Quando o Ivan, da assessoria da General Motors, ligou avisando que havia uma Montana disponível para avaliação, estranhei. Afinal, na virada do ano, já havia dirigido a picape da Chevrolet por mais de 5 mil quilômetros, em um bate e volta entre o Rio e Montevidéu. “Mas você viajou com a Montana RS, a topo de linha. Agora vou trazer uma versão básica”, explicou ele.
Imaginei então uma picape pelada ao extremo, daquelas feitas na medida para ganhar concorrências de frotistas. Na lista da GM, a versão mais pé-de-boi da Montana sequer tem direito a sobrenome: é apenas 1.2 turbo MT (de manual transmission). Conviver com configurações superbásicas é sempre uma experiência curiosa e rende ótimas matérias. Algumas, de tão aliviadas, têm comportamento até esportivo se comparado ao de versões mais equipadas. Confesso que fiquei entusiasmado com a perspectiva: é raro conseguir carros assim nas frotas de imprensa.
Ao buscar a picape, contudo, a ficha caiu. A Montana que chegou não era a espartana MT (R$ 127.150), mas sim a LT (R$ 133.450), a segunda mais simples na sequência de cinco versões. Sua missão é ser a mais equipada das Montana com câmbio manual. Por fora, faz o gênero simples mas arrumadinha.
Em vez das rodas de 16” usadas na MT pé-de-boi, a Montana LT hoje traz aros de aço de 17” com umas calotas que os desavisados juram ser rodas de liga leve — o plástico parece diamantado! Os pneus são Michelin Primacy 215/55 R17, a mesmíssima medida usada nas três versões mais caras: LTZ (R$ 146.990), Premier (R$ 155.450) e RS (R$ 158.550). As carcaças dos retrovisores e as maçanetas são pintadas na cor da carroceria, em vez de sairem em plástico preto. As colunas “A” também são da cor da carroceria, enquanto nas versões mais caras são adesivadas de preto.
No teto há um rack simples, preto (em vez de prata como na versão LTZ), e sem o santantonio das Premier e RS. E, luxo dos luxos, a caçamba da LT já vem com amortecimento na tampa, ganchos para amarração de carga, protetor de plástico contra arranhões e iluminação, além da capota marítima — item que é um dos destaques da linha Montana. Nenhuma outra picape vendida no país oferece um sistema tão fácil de abrir e fechar, e que vede tão bem contra chuva. A GM deveria aumentar o salário de quem projetou essa capotinha.
Os faróis são halógenos, mas lembramos que só as Premier e RS têm leds. A grade é quase toda preta, apenas com a barra central cromada. Não há tantos enfeites brilhantes, nem o detalhe pintado na parte inferior do para-choque dianteiro das versões mais caras. Mas, quer saber? Nada disso incomoda os olhos. Visualmente, a LT é praticamente igual à LTZ: bem apresentável, sem sinais externos de picape depenada.
A real simplicidade começa quando a gente abre a porta. Não há abertura por proximidade como na “nossa” saudosa RS da ida ao Uruguai. Em vez disso, temos uma chave canivete convencional com botões de travar e destravar as portas à distância, o que já é alguma coisa numa versão básica.
Os bancos são forrados com um tecido cinza cuja padronagem lembra escamas de peixe. Com costuras cor de laranja, o conjunto é simpático e moderninho. Já nas laterais de porta e sobre o tablier, nada de materiais suaves ao toque. Para disfarçar tanto plástico duro, há partes pintadas de cinza claro (perdão… Dark Ash Grey), o que traz leveza ao ambiente. Já a Montana pé-de-boi tem acabamento em tons escuros e tristes, feito para não sujar.
Mesmo sem forração de couro sintético, o aro do volante não chega a incomodar as palmas das mãos — há volantes forrados bem piores ao toque. O que faz falta mesmo é o ajuste, já que a coluna de direção é fixa — algo imperdoável em um carro desse preço. Nisso, a LT é bem inferior à LTZ, que oferece amplos ajustes de distância e altura. Como atenuante, o banco de todas as versões tem regulagem de altura.
O conjunto de instrumentos e telas é o mesmo usado pela luxuosa RS com que viajamos ao Uruguai. Seus mostradores analógicos têm desenho limpo e com boa visualização. Entre o velocímetro e o conta-giros há uma telinha central de TFT em preto e branco com o computador de bordo e funções como sensor de pressão dos pneus.
