São poucas as marcas que não passaram por grandes transformações ao longo de sua história. Foi assim com a Fiat no começo dos anos 2000, com a Chevrolet no fim da década passada e agora está acontecendo com a Ford. De olho na rentabilidade, a marca do oval azul vem trocando sua linha de produtos no mundo todo com ênfase em SUVs e picapes, em detrimento de hatches e sedãs. No Brasil essa mudança está apenas começando, e o primeiro modelo da renovação vem da China: é o Territory, versão Ford do Yusheng S330, que chega para colocar a marca no segmento até então dominado pelo Jeep Compass.
Já em pré-venda desde a semana passada, o novo Ford deu de cara com o dólar nas alturas e acabou chegando mais caro que o previsto. Se a expectativa era de que o Territory viesse para brigar no começo da tabela do Compass, a Ford optou por trazer somente versões mais equipadas e tabelou o SUV em R$ 165.900 (SEL) e R$ 187.900 (Titanium). Recebemos inicialmente o modelo topo de linha para testes e então convocamos os principais rivais: Jeep Compass 2.0 na versão Limited (embora o carro das fotos seja um Sport, consideramos o modelo de topo na comparação) e Chevrolet Equinox Premier 1.5 turbo, que, ainda que a Ford não o considere um rival direto, fica próximo em preço, porte e motorização. Nosso comparativo ficaria completo com o VW Tiguan AllSpace Comfortline, mas a marca alemã alegou não ter o modelo disponível em sua frota de imprensa.
O líder disparado de vendas entre os SUVs médios não está nesta posição à toa. Mesmo passado quase quatro anos de seu lançamento no Brasil, ele logo nos relembra suas qualidades. É bonito, tem rodar confortável, bom nível de acabamento, espaço razoável para uma família e um motor 2.0 honesto. Nas versões Sport e Longitude, as mais baratas, é difícil fazer frente ao modelo em termos de custo-benefício. Mas a Limited (que chega a R$ 168.990 com piloto automático adaptativo e teto solar) já pede um motor melhor, como o 1.3 turboflex que a FCA está preparando para 2021 - eu pagaria um pouco mais, R$ 170.990, e levaria logo o Longitude com motor 2.0 turbodiesel e tração 4x4, este sim um SUV que faz jus ao nome Jeep.
Diante dos rivais, acontece que o Compass fica pequeno - literalmente. Ele é o mais curto, mais estreito, mais baixo e tem o menor entre-eixos. Isso o deixa mais ágil na cidade, mas também encontramos o menor espaço espaço interno - e só não tem o pior porta-malas porque o Ford privilegiou o espaço no banco traseiro (já explicaremos melhor essa jogada).
Outra limitação do Compass está sob o capô. Eu disse no começo que o 2.0 Tigershark entrega desempenho honesto, OK, mas é pouco diante dos concorrentes turbinados. Na verdade, até que o Jeep conseguiu andar próximo do Territory em nossos testes, favorecido pelo seu menor peso, mas a falta de torque é sentida em algumas situações, como numa ultrapassagem com o carro cheio, por exemplo. O consumo também não é dos melhores, especialmente com etanol, mas ao menos esse 2.0 tem um ronco instigante em altos giros e uma elasticidade que faz inveja ao turbos.
Ficamos assim: se você quer um Compass Flex, leve com o Sport de R$ 121.990 que ele já entrega um bom pacote de itens de série (incluindo ar digital de duas zonas e multimídia UConnect de 7") pelo preço dos SUVs compactos topo de linha. Acima disso, melhor esperar pelo 1.3 turboflex que chega em 2021, e deve vir acompanhado de uma mudança visual.
Tape o logotipo oval com a mão e ninguém dirá que o Territory é um Ford. Não estou dizendo que isso significa que ele é um carro pior ou melhor que os outros modelos da marca - ele é apenas diferente. Quer alguns exemplos? O botão de partida fica à esquerda do motorista, como nos Porsche (ou na L200 Triton, se você preferir). O motor 1.5 tem turbo e injeção direta, mas não é um EcoBoost. E a central multimídia tem tela de 10,1" e conexões Apple Carplay e Android Auto, mas não é uma SYNC 3. E a lista de exclusividades não para por aí.
