Quem visita a coleção da Fundação AutoMuseum Volkswagen (Stiftung AutoMuseum Volkswagen) dá de cara com um misterioso sedã quatro portas de linhas retas e angulosas, com quatro faróis redondos. A primeira impressão é que se trata de um Tatra 613, modelo de luxo com motor traseiro produzido na Tchecoslováquia entre 1974 e 1996. Mas, alto lá… A silhueta é um tanto diferente e as rodas são iguais às dos primeiros Porsche 911! O que será isso?
Uma plaquinha identifica o carro misterioso: trata-se do protótipo EA 128, criado na década de 1960 para ser um Volkswagen de grande porte. Desenvolvido em conjunto com a Porsche, o modelo jamais chegou à produção em série. Contaremos aqui um pouco de sua história.
Nos anos 60, a Alemanha impunha barreiras tarifárias para isolar seu mercado interno dos modelos importados. O Fusca ainda era produzido em massa como o principal modelo da VW, mas marcas como a Ford e a Opel dominavam os segmentos mais acima, respectivamente, com o Taunus 17M P3 e o Rekord P2.
O sedã Chevrolet Corvair de 1960
A reação da Volks foi estrear no mercado dos médios com a família Typ 3, em 1961. Eram chamados simplesmente de VW 1500, mais tarde VW 1600, e saíam em três configurações. Inicialmente, foi lançado um sedanzinho (hoje mais conhecido pela denominação que recebeu nos Estados Unidos: “Notchback”). Veio também a Variant e, por fim, o fastback TL sigla de Touren-Limousine. Esses modelos, contudo, saíam apenas com carrocerias de duas portas (não confundir com seus homônimos fabricados no Brasil anos mais tarde…).
O alemão abastado o suficiente para ter um carro maior comprava um Mercedes “Heckflosse” da geração W110 ou um recém-lançado BMW 1500 “Neue Klasse”.
Ao mesmo tempo, o prático Fusquinha bombava nos Estados Unidos com um sucesso sem precedentes para carros importados. Somente em 1960, foram vendidos 117 mil besouros por lá (essa escala seria crescente até 1968, quando 399.674 Fuscas foram comercializados naquele país).
Para tentar fazer frente ao Volkswagen, fabricantes norte-americanos passaram a projetar modelos compactos. Ou melhor: o que eles consideravam “compactos” diante do padrão automotivo ianque. Em 1960, a Ford lançou o Falcon, sem rabos de peixe, contido nos cromados e com “apenas” 4,59 m de comprimento. Tecnicamente, era um carro convencional, porém 15% menor.
Os protótipos VW EA 128 nas versões sedã e Variant (Foto Stiftung Auto Museum Volkswagen)
Já a General Motors foi mais explícita na briga com a VW e apresentou um carro com motor boxer traseiro refrigerado a ar: o Chevrolet Corvair, desenvolvido pela equipe chefiada por Ed Cole (pai do lendário motor V8 Chevrolet small-block).
Como o Fusca, o Corvair tinha suspensão independente nas quatro rodas, sendo a traseira por semieixos oscilantes. Seu estilo era limpo e tipicamente europeu, inicialmente em versões cupê e sedã. Somente no primeiro ano cheio (1960), foram vendidos 250 mil exemplares desse Chevrolet incomum.
Apesar de ser “uma resposta à Volkswagen”, o Corvair era bem maior que o Fusca em todos os sentidos. Seu motor de seis cilindros e 2,3 litros rendia 81 cv ou 96 cv, dependendo da versão. Apesar de se chamar Turbo-Air 6, esse motor era aspirado — mas, em 1962, ganhou uma versão com turbocompressor que levou a potência a 152 cv.
Além disso, os Corvair mais vendidos eram os sedãs de quatro portas, com 4,57 m de comprimento e 2,74 m de entre-eixos e (contra os 4,07 m e 2,40 do Fusca). Em 1961, o Corvair ganhou ainda a versão Lakewood, uma station wagon de quatro portas, tão ao gosto do mercado dos Estados Unidos.
