Muita gente ri e desdenha de carros chineses que são clones de modelos ocidentais, mas o Brasil também já foi pródigo em cópias não-autorizadas.
Entre 1976 e 1990, importar automóveis (bem como quaisquer produtos "supérfluos ou com similar nacional") era proibido no país. Quem queria algo diferente por aqui tinha que se virar. Foi nesse cenário que empresas brasileiras especializadas em carrocerias transformaram fibra de vidro em ouro, dando a carros nacionais a aparência dos que eram lançados lá fora.
Diante da pouca variedade de modelos que circulavam por nossas ruas na década de 80, quem curtia automóveis adorava encontrar esses clones "exclusivos" no trânsito. Com alguma imaginação, podia-se até imaginar que era um importado de verdade!
Uma das empresas mais atuantes no ramo era a Envemo, que funcionava na Marginal Pinheiros, em São Paulo. Após ganhar fama com o Super 90, excelente réplica (autorizada) do clássico Porsche 356, a Envemo lançou, em 1984, kits com frente, saias laterais e para-choques que “transformavam” o Monza nacional em seu irmão americano Pontiac Sunbird. Os implantes de fibra de vidro podiam ser enxertados em qualquer Monza. Caso o freguês desejasse, o Pontiac fake podia até virar conversível.
Versátil, o Monza também podia ser transmutado em Mercedes-Benz 190E (1982-1993), sedã recém-lançado na época. Foi em meados dos anos 80 que começaram a aparecer os chamados “Monza-Benz”, trazendo grade, lanternas traseiras, rodas e estrelas de três pontas de inspiração alemã. Muitas vezes, as peças adaptadas ao Chevrolet eram originais da Mercedes, trazidas por baixo dos panos por algum tripulante da Varig.
Uma das empresas que faziam a transformação de Monza em 190E era a LHM, também autora do Phoenix, uma réplica do Mercedes SL W113 (1963–1971) fabricada em Parada de Lucas, Zona Norte do Rio de Janeiro. Usava mecânica do Opala.
E o que dizer da Beep, que bolou uma bizarra cópia do Chevrolet Corvette Stingray C3 (1968-1982) usando mecânica de... Fusca! Era o Netuno C, apresentado em 1983.
Já a paulista Sulam dava ao pacato Passat brasileiro a aparência do Audi Quattro que, nos anos 80, papava títulos de rali pelo mundo. A obra incluía alterações nas colunas traseiras, lanternas do Fiat Uno, remoção de quebra-ventos, forrações de couro e, claro, muita fibra de vidro. Na mecânica, entravam um motor 2.0 de 122cv, suspensões mais firmes e freios mais eficientes. Essa "réplica quase perfeita” não incluía tração integral nem os 420 cv do Audi Quattro alemão, mas enchia os olhos dos brasileiros que acompanhavam as provas do Grupo B.
Hoje, basta ter um caminhão de dinheiro para se comprar uma Ferrari zero-quilômetro no Brasil. Na década de 80, contudo, isso era impossível mesmo para os milionários. Foi aí que a Fibrario, fábrica do buggy Terral, teve a sacada de produzir uma Ferrari Dino GT em pleno bairro carioca de São Cristóvão. Lançado em 1983, o clone foi batizado de Dimo GT.
O prolífico projetista Paulo Renha (criador do pioneiro Triciclo Renha, da picape Formigão, do buggy Terral e do conversível Jornada) tocou a empreitada com o maior capricho. Os moldes do monobloco de fibra de vidro foram calcados no carro original italiano, produzido entre 1968 e 1973. O acabamento interno não ficava muito a dever ao de Maranello.
Com chassi tubular, suspensão McPherson na dianteira e motor central de Passat TS 1600, o Dimo GT estava em um nível bem superior ao dos esportivos nacionais da época. Muito caro, teve poucas unidades produzidas. Um dos primeiros exemplares, vejam só, foi comprado por ninguém menos que Nelson Piquet, então bicampeão de Fórmula 1.
Na trilha dos todo-terreno, a história mais tortuosa foi a do jipe Camel, produzido em Jacarepaguá, no Rio, pelas Indústrias Jeger de Carrocerias. Tendo como base a inevitável mecânica de VW Brasilia, o Camel tinha suas linhas angulosas clonadas de um brinquedo: o jipe de ataque dos Comandos em Ação, da Estrela. O brinquedo, por sua vez, era uma versão em escala reduzida de um 4x4 de verdade, o Lamborghini Cheetah - protótipo construído para participar de uma concorrência nas forças armadas dos Estados Unidos, em 1977.
Tanto o jipe Camel de Jacarepaguá quanto o Cheetah original tinham carroceria de fibra de vidro e motor traseiro. Contudo, enquanto o clone carioca usava o onipresente VW boxer refrigerado a ar, o protótipo da Lamborghini trazia um V8 Chrysler de 5,9 litros! No fim, o Humvee ganhou a tal concorrência e projeto Cheetah foi engavetado, mas acabou inspirando a construção do jipão de luxo Lamborghini LM002 (vulgo "Lambo Rambo"), entre 1986 e 1993.
Em 1988, a Envemo voltou à carga com o Camper, cópia nacional do Jeep Cherokee XJ (1984–1996). Tinha motor do Opala de quatro cilindros e chassi esticado do jipe Engesa 4 (a Engesa era a controladora da Envemo). Inicialmente, o Camper saía apenas com duas portas mas, em 1993, ganhou uma versão com quatro portas. A essa altura, já havia a opção de se usar motor seis cilindros a gasolina - o 4.1 do Opala - ou até um Maxion a diesel, de quatro cilindros. O Cherokee Sport de verdade, contudo, já estava chegando e não havia mais espaço para sua cópia esculpida em fibra de vidro.
A única minivan que tínhamos no Brasil era a Kombi. Daí que, em 1990, a empresa Grancar resolveu fazer aqui a Futura, clone da Renault Espace francesa de primeira geração (1984-1991). Sua base mecânica, assim como o painel, vinham da Belina Del Rey, mas havia estrutura tubular e carroceria de fibra de vidro. O pacote incluía até bancos giratórios. O projeto era do lendário Toni Bianco e levou um ano e meio pra ficar pronto.
Bianco, aliás, já havia feito outro clone nacional de modelo estrangeiro. Apresentado no Salão do Automóvel de 1978, o Dardo era uma cópia do Fiat X1/9 italiano (1972-1989). Para manter a fidelidade ao modelo original, a mecânica era do Fiat 147 Rallye, com motor e caixa instalados logo atrás da cabine.
Havia ainda iniciativas particulares, como a do engenheiro Hércules Peixoto, de Belo Horizonte, que transformou um Opala Comodoro SL/E 1989 em um arremedo de Rolls-Royce Silver Spirit. Mas já era o tempo da reabertura das importações e metamorfoses assim estavam saindo de moda. Por curiosidade, consultamos um registro de placas e descobrimos que o “Opala-Royce” mineiro ainda está cadastrado no Detran de Minas Gerais. É capaz de estar, até hoje, tirando onda de inglês por aí...
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