Era para o antigo 208 ter tido melhor sorte no mercado brasileiro. Quando chegou por aqui, em 2013, ele tinha design, equipamentos, performance e preços muito competitivos para reviver os bons tempos do 206. Mas o mercado foi impiedoso com o pós-venda da Peugeot e o que se viu foi a marca encolher ainda mais no Brasil, com redução da rede de lojas e o 208 se tornando um mero coadjuvante do acirrado segmento dos compactos. Era preciso mudar.
A Peugeot reconheceu seus erros e preparou uma nova estratégia de marca e rede antes de lançar a segunda geração do 208 por aqui. Mas, agora que o carro chegou, parece que o problema desta vez não está exatamente no produto, mas sim no posicionamento de preço escolhido para ele.
Ninguém questiona a beleza do pequeno leão ou seu acabamento superior ao dos rivais, aliados à boa dose de tecnologia embarcada. Por outro lado, ninguém esperava que os preços da novidade pudessem chegar aos R$ 95.990 (sim já subiu R$ 1 mil), ficando mais de R$ 13 mil acima da versão topo de linha do rival mais vendido. Ah, e que faltasse o motor 1.2 turbo, nem que fosse apenas no modelo mais caro.
Diante da recepção negativa, a Peugeot agiu e algumas concessionárias estão concedendo "desconto" de até R$ 5 mil nas versões mais caras, incluindo a Griffe mostrada aqui. Mas, afinal, como o 208 se posiciona diante dos líderes de venda? Por isso estão aqui o Chevrolet Onix Premier e o Hyundai HB20 Diamond Plus, os três já da linha 2021. Vamos ver no que deu.
Rasguei elogios à plataforma CMP do PSA quando andei no 208 Mercosul pela primeira vez, na pista do Haras Tuiuti, um circuito de baixa e média velocidade. É notável o quanto o hatch evoluiu em conforto, isolamento (ruído e vibrações) e dinâmica, passando a se comportar quase como um modelo da categoria superior.
O design é tão belo ao vivo quanto nas fotos, o interior é de longe o mais caprichado do segmento e temos equipamentos de última geração dignos de um compacto bem-sucedido na Europa. O motor 1.6 já havia se mostrado o ponto destoante, mas relevei um pouco por se tratar de uma avaliação em pista, que não é exatamente a vocação do 208.
Agora nas ruas, o 208 só reforçou minhas primeiras impressões. Você quer um hatch estiloso, macio e silencioso, que roda confortável e é cheio de mimos? O Peugeot é seu próximo carro. Se você não se importar em pagar (bem) mais por ele, terá diversas exclusividades como os bancos forrados em couro Alcântara legítimo, painel digital com efeito 3D (muito legal especialmente à noite) e um alerta de saída de faixa que intervém na direção (o do HB20 só emite um sinal sonoro), além do indicador de velocidade da via, item muito útil para evitar multas de desatenção.
O modelo da Peugeot também se diferencia dos rivais na posição de dirigir, com o volante pequeno abaixo do quadro de instrumentos, além de ser o único com ajuste milimétrico do encosto (por roldana, em vez da alavanca de Onix e HB20). Ah, e ainda tem o teto de vidro...
Acontece que nem é preciso andar nos concorrentes turbinados para sentir que falta motor no 208. Sim, já escrevi isso e vou repetir: o problema não é ter um motor 1.6 aspirado (que o novo Nissan Versa tem e é bom), e sim ter este 1.6 da PSA, defasado e com um claro déficit de força em baixas rotações. Junte isso ao câmbio automático reprogramado para ter trocas mais suaves e temos uma lentidão nas respostas que chega a incomodar. Acredite: mesmo sendo mais leve que o antecessor, o novo 208 parece pesado.
Os números da nossas medições de desempenho só comprovam o que percebemos no dia a dia: o 208 demora a embalar, principalmente naquelas situações de baixo giro, como uma saída de lombada em segunda marcha. A aceleração de 0 a 100 km/h levou 12 segundos com etanol, ganho de 0,5 s sobre o teste anterior com gasolina, mas ainda assim longe dos rivais 1.0 turbo.
