Indústria: setor automotivo só deve recuperar números de 2019 em 2025

Primeiras projeções de Anfavea e Fenabrave indicam recessão profunda e recuperação muito lenta

VW Nivus produção (fábrica Anchieta) VW Nivus produção (fábrica Anchieta)

Ninguém nunca duvidou dos efeitos devastadores da atual crise introduzida no País pela pandemia de coronavírus, que de um dia para outro derrubou a zero (ou quase isso) o faturamento da maioria das empresas do setor automotivo. Além de sufocar expectativas de crescimento, como efeito colateral a Covid-19 também embaçou a visão, turvando as projeções, pois ninguém conseguia ver longe o suficiente para estimar quanto a economia poderia afundar. Passados quatro meses de recessão, já é possível enxergar um pouco além de hoje ou da semana, mas quanto mais se vê futuro, pior ele fica.

Há um mês a associação dos fabricantes, Anfavea, fez sua primeira projeção pós-pandemia para 2020, divulgando a preocupante estimativa de retração sobre 2019 de 40% nas vendas de veículos leves e pesados no País, o que significa 1,67 milhão de unidades, resultado que não se via tão ruim desde 2004.

O salto nas vendas de junho, que pela primeira vez superaram os 100 mil veículos desde a chegada da pandemia ao País (foram 133 mil unidades emplacadas, em alta de 113% sobre maio), ainda é insuficiente para alterar a perspectiva futura muito ruim, que está associada a uma economia que parou de respirar, com previsão de PIB negativo em mais de 7% este ano, aumento galopante do desemprego que tende a atingir mais de 20 milhões de pessoas, óbvia falta de confiança para consumir e aversão dos bancos ao risco aumentado, o que dificulta a concessão de crédito tanto para empresas como para consumidores.

Mas o pior não é só este retrato apavorante dos próximos seis meses. A mesma Anfavea, apenas um mês depois de projetar a queda de 40% das vendas domésticas de veículos, neste início de julho traçou uma linha prospectiva de recuperação da economia, baseada em outras graves crises econômicas de passados longínquos e recentes. E o que a entidade enxerga, na melhor das hipóteses, é o crescimento médio de 11% a partir de 2021, o que fará o mercado brasileiro regressar ao mesmo nível de 2019 (2,8 milhões de unidades) – que já não foi tão bom – apenas em 2025.

Ou seja, o melhor cenário é de meia década perdida à frente, com tamanho de mercado que não é suficiente para sustentar o tamanho da indústria automotiva nacional, capaz de produzir 4,5 milhões de veículos/ano. A Anfavea também fez em julho as primeiras projeções pós-pandemia para exportação e produção, calculando tombos ainda maiores. Como as vendas externas são dependentes de países tão ou mais em crise quanto o Brasil, este ano os negócios devem recuar 53%, para minguados 200 mil veículos exportados. Com isso e consumo interno sem reação, a perspectiva é de produzir 1,63 milhão de unidades em 2020, em contração de 45% sobre 2019. E assim foi desenhado o apocalipse.

Um pouco mais otimistas, os concessionários reunidos na Fenabrave também fizeram suas primeiras projeções pós-pandemia, estimando queda de 36,6% nas vendas de veículos leves e pesados em 2020, o que significará 1,77 milhão de unidades emplacadas, 10 mil a mais do que prevê a Anfavea. No entanto, pouco importa saber quem está mais certo ou mais errado, pois ambas as projeções são de desastre.

DEMISSÕES E ATRASO TECNOLÓGICO À FRENTE

Os efeitos de desempenho tão abaixo das necessidades e retomada muito lenta dos negócios se faz sentir em gente e produtos. Concessionários e fornecedores de componentes já tinham iniciado em abril um duro ciclo de fechamentos e demissões, que agora chega também às montadoras.

Entre maio e junho foram fechados cerca de mil postos de trabalho entre os fabricantes de veículos e a tendência é de mais cortes em grande escala a partir do fim do ano, quando devem se esgotar os acordos de redução de jornada e salários, suspensão temporária dos contratos de trabalho e os período obrigatórios de estabilidade de emprego. Empresários do setor já perderam o medo de confirmar que, se o mercado não reage, não há como manter o mesmo quadro de funcionários.

Pelo lado dos produtos, também parece certo a prorrogação de prazos para o cumprimento de metas de eficiência energética e adoção de sistemas de segurança previstos no Rota 2030 a partir de 2022, bem como o adiamento (fala-se já em três anos) das próximas fases do Proconve, o programa brasileiro de controle de emissões veiculares, que prevê limites mais apertados a partir de 2023. Sem revelar prazos, a Anfavea admite que está negociando esses adiamentos com o governo, o que deve resultar em atraso tecnológico dos veículos produzidos no País. A justificativa é que a indústria não tem mais recursos para investir e nem tempo suficiente para realizar todos os testes e ensaios para validar as novas tecnologias.

Parece certo, portanto, que a crise trará efeitos deletérios prolongados à indústria e à sociedade por muitos anos à frente, seja pelo desemprego, recessão econômica ou atraso tecnológico. Ao que tudo indica até agora, não há esforço ou iniciativas suficientes do governo para conter o caos já desenhado – ao contrário do que acontece em países onde a crise também é forte, mas está sendo aproveitada para mudar rumos e desenvolver a economia verde.

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