Em seus 96 anos bem vividos, a rainha Elizabeth II bateu vários recordes. Fez o mais longo reinado da história da Grã-Bretanha (70 anos). E nenhum outro monarca foi chefe de estado de tantos países ao mesmo tempo (15), ou chegou aos 96 anos de idade ainda na ativa.
Mas o recorde que nos importa é que Elizabeth II foi a mais gearhead das rainhas. Dirigiu e consertou caminhões nos tempos da Segunda Guerra, aprendeu a pilotar motocicletas e nunca dispensou uma oportunidade de estar ao volante. Apesar de ter um exército de motoristas à disposição, sempre fez questão de ir ela mesma dirigindo às corridas de cavalos, missas de domingo e outros eventos.
Mesmo depois que parou de guiar em vias públicas (em 2019, aos 93 anos de idade), ela manteve o hábito de conduzir seus Range Rover pelas estradas particulares das propriedades reais.
Em Londres, as principais jóias motorizadas da rainha eram - e certamente continuarão a ser - cuidadosamente guardadas no prédio Royal Mews (em português, os estábulos reais), nos fundos do Palácio de Buckingham.
Ali ficam as carruagens cerimoniais e, em meio ao nobilíssimo cheiro de esterco, alguns dos carros que transportavam Elizabeth II e outros membros da família real britânica em cerimônias ou compromissos de Estado. Por 14 libras esterlinas (R$ 85), qualquer turista pode conhecer parte do local. Aliás: enquanto durar o luto no Reino Unido pela morte da monarca, Royal Mews estará fechado - e seus automóveis e carruagens certamente serão vistos nas cerimônias de despedida da soberana.
Tivemos a chance de conhecer Royal Mews de perto em 2006, nos festejos do 80º aniversário de Elizabeth II. Na garagem, nobremente forrada com tacos e lambris, sempre havia ao menos um automóvel real em exposição e outros tantos passando a serviço, saindo e entrando da parte da garagem fechada ao público.
Com um pouco de bate-papo, os solícitos funcionários do lugar contaram detalhes sobre a interessante e longeva frota de carros do Estado. É uma coleção que encanta qualquer entusiasta. Só de Rolls-Royce Phantom havia cinco, todos com carrocerias Mulliner e Park Ward, sempre pretos e com um brasão na capota, relativo ao estandarte real. Esses carros usados nas atividades de Estado são sempre pintados de burgundy - um bordô bem escuro.
Quando o carro era usado pela rainha, o Espírito do Êxtase, estatueta de mulher alada do radiador dos Rolls-Royce "comuns", era retirada e dava lugar a um São Jorge de prata, que podia ser transferido de um carro para outro. Era a mascote oficial dos carros de Elizabeth II. Os carros oficiais usados pela soberana não tinham placas (imagine multar a rainha...), mas cada um era conhecido na garagem por um número, de One a Five — assim mesmo, com letra maiúscula.
O Number One, que já foi o principal da frota, é um Phantom VI presenteado à rainha pela associação inglesa dos fabricantes de automóveis em 1978, durante o jubileu de prata da coroação. Tem quatro faróis e um teto que parece desproporcionalmente alto aos plebeus.
O Two e o Three são idênticos entre si: ambos do modelo Phantom V construídos em 1960 e 1961 e também com tetos altos. O caçula dos Rolls-Royce é o Number Four, um Phantom VI feito em 1987.
Por fim há o Number Five, ano 1948, o decano da garagem, mas ainda em uso. É um Phantom IV, modelo raríssimo do qual a Rolls-Royce fabricou apenas 18 exemplares.
Encomendado pelo príncipe Philip quando ainda era noivo de Elizabeth (na época princesa), o Number Five foi o primeiro Rolls-Royce a ganhar uma vaga em Royal Mews. Antes de sua chegada, os carros oficiais da família real britânica eram da Daimler Company.
