Você já imaginou que poderá comprar um carro hoje e daqui a dois anos fazer o download de novas funções? Um super piloto automático realmente autônomo, um novo aplicativo para assistir filmes ou um aumento de performance? A Ford já entendeu que tudo vai mudar e está se reinventando por completo. Fomos até Detroit ver de perto tudo que a marca do oval já está fazendo para oferecer os carros do futuro.
Para contextualizar o que vamos falar, imagine o seu smartphone. Quando você o compra a primeira coisa que faz é configurar, personalizar e baixar os aplicativos que já está acostumado. Também pode recuperar todas as suas informações da nuvem, como se fosse mágica. Ao longo do tempo, vai descobrindo novos aplicativos e baixando. Cada vez mais completo, cada vez mais pessoal.
E o que fazemos com os carros? Até agora o máximo era personalizar o visual, acabamento, rodas e um pouco da mecânica. Ou seja, só mexíamos no hardware. Daqui para frente o negócio será diferente. Você poderá continuar a mexer na suspensão e personalizar a pintura, mas também terá a possibilidade de personalizar o software, ou seja, adicionar novos "aplicativos", novos recursos e até performance. Isso se dará por meio da tecnologia.
O desenvolvimento dos carros do futuro partirá das funcionalidades de software, as quais serão embaladas em produto, que no caso é o carro. Pode parecer simples, mas é uma mudança drástica. As montadoras sabem fazer o carro. Agora precisam dominar também o desenvolvimento de software. Precisam dominar a integração de tecnologias.
Uma das estratégias para acelerar essa transição foi dada por Bill Ford em 2018, quando anunciou o plano para a construção de um centro de inovação voltado à mobilidade do futuro com a restauração da Estação Central de Michigan. O objetivo foi criar uma plataforma aberta para inovadores, startups, empreendedores e parceiros de todo o mundo para desenvolver, testar e lançar novas soluções de mobilidade em situações do mundo real.
Newlab - Book Depository Michigan Center
A primeira etapa deste plano foi concluída em abril deste ano com a abertura do edifício restaurado do Book Depository, que como o nome sugere, era um local onde a prefeitura guardava livros. Agora o prédio se tornou sede da Newlab, empresa de inovação que une empreendedores e engenheiros com a indústria e o governo para enfrentar os desafios da energia, mobilidade e materiais.
Estivemos no local para conhecer as instalações e ver de perto a integração entre as diversas startups instaladas. Carolina Pluszczynski, Chefe de Operações da Michigan Central, destacou que "a Newlab tem como foco reunir startups para avançar nas soluções de tecnologia, mobilidade e das suas intersecções com a sociedade. Essa é uma parte do ecossistema."
Carolina também explicou que foi criadas parcerias com o estado de Michigan e a cidade de Detroit, onde trabalham com a cidade sobre as implicações políticas do que é feito ali com as futuras soluções de mobilidade. Um dos resultados é a chamada zona de inovação em transporte, na qual é possível fazer testes em ambiente real. "Eles vão nos ajudar a acelerar as aprovações, o que é muito importante para as empresas que querem fazer testes aqui, uma oportunidade única".
Em nossa visita vimos projetos de empresas de cadeia de suprimentos, logística autônoma e mobilidade aérea. "Nos preparamos para utilizar drones com diferentes capacidades de carga. Drones são bons para entregas e serviços e, nesse processo, podem se tornar também uma forma de transporte. As rotas mais fáceis e seguras para a navegação de drones são as próprias estradas, pois não há barreiras, nem fios e já há barulho. Isso faz parte do caminho de aprendizado que estamos trilhando", explicou Carolina.
Em sua apresentação, a chefe de operações também destacou que a eletrificação e sustentabilidade são temas importantes na Newlab. "Como podemos garantir que a energia seja acessível e que as pessoas possam pagar pela eletricidade nas suas casas, e que tenhamos energia suficiente para sustentar todas as necessidades dos futuros veículos elétricos? Então, temos parceiros, temos uma comunidade, temos o estado e a cidade, investidores que estão todos se unindo para tentar resolver esses problemas", finalizou.
A restauração do primeiro prédio, construído em 1936 e abandonado desde de 1988, o transformou em uma área moderna e ampla. No local há veículos elétricos, o que inclui vans e motos, além de drones de vários e também uma moderna oficina muito bem equipada com ferramentas e até robôs.
