Primeiras impressões: Citroën Ami Buggy, o mínimo levado ao máximo
Dirigimos o quadriciclo elétrico que devolveu originalidade à marca francesa
Antes de mais nada, é preciso fazer uma confissão: o repórter que vos escreve é o feliz proprietário de um 2CV e, desde criança, apaixonado pela Citroën.
Não essa Citroën de hoje, que fabrica no Brasil modelos triviais projetados pela Tata indiana e com mecânica Fiat. A paixão que resiste é por uma marca que, no passado, destacava-se por seus automóveis anticonvencionais. Eram brilhantes projetos de estilo e mecânica, criados sem a preocupação de agradar a todos. Foi assim com o Traction Avant, o 2CV, o DS, o Méhari, o CX, o ZX, o Xantia…
Daí que fiquei entusiasmado ao saber que poderia guiar, no Rio de Janeiro, um Citroën Ami de nova geração - o último modelo “diferente” da marca francesa. Esse pequenino elétrico chegou à cidade para a Rio Innovation Week, uma grande feira de tecnologia e inovação realizada esta semana, no cais do porto. E foi pelo píer da Praça Mauá que pude matar a vontade de dar uma volta com o carrinho, que não está emplacado.
Há pouco mais de um ano, a Stellantis trouxe para o Brasil dez exemplares do novo Ami, tanto da versão padrão (com portas e vidros laterais) quanto da série especial Buggy, com barras tubulares no lugar das portas. Os carrinhos foram importados para uma avaliação de mercado, além de ações com potenciais clientes. Sua comercialização por aqui, contudo, vem esbarrando na legislação.
Pelas atuais normas tributárias, o Ami pagaria mais imposto do que qualquer modelo elétrico convencional já que, legalmente, não é considerado um automóvel. Para ter acesso aos benefícios fiscais, o pequenino Citroën teria que "ser um carro”, ou seja: acatar toda a legislação de segurança, recebendo itens como airbags e ABS.
Galeria: Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
A Citroën, contudo, sequer chama o Ami de automóvel. Prefere o termo “solução de mobilidade”. Uma saída seria vendê-lo só para uso em condomínios fechados e outros locais onde os veículos são dispensados de emplacamento. Mas, por conta da tributação atual e da concorrência com os “carrinhos de golfe” chineses, o preço não seria competitivo.
Lembramos que o Renault Twizy podia ser emplacado no Brasil (e era dispensado de pagar o imposto de importação) graças à resolução 573 do Contran, que o classificou como “quadriciclo-carro”. Como tinha airbag e pesava menos de 400 quilos, o Twizy pôde ser enquadrado nesta categoria, que tem circulação liberada no perímetro urbano e exige CNH tipo B. Contudo, por não trazer airbag e pesar 471 quilos, o Ami não pôde pegar carona na norma.
Citroën Ami Buggy
Na França, ao contrário, o Ami tem a legislação totalmente a seu favor. Lá, é considerado um Voiture sans permis (VSP) ou seja, é um veículo que pode ser conduzido sem carteira de habilitação e é dispensado de trazer airbag e ABS. A velocidade máxima é limitada a 45 km/h, com circulação restrita às cidades e proibida em rodovias.
A partir dos 14 anos, um adolescente francês já pode guiar um VSP, desde que faça um treinamento prático de sete horas e tire a carteira para pilotar ciclomotores. E há o outro extremo: muitos velhinhos europeus, sem paciência para renovar a habilitação, nem saúde para andar de bicicleta, acabam utilizando os VSP em seus pequenos deslocamentos urbanos.
Citroën Ami 1961-1969 dianteira
Do primeiro Ami ao atual
O nome Ami (“amigo” em francês) vem de um modelo que a marca produziu na França e na Argentina entre 1961 e 1979. O Ami 6 original era uma espécie de Citroën 2CV passado a ferro: como o Deux Chevaux, tinha motor a gasolina de dois cilindros, refrigerado a ar, e o mesmo conceito de chassi. Criada por Flaminio Bertoni (designer do insuperável DS), a carroceria do Ami original tinha como característica as colunas C do teto “invertidas”. Muita gente vê esse modelo como um dos carros mais feios de todos os tempos. Eu, que sou suspeito, acho o máximo!
Citroën Ami 1961-1969 traseira
Como seu antecessor, o Ami atual também está longe de ser uma unanimidade. O modelo foi desenvolvido pela Altran, uma empresa terceirizada de engenharia que já projetou desde linhas do metrô de Paris até o sistema de controle de atitude dos foguetes Ariane 5, que levam satélites ao espaço.
