Incentivo a carro elétrico importado precisa mirar em produção nacional
Colunista entende que isenção de imposto de importação para modelos a bateria é desnecessária
No início do mês voltou à tona a discussão sobre a eficácia e a legitimidade da isenção de imposto de importação aplicada a carros elétricos, em vigor desde 2015. Isto porque na coletiva mensal de divulgação de resultados da indústria o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, na posição de representante oficial do setor, disse que o benefício atual, sem data para acabar e sem pedir nada em troca, é “uma regra solta” que prejudica a decisão de produzir veículos elétrico no Brasil.
Não foi esta a primeira vez que o dirigente defendeu a necessidade de reduzir gradativamente o incentivo e em troca obrigar os beneficiários a executar etapas de nacionalização no País. No Congresso Perspectivas 2023, realizado pela editora AutoData em outubro do ano passado, Lima Leite disse com todas as letras:
“Como todos os elétricos hoje são importados significa dar a eles um subsídio de 35% [a alíquota aplicada a automóveis só com motor a combustão], e isto desagrada nossa indústria”.
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É fato: conceder isenção total de imposto de importação apenas a carros elétricos, sem pedir nada em troca, só beneficia a indústria fora do País, que exporta para cá modelos caríssimos e muito rentáveis ao custo do frete.
Por certo a política atual agrada a elite de eletroentusiastas locais que podem pagar fortunas por um elétrico – e que por isso mesmo não precisam ser beneficiados com incentivos tributários.
Esta isenção também agrada alguns formuladores de planos ESG, de governança socioambiental, que ao colocar alguns elétricos nas frotas empresariais alegam contribuir com a sustentabilidade climática, com redução de emissões de CO2, no mais puro marketing ambiental sem qualquer efeito relevante para o meio ambiente.
Isto porque é irrelevante a participação de veículos leves 100% alimentados por baterias no mercado nacional: apenas 0,4% das vendas em 2022, apesar do recorde de 8,4 mil emplacamentos, em vistoso crescimento de 195% sobre 2021, que já havia registrado expansão de 257% ante 2020.
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Mais lucros que benefícios
Apesar do exponencial crescimento porcentual, o mercado de elétricos é mínimo diante de 2 milhões de veículos vendidos por ano, mas parece lucrativo, dado o interesse das montadoras em vender carros elétricos aqui, mesmo com todas as dificuldades que dizem enfrentar para importar.
Nos últimos três anos a oferta de modelos se multiplicou, quase todos os fabricantes têm elétricos na linha de produtos à venda no País, e a maioria das empresas tem unidades de produção local.
Dos quinze fabricantes de veículos leves associados à Anfavea, oito vendem diversos modelos 100% a bateria de dez marcas – e mais duas, Ford e Volkswagen, devem se juntar ao grupo ainda este ano. Também entraram neste nicho de mercado quatro importadores e outros têm os mesmos planos.
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Se este não fosse um mercado lucrativo não existiria tantos interessados em explorá-lo. Claro que não é proibido ter lucro, mas não às custas de dinheiro público para alcançar benefícios, no mínimo, muito questionáveis.
Até agora a isenção de imposto de importação a veículos elétricos, pelos baixos volumes, não contribuiu para reduzir emissões, não incentivou a criação de empregos na indústria nacional e nem trouxe a nacionalização desta tecnologia ao País – o que deveria ser o mais importante objetivo a alcançar quando se concedem incentivos tributários.
O certo é que nenhum fabricante vai investir em produção de elétricos no Brasil enquanto for mais barato importar o carro montado, ajudando a reduzir a ociosidade de linhas de produção em outros países às custas de incentivos brasileiros, que mesmo sendo muito menores do que os concedidos em países europeus ou nos Estados Unidos, não são desprezíveis, como pode comprovar a rápida expansão das vendas por aqui.
Em artigo publicado em junho do ano passado o consultor Paulo Cardamone, da Bright Consulting, estimou que, mantidas as regras atuais de imposto de importação zero para os carros puramente elétricos, a renúncia fiscal em doze anos atingirá US$ 3,6 bilhões, algo como seis vezes os R$ 3 bilhões em benefícios concedidos à indústria pelo Inovar-Auto e Rota 2030 no mesmo período.
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Nada em troca
Embora nem todas as empresas associadas concordem em perder a lucrativa boquinha, a posição da Anfavea é por definir um teto, uma cota, às importações de elétricos isentas de imposto, determinar um período de retomada gradual da tributação e atrelar benefícios a obrigações de nacionalização da tecnologia.
Lima Leite alerta que sem esta política, a ser desenhada com o governo, o País corre o risco de perder novos investimentos:
“Queremos produzir estes veículos e seus componentes aqui, mas para isto precisamos de tempo e uma regra para planejar nossos investimentos, que podem ir para outros países se nada for definido. O que não pode é esta regra solta. Defendemos uma alíquota de importação igual para todos os veículos com a retomada da tributação para elétricos com regras específicas”.
Este tipo de política industrial não é nova no Brasil, já foi usada com sucesso no Regime Automotivo, em 1995, e no Inovar-Auto, de 2012 a 2017, quando foram concedidas cotas de importação isentas de sobretaxações em troca da promessa de produção local e investimento em pesquisa e desenvolvimento no País.
Ou seja, em todas as ocasiões a tributação a veículos importados foi usada para atrair investimentos industriais no País. Mas desde 2015, por força de uma simples resolução da Camex, Câmara de Comercio Exterior, ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, sem exigir nada em troca, decidiu-se por zerar o imposto de elétricos e reduzir substancialmente o de híbridos.
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A Resolução 92 da Camex, que determina exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul, que é de 20%, foi revisada em setembro de 2020 e manteve em 35% a alíquota para importação de veículos a combustão, o imposto para elétricos seguiu zerado e no caso de híbridos ficou em 2% ou 4%, dependendo do tamanho e eficiência energética do modelo.
Há um ano foi apresentado pelo senador Irajá Silvestre Filho, PSD-TO, projeto de lei para substituir as regras em vigor determinadas pelo Poder Executivo. O PL 403/2022 isenta completamente de imposto de importação qualquer veículo elétrico ou híbrido até o fim 2025, também sem exigências de nacionalização. A proposta está parada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, sem previsão de prosperar até o momento.
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O senador justifica seu projeto como instrumento para aumentar a eletrificação veicular no País e assim fazer a indústria local seguir a tendência mundial no horizonte até 2025 – o que não aconteceu nos últimos sete anos, mesmo com a isenção tarifária em vigor neste período.
Mas parece há outro objetivo: na prática, se aprovada, a lei transfere do Executivo Federal para o Legislativo o poder de conceder este benefício a elétricos e híbridos, com prazo determinado até 2025, que pode muito bem ser estendido ao sabor de negociações políticas, como já aconteceu muitas vezes.
Ninguém duvida que é absolutamente necessário seguir tendências tecnológicas globais, mas o País precisa definir sua própria política para dominar essas tecnologias e decidir quais delas são, de fato, a melhor saída para a necessária transição energética de descarbonização das emissões.
É sempre bom lembrar que o Brasil tem outras alternativas mais rápidas e viáveis do que a eletrificação, como incentivar o maior uso de etanol e outros biocombustíveis neutros em emissões.
Por certo conceder incentivos fiscais sem exigir em troca nenhum benefício ao País não é o melhor caminho a seguir. Está passando da hora de rever esta falta de estratégia.
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