem vai no banco de trás. A tela multimídia de 10” ajuda a disfarçar a pobreza ambiente e inclui câmera de ré. Como na versão Feel, há teclas para abrir os vidros traseiros - mas estas ficam numa posição incômoda, no console, entre os encostos dianteiros. Tudo para economizar no chicote. Mas foi aí que lembramos de um Polo Track série Rock in Rio (R$ 92.990) que tínhamos acabado de dirigir: 1.0 aspirado, manual, sem câmera de ré e com manivelas para abrir os vidros traseiros.
Em ação
O roteiro do test drive de apresentação foi pensado para mostrar o quanto a suspensão é macia. Na ida, saindo de Lagoa Santa (na Região Metropolitana de Belo Horizonte) rumo à Serra do Cipó, foram 120 quilômetros, iniciados com uma longa sequência de lombadas altas, devidamente amortecidas pela suave suspensão. Mesmo nas distrações, o C3 não raspou o fundo ou ouviram-se pancadas de fim de curso.
Gostamos do volante de pequeno diâmetro mas não dos bancos, que são muito estreitos. A direção é bem levinha, e os freios exigem mais curso de pedal e força na perna do que imaginávamos - um contraste com os freios superassistidos do C3 de primeira geração.
A melhor parte do percurso foi um trecho de estradinhas de terra batida em que o C3 mostrou estar em seu ambiente. Aí, mantendo velocidades entre 40 e 55 km/h, a gente nota o quanto a suspensão trabalha sobre o terreno irregular, enquanto a massa suspensa (carroceria) fica estabilizada, criando o tal efeito de tapete mágico apregoado pela Citroën.
Nas subidas com pedrisco e areia, o controle de tração se mostrou muito bem calibrado. O esguicho, os limpadores e a vedação da carroceria também provaram sua eficiência. Já não chovia na Serra do Cipó havia mais de 130 dias e a fila de C3 levantava nuvens de poeira fina, muitas vezes ocultando carro que ia na frente. Aí era preciso pegar leve e manter distância, já que o ABS alonga as distâncias de frenagem sobre costelas-de-vaca.
Pegamos mais valetas e até cruzamos um riacho, novamente sem raspar o fundo nem o para-choque dianteiro, ou “dar batente”. É divertido e poderíamos rodar por dias e dias em estradinhas assim, sem cansar. O atual C3, seja aspirado ou turbo, parece um sucessor para o Uno Mille. Quem sabe isso não acaba com a imagem de fragilidade que a marca tem no Brasil? (O que é curioso, já que uns 70% dos táxis no Uruguai e na Argentina são Peugeot e Citroën.)
Asfalto livre, enfim
No retorno a Lagoa Santa, asfalto liso e livre. Finalmente poderíamos sentir todo o poder do motor de 130 cv e 20,4 kgfm, usando o modo manual do câmbio CVT. O ruído interno é alto, dada a escassez de material fonoabsorvente - e o som que invade a cabine está longe de ser estimulante como o ronquinho nervoso que se ouvia no Ka XR. Juntam-se à sonoplastia do C3 You o ruído de rolagem dos pneus e algum assovio aerodinâmico.
A uns 90 km/h, o turbo começa a soprar com vontade e o motor estica rapidamente. É uma estilingada, mesmo na subida. Vamos nos animando, despertados por tanta disposição. Só que aí vem a curva... Lembramos que estamos em um carro curtinho, muito alto e montado em uma suspensão de gelatina Royal. Segundo a ficha técnica, o C3 You faz o 0 a 100 km/h em 8,4 s, com máxima de 194 km/h. O fôlego extra desse carro, no entanto, não é para tocadas emocionantes, mas sim para proporcionar boas retomadas e garantir ultrapassagens sem sufoco em estradas de mão dupla como a MG-010.
Ainda de acordo com a ficha, o consumo é de 11 km/l na cidade e 12,8 km/l nas estrada, com gasolina. Essa marca rodoviária nos pareceu um tanto pessimista: sem muito esforço para economizar, fizemos 14,1 km/h ao longo de 65 km de asfalto, na volta, informados pelo modestíssimo computador de bordo.
Ao fim e ao cabo, chegamos a uma conclusão: o maior rival do C3 You está em casa. Pelos mesmos R$ 99.990 pedidos no site da Citroën, pode-se levar um Peugeot 208 Allure 2024/2024 zero-quilômetro, na liquidação pré-facelift. Tem o mesmo motor e o mesmo câmbio, mas oferece muito mais charme, segurança, equipamentos e diversão. Vamos ver para quanto vai o preço do “leão" quando a linha 2025 chegar às lojas.
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