Heinrich Nordhoff, o presidente da Volkswagenwerk AG, tinha que fazer alguma coisa. Assim nasceu o projeto “Volkswagen Entwicklungs Auftrag 128” (VW EA 128).
Volkswagen EA 128 (Foto Stiftung Auto Museum Volkswagen)
“Entwicklungsauftrag”, que pode ser traduzido como ordem de desenvolvimento, é o código usado nos projetos da marca alemã. No caso do EA 128, a VW fez a encomenda à coirmã Porsche (que, em 1962, estava desenhando o 901, esportivo que viria a ser eternamente conhecido como 911).
O projeto mecânico do EA 128 seguia os mesmos preceitos bíblicos da Porsche e da Volkswagen na época, com motor traseiro refrigerado a ar. O motor era um inédito boxer de seis cilindros refrigerado a ar de 2 litros — o mesmo que viria a ser usado no 911. No sedanzão, porém, a potência fora reduzida de 130 cv para 90 cv, em prol de mais torque em baixas rotações. Um câmbio manual de cinco marchas e a suspensão por barras de torção completavam o conjunto que permitia ao modelo alcançar a máxima de 160 km/h.
Com 4,70 m de comprimento e aproximadamente 1.200 quilos, o Volkswagen teria medidas semelhantes às do Mercedes-Benz W110. Seria ainda uns 13 cm mais longo e uns 150 kg mais pesado que o Corvair sedã. Foi feito ainda um protótipo de station wagon, que também está preservado em Wolfsburg.
Volkswagen EA 128 (Fotos de Jason Vogel)
Caso tivesse entrado em linha o EA 128 teria sido o primeiro VW de quatro portas. Seu estilo retilíneo e limpo era bem moderno para o começo dos anos 60. Da cintura para cima, o protótipo antecipou traços dos Mercedes-Benz “barra oito” (W114/W115), de Paul Bracq, lançados em 1968. Já a dianteira lisa e com quatro faróis prenunciou os futuros Variant e TL brasileiros (estes, aliás, eram descendentes de outro protótipo alemão, o EA 97).
Na traseira, as linhas do EA 128 também eram simples, com aberturas no capô para ventilação do motor e umas lanternas que lembram um pouco as da Kombi corujinha, só que deitadas. As setas iam montadas nos para-lamas. Já os faróis tipo sealed beam indicavam a intenção de exportar o modelo para os Estados Unidos. As rodas e calotas eram as mesmas dos últimos Porsche 356 e primeiros 911.
Volkswagen EA 128 (Fotos de Jason Vogel)
Para evitar sua identificação, o protótipo do sedã não traz qualquer logotipo VW na parte externa, mas apenas no volante (que é o mesmo do Porsche 911). Comandos de seta e do limpador de para-brisa, botões do painel e até maçanetas dos vidros também são iguais aos dos primeiros 911, bem como os inconfundíveis contagiros e velocímetro, mas com algumas diferenças nas escalas dos instrumentos.
As forrações eram caprichadas, com couro caramelo. Em nossa visita ao museu, no início deste ano, pudemos abrir as portas, sentar nos bancos inteiriços e sentir o amplo espaço da cabine com seis lugares e assoalho plano, sem aquele túnel central característico dos VW a ar. O hodômetro total do sedã marcava 1.467 quilômetros e seguramente está assim até hoje, já que o carro não roda por seus próprios meios há muitos anos. A suspensão dianteira meio arriada e um amassado no para-choque são indícios de que o protótipo não teve vida fácil.
No fim, a Volkswagen desistiu de produzir o modelo, provavelmente porque seria caro demais. Além disso, em 1965, o advogado Ralph Nader, ligado à defesa do consumidor, publicou o livro “Unsafe at any speed” ("Inseguro em qualquer velocidade"), que pregou no Corvair a má reputação de carro instável, fazendo com que as vendas do Chevrolet com motor traseiro despencassem nos EUA.
Também em 1965, o grupo VW ressuscitou a marca Audi, da Auto Union, lançando o sedã médio F103, com motor dianteiro refrigerado a água, tração dianteira e versões de duas ou quatro portas, além de uma Variant. Os protótipos EA 128 haviam perdido todo o seu sentido e uma nova era começava.
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