Produzido desde 2020 em Quenitra, no Marrocos, numa fábrica que originalmente era do grupo PSA, o Citroën Ami ganhou dois irmãos depois que a Stellantis foi formada: o Opel Rocks Electric e o Fiat Topolino. Os três modelos são basicamente o mesmo carro, com alguns painéis de carroceria trocados e logotipos diferentes.
Citroën Ami Buggy
Citroën Ami Buggy
Na França, o Ami custa a partir de 8 mil euros (R$ 48 mil, na conversão direta). O carro também é oferecido em um sistema de assinatura por 36 meses, ou por meio de carsharing. O modelo é vendido até na rede de livrarias Fnac. Hoje, o Ami é exportado para a maior parte dos países europeus.
Está vindo ou indo?
Estacionado à beira da Baía de Guanabara, o Ami estava coberto por uma capa. Quem via seu formato de caixa ficava sem saber qual era a frente e qual era a traseira. Mesmo depois que a cobertura foi retirada, a impressão de “está indo ou vindo?” continuava. É que, para reduzir custos de escala de produção, a parte dianteira e a parte traseira do carro são iguais. Nos painéis laterais, a simetria é tamanha que até as portas são as mesmas: é por isso que a do motorista se abre ao estilo “suicida” (da frente para trás), enquanto a do carona se abre no sentido normal, digamos assim.
Os para-choques da frente e de trás também são os mesmos - e o diâmetro dos faróis é igual ao das lanternas traseiras. As únicas partes externas não-simétricas no carro ficam acima da linha de cintura: a capota (encaixada) tem para-brisa maior que a vigia traseira. No teto do Ami série Buggy há ainda um aerofólio, travessura da equipe de design chefiada pelo belga Pierre Leclercq.
Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
O carro trazido ao Rio é da série especial My Ami Buggy, que teve 50 exemplares feitos em 2022 e uma fornada extra de mil unidades em 2023. Para o clima carioca, o Buggy é mais apropriado que o Ami normal, que tem janelinhas basculantes iguais às do 2CV (o Ami não traz ar-condicionado como opcional). Felizmente, a manhã do test drive estava fresca e ensolarada. Sempre achei o inverno a melhor época do ano para passear com o Deux Chevaux na cidade.
O vão das portas é grande e o acesso, fácil. Para um carro com meros 2,41 metros de comprimento (ou 28 cm mais curto que um Smart ForTwo), a cabine é surpreendentemente espaçosa. As rodas vão bem nas extremidades do chassi, gerando um entre-eixos relativamente grande para o tamanho do carro (1,73 m). Além disso, a carroceria é alta, dando à parte interna da cabine a forma aproximada de um cubo.
Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
Aos pés do carona até sobra espaço para uma pequena mala ou várias sacolas de compras. Se não houver bagagem, o passageiro pode esticar as pernas como se estivesse em uma limusine - e nada de esbarrar no joelho direito do motorista. É realmente impressionante.
É claro que todo esse espaço também se deve à ausência das estruturas de proteção usadas nos monoblocos modernos. As “barras laterais” aqui são as próprias portas… Como não é considerado um automóvel, mas sim um quadriciclo elétrico, o Ami é dispensado de atender a muitas exigências de segurança.
Arejado
A sensação de carro arejado do Ami Buggy é reforçada por um teto solar bem simples, fixado com velcro. Enrole-o para trás e prenda com tiras e botões de pressão - outra “tecnologia” herdada do 2CV!
O melhor é torcer para que não chova. Se chover, porém, há umas capas plásticas que se encaixam nas portas por meio de um zíper (o substantivo fecho-ecler, mais usado no Rio que em São Paulo, vem da fábrica francesa "Fermeture Éclair", que nos anos 30 anunciava seus produtos como uma forma prática de fechar capotas de conversíveis. Você sabia?).
Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
Enquanto a pele externa do Ami é formada por painéis de plástico colorido (que dispensam pintura), seu esqueleto é uma gaiola rudimentar feita de tubos de seção quadrada. Como praticamente não há forrações internas, esses tubos ficam aparentes para quem vai no carro - e algumas das marcas de solda parecem obra do Zé Serralheiro, ali da esquina. Quem também fica exposta é a barra de direção, exibindo orgulhosa sua cruzeta. Por toda parte se veem cabeças de parafusos. Se o Ami fosse uma casa, chamariam toda essa visibilidade de “estilo industrial”.
Aí notei mais parentesco do novo Ami com meu velho Citroën 2CV, um carro que não tem vergonha de mostrar a estrutura (de tubos redondos) que sustenta sua carroceria.