O Number Five veste carroceria HJ Mulliner e é o único da frota com motor de oito cilindros em linha, enquanto os outros são equipados com V8. Foi neste Phantom que, em 2018, Meghan Markle chegou para o casamento com o príncipe Harry, neto de Elizabeth II.
Que não se espere acessórios vistosos e modernos nesses carros. O que importa aqui é a qualidade de madeiras, couros e tecidos usados no interior, a solidez de construção, a suavidade ao rodar e o espaço para os passageiros.
O teto alto dos carros One, Two e Three tem explicação: são automóveis de desfile, bastante envidraçados para que os súditos vejam quem vai dentro. São quase como vitrines e contam até com lâmpadas fluorescentes no interior. Não raro, um dos Rolls-Royce era levado nas viagens da rainha, para aparições públicas.
O vigia da garagem chamou para ver um titã que chegava, deslizando em absoluto silêncio: era um dos dois Bentley especiais, feitos em 2002, para marcar o jubileu de ouro da coroação. O projeto e a construção tomaram dois anos e, mais uma vez, o "mimo" foi custeado pela associação dos fabricantes.
É uma enorme limusine, com 6,22m de um pára-choque a outro, desenhada exclusivamente para a rainha.
O Bentley foi construído de acordo com especificações dadas pela rainha Elizabeth II e por seu marido Philip, o duque de Edimburgo. Feito para ser usado em solenidades, o carro tem grandes áreas de vidro. As janelas têm uma laminação especial que evita o calor sem comprometer a transparência. A vigia traseira é fechada por uma placa opaca que pode ser retirada quando há desfile.
Pintado de vinho, o carro tem outra bossa real: as portas traseiras tomam uma fatia do teto. Assim, Sua Majestade podia ficar em pé antes de descer do carro. O motor V8 biturbo, de 6,75 litros e 400cv, é movido a gasolina e a gás. Assim, além de ser ecologicamente correto, dava autonomia extra ao Bentley. A máxima é de 193km/h — mas a velocidade nos desfiles vai de 5km/h a 15km/h. Um câmbio automático GM de quatro marchas dá conta do ritmo.
Aos poucos, esses Bentley - que são blindados - assumiram o posto de principal transporte da rainha para os compromissos de Estado.
A garagem permitia a entrada de modelos mais simples para o uso no dia a dia (e pintados, quase sempre, de verde escuro). A rainha dirigia um Ford Zephyr na década de 50, passando por um Vauxhall Cresta, nos anos 60, e chegando a uma station wagon Jaguar X-Type 2009. Houve ainda uns tantos Daimler. Dizem até que o primeiro Bentley Bentayga a sair da linha de produção, em 2015, foi para a garagem de Elizabeth II - mas nunca se viu uma foto da soberana ao volante, ou mesmo como passageira, do ultraluxuoso SUV.
A rainha era a única britânica autorizada a dirigir sem carteira de habilitação. E o que ela realmente adorava guiar eram os utilitários Range Rover e os rústicos Land Rover Defender, especialmente quando estava em suas residências de campo, como o Castelo Balmoral. Ao longo das décadas, Elizabeth II teve mais de 30 Land Rover.
Uma das melhores histórias se deu em 2003, quando a rainha - sem avisar - assumiu o volante de um Range Rover e levou o rei Abdullah, da Arábia Saudita, para um passeio "com emoção" por estradinhas sinuosas da Escócia.
Chegou uma hora em que a rainha acelerou tanto que Abdullah pediu arrego, implorando para que ela aliviasse o acelerador e conversasse menos. Detalhe: na época, mulheres eram proibidas de dirigir na Arábia Saudita...
Os 4x4 talvez trouxessem doces lembranças dos tempos em que Elizabeth, ainda uma princesa de 18 anos, dirigia um caminhãozinho Austin K2, no Serviço Territorial Auxiliar - divisão feminina do Exército Britânico na Segunda Guerra.
Agora é a vez de Charles, um fã dos Aston Martin conversíveis, assumir a direção.
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