Nas provas de retomada, o pequeno leão ficou ainda mais para trás. E a nova programação da transmissão não livrou o Peugeot de ser o menos econômico do comparativo, mesmo usando o modo ECON de condução, que deixa as respostas ainda mais preguiçosas. Obtivemos médias de 7,5 km/litro na cidade e 11,7 km/litro na estrada, sempre com etanol.
Outro ponto fraco do 208 fica por conta do espaço interno. É o menor do trio, principalmente no banco traseiro, e seu porta-malas é o mais compacto, com apenas 265 litros - é um carro para um casal sem filhos que eventualmente leva amigos ou família no banco de trás.
Por outro lado, o 208 tem uma série de itens que o destacam, como os faróis full-LED (bem mais eficientes que o dos rivais à noite), os comandos em forma de tecla de piano no console central e o carregador de celular (também presente no Onix) que fica dentro de um compartimento fechado - quando aberto, sua tampa vira uma espécie de bandejinha. Por fim, as cores e texturas escolhidas pela Peugeot fazem do 208 o mais aconchegante internamente, ainda que a qualidade dos materiais fique abaixo da Hyundai.
Em poucas palavras, o preço do novo 208 Griffe só se justificaria se ele tivesse um motor à altura, como o 1.2 turbo que roda na Europa. A Peugeot então fica com duas opções para não ser novamente coadjuvante: ou reduz seus valores à média da categoria ou acelera a parceria com a Fiat para ter tão logo o motor Firefly 1.0 turbo que vai equipar o Argo em 2021.
Passada a fase de lançamento, o HB20 renovado teve que baixar a bola. Explico: enquanto o Onix Premier II foi lançado em outubro de 2019 a R$ 72.990 e agora é vendido a R$ 81.890, o HB20 Diamond Plus chegou tabelado a R$ 77.990 e agora custa, acreditem, R$ 76.590. Isso mesmo, enquanto o Chevrolet subiu R$ 8.900 em pouco mais de um ano, o Hyundai ficou R$ 1.400 mais barato. Isso, queira ou não, é um reflexo da recepção que cada um teve do mercado.
No caso do HB20, o "erro" da marca coreana foi apostar numa renovação do modelo anterior, ainda que significativa, em vez de num carro totalmente novo como fez a Chevrolet. Embora tenha crescido um pouco no entre-eixos, o hatch da marca coreana ainda é pequeno diante da nova concorrência - ele tem 3,94 m de comprimento contra 4,16 m do Onix, por exemplo.
Sem alterar a estrutura do carro, ainda que tenha trocado aços e chapas da carroceria, o design também ficou "preso" ao anterior. E a ousadia que a Hyundai aplicou em faróis e lanternas não agradou ao consumidor. Tanto que na linha 2021 a única novidade é a grade preta, que disfarça um pouco a divisão dela com o capô.
Se você não liga para o visual, ou já se acostumou com ele, não é preciso fazer muita conta para perceber que o HB20 tomou do Onix o título de melhor custo-benefício. E quem optar pelo modelo da Hyundai ainda leva o melhor conjunto mecânico, que une o desempenho mais esperto ao menor consumo de combustível.
Para começar, o motor 1.0 TGDI é o único do trio com injeção direta, enquanto os demais ainda têm injeção no coletor. Isso melhora o aproveitamento do combustível e, como consequência, reduz o consumo. Para completar, o tricilíndrico turbinado coreano entrega os melhores números potência e torque, com 120 cv e 17,5 kgfm logo a 1.500 rpm.
Em movimento, o HB20 é sensivelmente o mais esperto nas respostas. Enquanto o Onix tem um ligeiro lag abaixo de 2 mil rpm, o Hyundai enche rápido e até justifica a fantasia esportiva na versão Sport. Basta ver que ele foi o único a baixar da marca de 10 segundos no teste de 0 a 100 km/h, com 9,6 s. E também só ele vem com borboletas no volante para trocas de marcha no câmbio de 6 marchas, numa caixa que agrada pela rapidez nas mudanças e pela total ausência de trancos - é a melhor transmissão do comparativo.