Dito isso, o Territory é mais bonito e imponente ao vivo que por fotos. Fazia um tempo que eu não andava com um modelo que atraísse tantos olhares (e perguntas) nas ruas. Desenvolvido para o mercado chinês, o novo SUV da Ford é consideravelmente maior que o Compass em todas as dimensões, embora só ganhe do Equinox na largura - com mais de 1,90 metro. Oferece o maior espaço interno do trio com folgas, literalmente, com seu assoalho traseiro plano e o banco de trás recuado - sim, repare nas fotos como ele fica atrás da linha da abertura da porta. O resultado é uma acomodação digna de limousine, com espaço até para dobrar as pernas. Na frente, os bancos também são confortáveis e a largura interna dá impressão de estarmos num carro ainda maior.
Trazer o banco traseiro para trás, no entanto, consumiu parte do porta-malas. E o compartimento acabou ficando menor que o do Compass, com apenas 348 litros (pouco maior que de um hatch compacto). Foi o preço de priorizar o espaço traseiro, item muito valorizado na China - lembre-se que por lá diversos sedãs possuem versões com entre-eixos alongado. Além disso, a tampa traseira não ter acionamento elétrico é uma falha nesta versão Titanium.
Internamente, não reconheci nenhum botão, alavanca ou comandos de outros carros da marca. Em compensação, o acabamento está num nível acima do que acostumamos a ver nos últimos Focus e até do Fusion, com abundância de material emborrachado e generosas porções de couro no painel e laterais de porta, além de apliques imitando madeira. Ajudado pelo revestimento na cor creme, o Territory transmite maior refinamento que os rivais, enquanto as duas telas (do cluster e da multimídia) dão aquele ar de modernidade.
Começando pelo quadro de instrumentos, com tela de 10", temos três opções de visualização para escolher, desde a "clássica" (velocímetro e conta-giros circulares) até a "fashion" (com velocímetro central e conta-giros em barra lateral), passando pela "esportiva" com efeito tridimensional. Já a central multimídia, esta com tela de 10,1", concentra diversas funções do carro, incluindo comandos do ar-condicionado, rádio e telefonia. Oferece conexões Apple Carplay e Android Auto sem fio e, para acompanhar, traz um potente carregador de celular por indução. Só não espere a mesma facilidade de uso do sistema SYNC dos outros Ford, pois esse é exclusivo do Territory, e tem um layout que não esconde a origem chinesa.
Apesar da tela multifunções, gostei de encontrar alguns comandos em teclas do tipo aviação metalizadas, como ligar ou desligar o ar-condicionado e a função "auto" para temperatura automática, sem precisar ficar procurando a função na multimídia. Também há bastante espaço para pertences, seja no console central ou nas portas. Mas, de novo, nada de Ford: as hastes da coluna de direção lembram as da Mercedes-Benz, enquanto os botões dos vidros elétricos remetem aos Audi.
Como comentei mais acima, o motor também não é Ford. Enquanto o 1.5 EcoBoost europeu tem 3 cilindros e ciclo Otto, esse 1.5 de origem Mitsubishi é um 4 cilindros que trabalha em ciclo Miller, que em teoria favorece o consumo de combustível. Além da litragem e de possuir turbo e injeção direta, não há nada em comum com o EcoBoost original. E a comparação com o 1.5 T do Equinox o deixa em desvantagem: são 150 cv e 22,9 kgfm contra 172 cv e 27,8 kgfm do Chevrolet. Perde em potência até para o 2.0 aspirado do Jeep, com 166 cv.
Na transmissão, também outra novidade em termos de Ford: uma caixa automática CVT que simula 8 marchas em modo manual - exceto pelo Fusion Hybrid, não lembro de ter dirigido nenhum outro carro da marca com câmbio CVT. Mais uma vez, isso não significa que seja ruim. O câmbio parece bem ajustado ao motor e responde com rapidez às solicitações do acelerador, sem ficar patinando até realmente movimentar o carro. O Territory também agradou pelo consumo urbano, embora esperássemos um melhor resultado na estrada.
Como esperado pela ficha técnica, o SUV oriental fica mais à vontade passeando do que quando exigido. Em baixas rotações, ele é esperto o suficiente nas saídas e roda com bastante silêncio, favorecendo o conforto (a 100 km/h temos apenas 1.750 rpm). Já numa ultrapassagem de pé embaixo, o Territory parece perder um pouco do ímpeto inicial, além de o motor falar alto na cabine (comportamento típico do CVT, ainda que amenizado pela simulação de marchas). Na prática, ele conseguiu superar o Compass nas provas de aceleração (0 a 100 km/h em 11,1 s) e retomada (40 a 100 km/h em 9,4 s), mas ficou no retrovisor do Equinox.