O investimento da Ford foi de cerca de US$ 50 milhões, sendo a Newlab uma subsidiária totalmente controlada pela Ford Motor Company. A Ford se beneficia do projeto com a integração com outras empresas, inclusive outras montadoras, além das startups para encontrar soluções em conjunto. Assim consegue realmente acelerar a inovação.
A nossa próxima parada foi o Rolling Road Wind Tunnel (RRWT) - o novo túnel de vento com esteiras rolantes. A explicação para a construção de um moderno equipamento como este é, mais uma vez, a transição contínua para a mobilidade elétrica. A aerodinâmica desempenha um papel cada vez mais importante no desenvolvimento de um veículo e, como regra geral, um coeficiente de arrasto mais baixo significa um veículo mais eficiente, o que por sua vez significa mais autonomia com uma única carga da bateria. Mas a aerodinâmica também é importante para veículos de alto desempenho, seja ele elétrico ou a combustão.
John Toth, Supervisor de Engenharia da Ford Norte America, disse: "o que estamos tentando fazer aqui é minimizar o coeficiente de arrasto, o que minimiza as nossas emissões de CO2, torna os nossos carros mais eficientes. Dá melhor autonomia aos nossos veículos elétricos, mais quilômetros por litro. Estamos sempre tentando maximizar esses números, para que possamos usar baterias menores nos nossos veículos elétricos e reduzir o custo ou gastar menos com gasolina. Outra coisa que fazemos aqui são veículos de alto desempenho e carros de corrida. Então, as equipes da NASCAR, os Mustangs de alto desempenho, como o Mustang GTD, um carro do World Rally, todos esses carros passam aqui".
Dois grandes diferenciais estratégicos fazem este túnel de vento ser o melhor do mundo. O primeiro é o fato que possuem as esteiras mais rápidas do mundo, podendo chegar a 322 km/h. De acordo com Toth, o túnel do concorrente que chega mais próximo consegue atingir 240 km/h. A outra vantagem é que o sistema possui 5 correias intercambiáveis, sendo quatro correias menores, uma para cada pneu, e uma correia central que passa por baixo.
Toth explicou que a maioria dos túneis de vento terrestres são estáticos, que segundo ele "é o método da velha escola, o solo não se move". Neste novo, a reprodução é praticamente de mundo real. " Então, no mundo real e no ambiente natural, quando você está dirigindo seu carro na estrada, você está empurrando seu carro no ar e a estrada fica estática, mas se movendo por baixo dela, e você sabe que o carro se move em relação à estrada, e você está empurrando seu carro pelo ar em um túnel de vento, estamos empurrando o ar pelo carro e movendo o solo por baixo. Essa é a razão pela qual temos estradas rolantes, para nos dar um local de teste mais representativo e realista".
Para concluir, explicou que essa diferença é o que chama de modelos do passado ou presente versus modelos do futuro. "Então, testamos o passado e o presente neste túnel de vento e depois com o programa futuro, e o que aprendemos, é que estamos tendo vantagens claras. Então, isso é bastante significativo".
No dia seguinte, já no Salão de Detroit, tivemos um encontro com Darren Palmer, Vice-Presidente do Programa de Veículos Elétricos da Ford. Com os elétricos Mach-E, E-Transit e a F-150 Lightning, o executivo disse que a Ford já entendeu que o futuro não é mais vender apenas vender carros.
Palmer destacou que os 3 primeiros elétricos da marca foram projetados para serem produtos de tecnologia. "Na verdade, acreditamos que o lado tecnológico é tão ou mais importante que o trem de força de um veículo elétrico".
O executivo citou o caso do Mustang Mach-E que já é o segundo carro elétrico mais vendido na América neste momento. "No início do ano, tivemos que aumentar a produção por três vezes. Então, desativamos a fábrica, aumentamos três vezes e voltamos a funcionar imediatamente, as vendas cresceram 61% e é o segundo veículo elétrico mais vendido na América, mas é um produto de tecnologia com um carro incorporado."
Em todo o momento, Palmer trata o Mach-E e a F-150 Lightning como "produtos de tecnologia". E não é nem por causa do sistema Sync com a tela de 15 polegadas, mas pelas atualizações "over-the-air" (termo que pode ser interpretado como via internet), como a adição do entretenimento com streaming ao vivo no YouTube, jogos, uma nova interface e até a introdução do sistema de condução autônoma Blue Cruise.