A mudança mecânica no HB20 seguiu os pedidos da clientela, de modo que a Hyundai mexeu na direção e na suspensão. O volante agora tem assistência elétrica e ficou mais leve nas manobras e mais firme em velocidades de estrada, enquanto a suspensão ganhou a firmeza que faltava no modelo anterior. Perdeu uma dose de conforto, é verdade, mas agora lida melhor com pisos ondulados e, o principal, transmite mais segurança e controle em altas velocidades.
Ponto que já era forte do HB20 anterior, a qualidade dos materiais continua em alta. É do Hyundai os melhores plásticos e a montagem mais caprichada, sem vãos desuniformes ou rebarbas em peças plásticas. O que não agrada a todos é a combinação de cores um tanto exótica desta versão Diamond Plus, com bancos, painel e portas marrons junto com detalhes em azul - prefiro bem mais o cinza claro do sedã HB20S. Também vale destacar o maior espaço para os joelhos de quem viaja atrás, além do porta-malas de 300 litros, embora a sensação de amplitude seja maior na cabine do Onix.
Em relação ao Chevrolet, o HB20 vem com alerta de colisão frontal (incluindo frenagem de emergência) e aviso de saída de faixa (embora bem mais simples que o sistema do 208), além de uma central multimídia com tela de 7" muito fácil e rápida de usar. Deixa a desejar pelo ar-condicionado que tem visor digital, mas na verdade não possui regulagem por temperatura nem modo automático. Mas, se antes o Hyundai acabava perdendo do Onix por ser mais caro, agora a decisão não passa mais pelo bolso do cliente.
A Chevrolet não está sentada em cima da liderança do Onix esperando a concorrência reagir. Então, para a linha 2021, ela já preparou algumas novidades para o modelo, incluindo a versão esportivada RS e esta cor Cinza Satin Steele do exemplar avaliado neste comparativo. Além disso, a tela da central multimídia My Link cresceu de 7" para 8" (a maior do comparativo) e agora a conexão com Apple CarPlay e Android Auto passa a ser feita via Bluetooth, sem necessidade de cabo. É o primeiro hatch compacto a oferecer tal comodidade, aliada ao carregador de celular por indução que o modelo já possuía na estreia.
Bem equipado, o Onix Premier II também segue com algumas exclusividades no segmento, como o alerta de ponto cego (por meio de luzes na carcaça dos retrovisores), a internet 4G a bordo e o assistente de estacionamento automático (park-assist). Conta também com 6 airbags e ESP como o 208 (o HB20 tem 4 airbags), mas agora já fica devendo outras assistências como frenagem autônoma de emergência e alerta de saída de faixa. A chegada do 208 com seu painel 100% digital também fez o quadro de instrumentos do Chevrolet parecer mais simples, e justamente num ponto no qual ele já perdia para o HB20 (com cluster parcialmente digital).
O desenho interno não é a única parte na qual o Onix parece mais simples que os rivais - isso também vale para o acabamento e montagem. Ele tem o mesmo nível do anterior em termos dos plásticos e texturas utilizadas, além de manter algumas peças desalinhadas, como as laterais de porta em relação ao painel. Os bancos dianteiros também são mais simples que o da concorrência, com o encosto de cabeça embutido, enquanto o curvim do revestimento dos bancos e portas têm aspecto menos refinado que no HB20 e, claro, que o Alcântara do Peugeot.
Mas porque então o Onix ainda leva o comparativo? Porque ele é um carro totalmente novo, como o 208, e porque, ao contrário do 208, ele não manteve o motor antigo. O 1.0 tricilíndrico turbo da GM não é tão bom quanto o da Hyundai, mas, com 116 cv e 16,8 kgfm, garante ao Onix uma boa performance e ainda um consumo baixo (8,2 na cidade e 12,3 km/litro na estrada).
Em nossos testes, ele se posicionou entre os rivais nas provas de aceleração (0 a 100 km/h em 10,9 s) e bem próximo do HB20 nas retomadas (80 a 120 km/h em 7,0 s). No dia a dia, exceto por uma breve hesitação inicial (abaixo de 2.000 rpm), o hatch da Chevrolet anda bem próximo do coreano.
