Há 110 anos, no decorrer da 1ª Guerra Mundial, o mundo descobria que um trivial meio de transporte urbano poderia servir como transporte militar. Foi de táxi que uma brigada de infantaria francesa conseguiu chegar ao campo de batalha a tempo de evitar que Paris fosse tomada pelos alemães.
Os carros eram, em sua grande maioria, Renault Type AG1 — um modelo que era fabricado desde 1905 para trabalhar na praça. Seu motorzinho de dois cilindros e 1.205 cm³ rendia modestos 9 cv. Mas a velocidade máxima de 45 km/h foi suficiente para contribuir numa vitória estratégica.
Um típico chauffeur parisiense da época, com seu Renault AG
A soberania da França estava ameaçada naquele fim de agosto de 1914. A guerra começara há apenas um mês e as tropas do Império Alemão avançavam rapidamente para tomar Paris. As perdas eram impressionantes. Em 22 de agosto, 27 mil soldados franceses haviam sido mortos em apenas um dia de combate, perto da fronteira belga. Naquele momento, deter os alemães parecia uma missão impossível.
Foi quando entrou em cena o general Joseph Gallieni, um dos mais ilustres militares da França. Aos 65 anos, ele foi chamado da aposentadoria para supervisionar a defesa de Paris. Assumiu o comando com energia e entusiasmo, reforçando as defesas e preparando a cidade para um possível cerco.
Paris, 5-0-1914 - centenas de táxis se reuniram em frente ao Palácio Nacional Les Invalides, aguardando a partida
Com 900 mil soldados e 2.928 canhões, divididos em duas alas, o inimigo ganhava terreno. Em 5 de setembro de 1914, os alemães já estavam em Seine-et-Marne, a meros 50 quilômetros da capital francesa. A França precisava reagir rapidamente.
O general Joseph Joffre, comandante-chefe do exército francês, necessitava de reforços. Trens, ônibus e caminhões já haviam sido convocados para levar mais tropas para a linha de frente.
E foi aí que os generais franceses Joseph Gallieni e Jean-Baptiste Clergerie tiveram a ideia de requisitar táxis para transportar soldados de Paris (e arredores) para o front, às margens do Rio Marne. Dos 10 mil carros de praça registrados na Cidade Luz em 1914, nada menos que 7 mil estavam indisponíveis, em grande parte porque seus motoristas já estavam no exército.
Os soldados embarcam nos táxis rumo à frente de batalha
Mesmo assim, 1.100 táxis foram recrutados para o esforço de guerra, quer seus chauffeurs quisessem ou não… Em todas as ruas da capital, a polícia parava os carros em pleno expediente, retirava os passageiros e mudava a rota para a École Militaire, a academia militar no Campo de Marte, de frente para a Torre Eiffel.
A movimentação começou na noite de 6 de setembro, quando foi reunido o primeiro grupo de táxis. Muitos eram da empresa G7, que existe até hoje. Seus carros eram Renault AG1 Landaulet — cada um podia acomodar cinco militares (com embornais e armas) e tinha velocidade de cruzeiro em torno dos 30 km/h. Em menores quantidades, havia ainda táxis de outras marcas francesas da época, como De Dion-Bouton, Brasier e Unic.
Além dos táxis, foram usados ônibus De Dion-Bouton para mover as tropas
Sob as ordens do comando francês, o primeiro comboio, com cerca de 600 carros, saiu do Campo de Marte, deixando Paris pela Route Nationale 2 (N 2). Seguindo em fila única, os táxis vermelho-escuros avançaram lentamente em direção aos combates — mas sua missão ainda era secreta. No dia seguinte, mais táxis partiram. Por não terem recebido maiores explicações, muitos motoristas estavam contrariados em participar daquelas corridas com destino incerto.
Já os soldados, na maioria, ficaram encantados ao descobrir que seriam levados de táxi para a frente de batalha. A maioria jamais havia viajado “com tanto luxo” em suas vidas… Na manhã de 8 de setembro, os carros já haviam transportado um total de 6 mil homens, de cinco batalhões de infantaria, até as linhas de frente em Nanteuil-le-Haudouin e Silly-le-Long (60 km a nordeste de Paris).
Cerca de 1.100 táxis parisienses foram requisitados no esforço de guerra
Analisando friamente, esses 6 mil soldados que viajaram nos táxis pouco significaram na Primeira Batalha do Marne, onde mais de 1 milhão de combatentes Aliados (franceses e ingleses) enfrentaram 900 mil soldados alemães. Mas o fato é que os Renault AG1 tiveram um importante papel psicológico.
Aproveitando-se de um erro estratégico alemão, a contraofensiva franco-britânica no Marne barrou o avanço inimigo e começou a mudar os rumos da Primeira Guerra Mundial. Os grandes deslocamentos militares alemães foram contidos e o conflito caiu nas trincheiras (onde o pesadelo da guerra continuaria por mais quatro anos).
O táxi do Marne placa 2862-G7 foi incorporado ao Musée de l_Armée, o museu do exército, em Paris
O episódio da defesa de Paris ficou conhecido como "O Milagre do Marne" — talvez, porque os próprios Aliados ficaram surpresos com seu sucesso contra o formidável exército alemão. E, ainda que não tenham sido decisivos na batalha, os táxis foram incorporados para sempre à narrativa do acontecimento, tornando-se um símbolo da rapidez de reação, unidade e determinação nacional. A imagem daqueles elegantes Renault civis avançando corajosamente em direção aos combates, desempenhando seu papel proteção da capital e na sobrevivência da república, encheu os franceses de orgulho.
Foi uma das primeiras aplicações do conceito de “unidade motorizada”. A maioria dos carros de praça foi liberada do combate no dia 8 de setembro. Outros ainda foram mantidos em serviços de apoio, como o transporte de feridos. E, por todo esse período, o taxímetro correu. Os motoristas receberam 27% do valor da tarifa normal. Ao todo, a operação custou ao Tesouro Público 70.102 francos da época (o que daria 254.792 euros em valores de hoje, fazendo a conversão e corrigindo a inflação para setembro de 2024).
Depois da guerra, o táxi do Marne placa 2862-G7 foi incorporado ao Musée de l_Armée, em Paris
“Saímos à noite e sem luz, para não sermos avistados pelos alemães. Só nos permitiam uma luz traseira, mas era uma lanterna a querosene, não era muito luminosa. Chegando em Gagny, a tropa subiu a bordo. Cada táxi tinha que transportar cinco soldados. Durou 11 dias: tropas em um sentido e feridos no outro. Isso incluía mulheres e crianças, que perambulavam pela estrada. Durante esses 11 dias, vi muita miséria, tanto entre civis quanto entre soldados. Às vezes, movíamos os mortos na estrada para podermos passar…”, relatou, décadas mais tarde, Kléber Berrier, o último sobrevivente dos “chauffeurs” da Batalha do Marne. Ele morreu em 1985, aos 96 anos.
Hoje, os “Taxis de la Marne” são tratados como heróis de guerra na França, com direito a menção nos livros escolares, estátua em praça pública e preservação em museus militares e de automóveis.
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