A parcimônia nas forrações também ajuda a ganhar valiosos centímetros de espaço interno. Como nos transportes coletivos, o que há são coberturas de plástico duro que parecem ter sido feitas para resistir a vandalismo (caso usem o Ami no carsharing), lama e inundações. Aliás, os tapetes de borracha grossa parecem facílimos de se limpar.
Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
Os bancos são quase tão duros quanto os do metrô e do bonde que me levaram à Praça Mauá (só andei de veículos elétricos nesse dia!). Os apoios de cabeça são de plástico rígido. Só há partes ligeiramente acolchoadas no encosto e no assento dos bancos. Após algum tempo encaixado no lugar, contudo, a gente se acostuma.
A parte boa é que é muito fácil correr o banco nos trilhos e ajustá-lo na distância ideal. Já o volante não oferece qualquer regulagem, nem o cinto de segurança, que vai ancorado no chassi tubular. Mesmo assim, logo foi possível encontrar uma boa posição para dirigir.
O miolo do volante é côncavo e, no lugar do airbag, está encaixada uma pochete que serve como porta-documentos. Tudo é rústico e resistente, mas há um porém: a tal bolsa é amarela e já estava encardida por conta do uso. Também são amarelas (e igualmente já encardidas) as alças de lona amarela que servem como maçanetas internas das portas.
Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
Encaixadas na parte superior do tablier vão várias peças plásticas que podem ser compradas e configuradas ao gosto do cliente europeu. No exemplar que guiamos, havia um cabideiro, um porta-luvas (raso) com tampa, outro compartimento que parecia um escorredor de pratos e, ainda, um porta-copos,garrafas. Tudo amarelo, para combinar.
Nos Ami normais, o seletor da transmissão (por teclas) vai no lado esquerdo da base do banco do motorista. Na série Buggy, porém, as teclas R-N-D vão em uma caixinha suspensa, bem ao lado do volante. R-N-D… Cadê o P? Não há uma trava de Park na transmissão. Simplesmente puxe a alavanca do freio de mão que, aliás, é enorme em relação ao tamanho do carro.
Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
O quadro de instrumentos é uma tela digital em preto e branco com velocímetro, hodômetro, indicador de marcha e de carga da bateria. Quer central multimídia? Ponha o seu smartphone em um suporte. Vou ajustar os espelhos (manualmente, é claro) e não há retrovisor interno. Lembro da letra de Vinícius de Moraes: Era uma casa / Muito engraçada / Não tinha teto / Não tinha nada… Seria a trilha ideal para dirigir esse carro, caso houvesse som.
Em ação
Os pífios 5,5 kWh de capacidade da bateria de íon-lítio dão ao Ami uma autonomia de apenas 75 quilômetros - alcance inferior ao de um automóvel Detroit Electric ano 1911. Nota-se que o Ami é um quadriciclo para curtas distâncias. Para recarregar em uma tomada doméstica de 220V, são necessárias três horas - o cabo, com 3 m de comprimento, vai embutido na moldura da porta direita. Como nem todo mundo mora em casa e tem garagem com tomada, a Citroën vende um conector tipo 2 adaptável ao cabo original, que permite usar a infraestrutura pública de carregamento.
Citroën Ami Buggy no Rio de Janeiro (RJ)
Como reza a cartilha da Citroën desde 1934, motor e tração são dianteiros. A potência de 8 cv é menor que em alguns carrinhos de golfe e não permite muitas emoções. A máxima de 45 km/h é limitada por um chip por questões de legislação (olha você já pensando em coisa proibida…). A parte boa é que o Ami pode ir de 0 a “top speed” em apenas dez segundos. Que outro carro consegue isso?
Dado o pouco espaço disponível para guiar no píer, mal passei dos 30 km/h. A parte interessante é que, como o Ami Buggy é todo aberto, o vento no rosto traz alguma diversão mesmo em baixas velocidades.
Citroën Ami Buggy
A direção não tem qualquer tipo de assistência, mas é superleve - quem já dirigiu um Gurgel BR-800 saberá do que estou falando. Os pneus são “canela fina”, 155/60 R14. Outra: o diâmetro de giro é ridiculamente pequeno, tornando as manobras bem simples. Projetado para chão liso, o Ami é duro, com pouquíssimo curso de suspensão. Usa uma miniatura de McPherson na dianteira e um eixo de torção atrás. A gente sente os mínimos desníveis do piso.
Como fã de Citroën e do minimalismo automotivo, adorei a experiência de guiar esse carrinho de estilo original e soluções inusitadas. Percebi até pontos em comum entre o novo Ami e meu veterano 2CV. Mas dói dizer que, por seu uso tão limitado, esse quadriciclo elétrico não faz qualquer sentido no Brasil.
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