Outro aspecto que conta pontos para o Onix é seu porte significativamente maior que o dos outros dois, especialmente em relação ao HB20. Isso pode ser percebido tanto no espaço interno, o mais arejado dos três, quanto na condução, ao se revelar um carro mais bem assentado ao solo e estável em altas velocidades. Ainda que não seja tão ágil quanto o HB20, o Onix conta com uma direção bastante leve e direta, além de pneus mais largos que os do Hyundai (são da mesma medida que os do 208, que veste 195/55). Tem rodar um pouco firme e áspero, é verdade, mas longe de ser desconfortável.
No fim das contas, o Onix vence pelo conjunto da obra: melhor espaço, boa dinâmica, desempenho próximo do HB20 e ainda uma lista de itens de série de respeito por um preço um pouco acima do Hyundai e (bem) abaixo do Peugeot. Mas a GM precisa maneirar nos aumentos porque, negócio por negócio, o HB20 sai por menos e conta com 2 anos a mais de garantia (5 contra 3).
Fotos: Daniel Messeder/Motor1.com
Agradecimento: Tegra Incorporadora
Peugeot 208 Griffe | Chevrolet Onix Premier | Hyundai HB20 Diamond Plus | |
MOTOR | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.587 cm3, comando duplo variável na admissão, flex | dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12 válvulas, 999 cm³, duplo comando variável, turbo, flex | dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12 válvulas, 998 cm³, comando duplo variável, turbo, injeção direta, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 115/118 cv a 5.750 rpm; 15,4 kgfm a 4.000 rpm | 116 cv a 5.500 rpm; 16,3/16,8 kgfm a 2.000 rpm | 120 cv a 6.000 rpm; 17,5 kgfm a 1.500 rpm |
TRANSMISSÃO | câmbio automático de 6 marchas, tração dianteira | câmbio automático de 6 marchas; tração dianteira | automática de 6 marchas; tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na na traseira | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira |
RODAS E PNEUS | liga-leve aro 16" com pneus 195/55 R16 | liga leve de aro 16" com pneus 195/55 R16 | liga leve de aro 15" com pneus 185/60 R16 |
FREIOS | discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, com ABS e ESP | discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, com ABS e ESP | discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, com ABS e ESP |
PESO | 1.178 kg em ordem de marcha | 1.113 kg em ordem de marcha | 1.091 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 4.055 mm, largura 1.738 mm, altura 1.453 mm, entre-eixos 2.538 mm | comprimento 4.163 mm, largura 1.731 mm, altura 1.476 mm, entre-eixos 2.551 mm | comprimento 3.940 mm, largura 1.720 mm, altura 1.470 mm, entre-eixos 2.530 mm |
CAPACIDADES | tanque 47 litros, porta-malas 265 litros | tanque 44 litros; porta-malas 275 litros | tanque 50 litros; porta-malas 300 litros |
PREÇO | R$ 95.990 | R$ 81.890 (Premier II) | R$ 76.590 |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR (combustível: etanol) | ||||
---|---|---|---|---|
208 | Onix | HB20 | ||
Aceleração | ||||
0 a 60 km/h | 5,3 s | 5,1 s | 4,2 s | |
0 a 80 km/h | 8,3 s | 7,8 s |
6,5 s |
|
0 a 100 km/h |
12,0 s |
10,9 s | 9,4 s | |
Retomada | ||||
40 a 100 km/h em S | 8,9 s | 7,4 s | 6,8 s | |
80 a 120 km/h em S | 9,1 s | 7,0 s | 6,7 s | |
Frenagem | ||||
100 km/h a 0 |
39,0 m |
36,2 m | 36,5 m | |
80 km/h a 0 | 25,4 m | 22,6 m | 22,6 m | |
60 km/h a 0 | 14,8 m | 12,9 m | 12,6 m | |
Consumo | ||||
Ciclo cidade | 7,5 km/l | 8,2 km/l | 8,8 km/l | |
Ciclo estrada | 11,7 km/l | 12,3 km/l |
13,2 km/l |
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