Opinião: ainda há mercado para os hatches médios no Brasil?
Atraso na reestilização do Golf, novo Focus negado e Cruze com a produção paralisada levantam a questão
Como ex-proprietário de três Focus (2005, 2009 e 2016, um de cada geração), fiquei um tanto decepcionado ao ver a quarta geração ser apresentada na Europa e saber que, na Argentina, onde ele é produzido para nosso mercado, a produção do modelo atual segue até 2019 e depois possivelmente será substituída por um outro carro - grandes chances de ser um SUV médio. Ou seja, as chances de termos o novo Focus no Brasil são remotas, para não dizer quase nulas. Mas estaria a Ford errada em abandonar o segmento de hatches médios por aqui?
Vejamos. Neste primeiro trimestre de 2018, foram emplacados 3.253 hatches médios no país, somando as vendas do Chevrolet Cruze Sport6, VW Golf, Ford Focus, Peugeot 308 e algumas unidades ainda remanescentes do Hyundai i30 (que ganhou nova geração lá fora, assim como o 308). É menos do que vendeu, apenas no mês de março, o VW Fox, um compacto com 14 anos nas costas e tem a concorrência interna do Gol e do novo Polo. Por esta rápida análise, já dá para entender porque Ford, Peugeot e Hyundai estão praticamente desistindo do segmento.
Líder de vendas da categoria, a GM acaba de anunciar nesta semana que vai parar a produção do Cruze (hatch e sedã) na Argentina para "adequar o volume de produção às flutuações do mercado". Em outras palavras, está sobrando Cruze nas lojas argentinas e brasileiras. Por sua vez, a VW adiou algumas vezes o lançamento do Golf reestilizado, que era para ter sido apresentado por aqui em 2017. Chegará finalmente em maio com uma mudança visual leve (foto abaixo), trazendo como principal novidade o painel digital e uma nova multimídia, além da inédita combinação (para o modelo) do motor 1.0 TSI com o câmbio automático. Atrações interessantes, mas que dificilmente vão mudar a história do Golf no mercado.
A (triste) realidade atual é que o consumidor vê mais valor num SUV compacto, derivado de um carro pequeno, do que num hatch ou sedã médio. Basta ver, por exemplo, o número de vendas do Civic quando comparado aos do HR-V, que tem base derivada do Fit. Embora seja um carro construtivamente inferior, com suspensões mais baratas (eixo de torção contra multilink atrás), motor mais fraco (1.8 contra 2.0) e acabamento mais simples, entre outras coisas, o HR-V vende mais por entregar o design, a posição de dirigir elevada e a versatilidade que um SUV oferece - sem falar, é claro, no fato de ser o segmento da moda. Usei o exemplo da Honda, mas isso também acontece na Ford (Focus x EcoSport) e na Chevrolet (Cruze x Tracker), entre outras marcas.
Dentro desse contexto, a situação do Golf tende a se complicar ainda mais quando chegar o T-Cross, SUV compacto derivado do Polo, que será apresentado no Salão do Automóvel em novembro e começa a ser vendido no começo de 2019. O hatch médio vai ficar encaixotado entre o T-Cross e o Tiguan, sendo que em 2020 ainda virá o Tarek, SUV médio, para ampliar ainda mais a linha de utilitários da empresa. Não à toa que o presidente da VW brasileira, Pablo Di Si, não garante que o Golf continue a ser fabricado no Brasil após a atual ofensiva de lançamentos da marca, que vai até 2020. Até porque em 2019 surgirá uma nova geração do Golf na Europa, que no máximo chegará aqui, em baixo volume, como importado.
Volto então à pergunta inicial: ainda há espaço para os hatches médios no Brasil? Se depender do volume de vendas, não mais. E nenhuma empresa vai investir dinheiro num negócio em decadência. O que pode salvar a categoria é ela se reinventar, como a Ford está fazendo com o novo Focus lá fora. Ele chega com uma plataforma modular mais simples e barata de construir, além de ter, pela primeira vez, uma versão aventureira Activ - isso mesmo, um hatch médio com ares de SUV (acima). A fórmula vem sendo usada com relativo sucesso em nossos hatches compactos (vide Renault Kwid, Chevrolet Onix Active, Hyundai HB20X e o futuro Ford Ka Freestyle). Pode ser um caminho, vocês não acham? Eu preferiria muito mais comprar um novo Focus aventureiro do que pagar quantia semelhante num EcoSport. Mas acho que estou gritando sozinho num deserto...
Fotos: arquivo Motor1.com e divulgação
Galeria: Ford Focus 2019
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