"Estamos muito orgulhosos, pode ser um recurso muito importante nos veículos. E agora estamos lançando no Mach-E, cada veículo já vem habilitado com o equipamento. Se você não puder pagar ou não quiser no momento da compra, poderá comprá-lo mais tarde e temos certeza que veremos uma grande aceitação", antecipou o executivo com base em conhecimento do seu público.
"Vimos que 25% de pessoas que o habilitam não tinham o sistema quando adquiriram o carro. Portanto, esse é um enorme futuro para a indústria automotiva e de software. É por isso que eu disse na minha introdução que não se trata apenas de veículos, mas de produtos de tecnologia", reafirmou o executivo.
O Blue Cruise é um super piloto automático adaptativo - um sistema de condução autônoma nível 2. Por meio de sensores, é capaz de conduzir o veículo em estradas sem a necessidade de ficar colocando a mão no volante. Sensores avaliam o tempo todo a sua atenção, pois seus olhos precisam estar atentos à estrada, caso contrário, alertas serão emitidos e o sistema desativado. "Nosso sistema é de uma empresa centenária, nosso sistema deve ser perfeitamente confiável ou é descartado. Não existe meio termo. Essa é a nossa estratégia como empresa".
É de se destacar o fato da Ford iniciar a sua estratégia de novos veículos elétricos com dois ícones: Mustang e F-150. Colocar a cara à tapa logo com essas duas referências mostram o quão confiante está na sua estratégia. Prova disso já se reflete na conquista de novos consumidores. "Hoje, mais de 60% das vendas da F-150 Lightning não são para clientes da Ford, são novos para a Ford. Cerca 85% são novos em carros elétricos e cerca de 50% são novos em picapes. Então, não sabíamos o que seria, mas isso realmente nos surpreendeu e trouxe gente nova", explicou Palmer.
Sobre os concorrentes e a chegada de inúmeros carros elétricos no mercado, o executivo se mostrou confiante. "Estamos investindo 50 bilhões de dólares em nosso desenvolvimento nos próximos 4 anos. Isso é realmente muito dinheiro, obviamente. E isso se aplica a um conjunto totalmente novo de produtos de tecnologia e veículos elétricos. Cada um deles é uma mudança de jogo trazendo algo que nunca existiu no mundo".
"Começaremos com nossa 3ª linha no próximo ano, sobre a qual não posso dizer mais nada, mas não é nada do que você espera. E são os produtos de tecnologia que trazem ao mercado coisas que nunca fizemos, e falamos sobre o T3, que é a próxima geração de picapes. Investimos 12,5 bilhões de dólares na maior fábrica que já vi no Tennessee, com três fábricas de baterias para produzir centenas de milhares de picapes elétricas quando isso for lançado. Esse produto também é tecnologia, além de picape", afirmou o vice-presidente.
Para finalizar o nosso roteiro em Detroit, visitamos o Ford Experience Center em Dearborn. Um prédio com ambiente futurista foi o primeiro do complexo da Ford a ser atualizado com a nova proposta da companhia. No local conversamos com o engenheiro brasileiro Klaus Mello, Gerente de Engenharia da linha F-150 e Mustang, sobre essa guinada para tecnologia.
Ford Experience Center
Klaus disse que as oportunidades para profissionais da área de tecnologia são gigantes, em todos os segmentos. Especialistas em programação (todas as linguagens), interface de usuários, experiência de usuários, análise de dados fazem parte do time liderado por ele.
Bem próximo dali uma construção enorme abrigará o novo Centro de Tecnologia da Ford, prédio no qual Klaus trabalhará. Nesse papo, Mello falou dos desafios que a indústria automobilística enfrentará em termos de software, como a complexidade que já envolve as integrações de inúmeros sensores, centrais eletrônicas de processamento, telas, gráficos além atualizações over-the-air de aplicativos e recursos que ainda nem foram pensados.
Nesta breve imersão, foi possível notar que a Ford já iniciou seu processo de transição para ser uma empresa global de tecnologia. Neste processo já possui um celeiro de inovação onde pretende atrair cada vez mais talentos para a capital do automóvel. Também está otimizando sua estrutura, com o novo túnel de vento, além do investimento de bilhões para produção de baterias e veículos em si. Como Palmer disse, a Ford trabalha em uma mudança de jogo para trazer algo que nunca existiu. Com o tempo, espera ganhar esse jogo apostando em tecnologia.
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