Já a central multimídia, com tela de 8”, tem pareamento simples (por Android Auto e Apple CarPlay) e é fácil de usar. Todo esse conjunto, porém, já parece meio acanhado e antigo diante das muitas novidades do mercado.
Há entradas USB (tipos A e C) para quem vai nos bancos da frente, mas nada do carregador por indução da Premier e da RS. Os passageiros do banco traseiro dispõem de duas tomadinhas USB, ambas do tipo A. O ar-condicionado é do tipo comum e bem fácil de operar, sem saídas para trás.
Entre os itens de série, temos sensor para acendimento automático dos faróis, seis airbags e alerta de colisão. Não há piloto automático (só a partir da LTZ), nem alerta de ponto cego (da Premier em diante), dois equipamentos que ajudam um bocado quem viaja na estrada.
Nada de partida por botão, é claro. Aperte o pedal da embreagem, gire a chave e pronto: o motorzinho 1.2 turbo flex desperta. É o mesmo de todas as outras Montana, com 132/133 cv. Sempre que se fala nesse motor, há os que temem a correia dos comandos banhada em óleo. Havendo o cuidado de se usar sempre o lubrificante na especificação certa — com o indicativo Dexos 1 — o componente vai durar muito mais do que as correias comuns. A GM fala em 240 mil quilômetros ou 15 anos. A essa altura, provavelmente, você já terá trocado de carro.
Como em todos os Chevrolet de três cilindros, o ruído não é nada agradável. Esse motor tem um som feio de matraca quando se dá carga no acelerador, especialmente na cidade, entre 1.500 rpm e 3.000 rpm. Parece que há algo frouxo, mas é assim mesmo. Em versões mais caras, como a RS, esse barulho é disfarçado com uma dose extra de material fonoabsorvente. No caso da LT, porém, o tal rumor faz-se muito presente.
Vamos manobrar na garagem e… êpa! A Montana LT não tem sensores de estacionamento, um equipamento muito útil em qualquer picape. Falta o “pi-pi-pi” mas, ao menos, há câmera de ré com resolução bem razoável e linhas de orientação.
O pedal da embreagem é levinho como, aliás, todos os comandos da Montana, uma picape que se deixa conduzir como um SUV compacto. A alavanca de câmbio é como a do Onix atual, com um gatilho para engrenar a ré. Os engates são justos e precisos, mas ainda não estão no nivel de perfeição das caixas da Volkswagen.
São seis marchas, com relações bem próximas entre si para dar agilidade à picape, especialmente com carga. Em sexta, a 100 km/h, estamos a 2.500 rpm — esperávamos um overdrive mais longo, como o das versões automáticas, que permite cruzar a 110 km/h reais mantendo 2.300 rpm.
A suspensão com molas helicoidais nos dois eixos é um destaque. Com caçamba vazia, a picape é bem macia e não dá pulinhos; com caçamba cheia, batentes evitam que a traseira afunde, garantindo firmeza e boa dirigibilidade. Assim, a Montana, em qualquer versão, é sempre muito controlável. A carga útil é de 628 quilos e a capacidade é de 874 litros.
Quem dirige a Montana LT sente um carro leve, que rola fácil no asfalto. Está mais para um carro de passeio compacto do que a Toro, por exemplo. Em ordem de marcha, a picape da GM com câmbio manual pesa 1.282 quilos — praticamente o mesmo que um Chevrolet Tracker LT automático.
As retomadas e ultrapassagens são feitas sem sustos e a caixa manual traz até alguma sensação de esportividade — algo que não existe nas Montana automáticas, que bem poderiam trazer aletas de câmbio atrás do volante. Chegamos, enfim, ao consumo. Ao longo de uma semana de uso, a média entre cidade e estrada ficou em 11,6 km/l, sendo 10,8 km/l nos trechos urbanos e 14,1 km/l em rodovia.
A essa altura, o caro leitor já deve estar pensando: “Ah, mas a Toro é maior, leva mais carga e é mais robusta…”. Sim… Só que a versão de entrada da Toro (Endurance) hoje custa R$ 147 mil e sai apenas com câmbio automático. Acredite, mas ainda há compradores de picapes intermediárias que fazem questão de caixa manual. Para este tipo de motorista, a opção equivalente à Montana LT seria a Renault Oroch Intense, de R$ 126.690.
Chevrolet Montana LT MT
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