Se o desempenho é apenas razoável, a dinâmica também não remete aos Fords mais recentes. A marca do oval azul fez um bom trabalho na suspensão, trocando molas, amortecedores e buchas para um melhor controle da carroceria nas curvas e desvios rápidos de trajetória. O resultado agrada em pisos lisos, mas o Territory não livra os ocupantes dos solavancos em ruas esburacadas. E, apesar de estável nas curvas, faltou combinar o acerto da suspensão com a direção, que é sempre muito leve (boa para a cidade), mas está longe de ter a precisão e comunicação que tínhamos num Focus, por exemplo. O pedal de freio também é mais sensível que a média dos carros da marca.
O ponto alto do modelo está mesmo na vida a bordo, complementado pela grande oferta de itens de conforto, tecnologia e segurança. Traz, por exemplo, o aplicativo Ford Pass, que permite fazer o travamento e destravamento remoto das portas, dar partida à distância e acionar o ar-condicionado, além de localizar o veículo, conferir a pressão dos pneus e o nível de combustível. Também recebe alertas de acionamento do alarme e funcionamento do carro.
Nesta versão topo Titanium, o pacote de equipamentos é complementado pelos recursos semi-autônomos de assistência à condução, como piloto automático adaptativo com Stop and Go (para e anda no trânsito), alerta de colisão com frenagem autônoma de emergência, monitoramento de ponto cego, aviso de saída de faixa e estacionamento automático. É sem dúvida um conjunto de encher os olhos, mas será o suficiente para justificar mais de R$ 20 mil de diferença para o Equinox aí abaixo?
O SUV mexicano segue à risca os últimos mandamentos dos carros da Chevrolet, em especial no que diz respeito à relação custo-benefício. Pelo que oferece em termos de conjunto, o Equinox Premier com motor 1.5 turbo, que substituiu o brilhante 2.0 turbo na maioria das versões, provou ser a escolha mais acertada deste comparativo. Vamos aos motivos.
Para começar, o Equinox tem porte. Ele não se intimida pela largura do Ford e, mais comprido e com maior entre-eixos, oferece ótima acomodação no banco traseiro (também com assoalho plano) sem abrir mão da capacidade do porta-malas, que tem 519 litros e a tampa com acionamento elétrico. Pode não oferecer o latifúndio de espaço do Territory, mas é suficientemente confortável para todos os ocupantes, com mais espaço que o Compass.
Também é o mais confortável em termos de suspensão, com um rodar macio como convém a um SUV familiar. Inclina um pouco mais que os rivais nas curvas, mas tem a vantagem de ser o único com tração integral, que pode ser acionada mesmo no asfalto para oferecer maior aderência nas curvas - sem falar na versatilidade para enfrentar uma estradinha enlameada ou estrada escorregadia em dia de chuva. A direção é leve na manobras, mas ganha a firmeza necessária na estrada, enquanto os freios se revelaram os melhores do trio, com o menor espaço de parada quando vindo a 100 km/h e boa modulação. Ponto negativo fica por conta do raio de giro, que exige mais manobras em locais apertados.
Equilibrado em espaço e conforto, o Equinox também tem o melhor conjunto mecânico dos três. O motor 1.5 turbo não entrega a exuberância do 2.0 turbo nas saídas e ultrapassagens (ainda é minha versão favorita), mas, com 172 cv e 27,8 kgfm, não se faz de rogado quando é convocado pelo acelerador. Em conjunto com o câmbio de 6 marchas, de trocas suaves mas um pouco lentas, o SUV da GM foi o mais rápido nas provas de aceleração e retomada, com boa margem. E ainda teve a melhor média de consumo na estrada, mostrando que a opção pelo motor 1.5 pode ser uma boa escolha para quem não faz questão de desempenho forte.
Na disputa com os rivais, o que deixa um pouco a desejar no Equinox é o interior, que parece mais simples, ainda que tenha bons materiais e montagem correta. O painel similar ao do Cruze já ficou para trás em termos de modernidade, enquanto o quadro de instrumentos analógico fica devendo uma tela maior e mais vistosa para o computador de bordo. Por outro lado, a multimídia MyLink com tela de 8" tem funcionamento prático e intuitivo, em conjunto com o carregador de celular por indução no console - embora ainda precise do cabo para conexão Apple CarPlay e Android Auto.
Nos demais equipamentos, à exceção do piloto automático adaptativo, o Equinox não fica nada a dever para o novo Ford. Tem alerta de colisão com frenagem automática, assistente de manutenção de faixa, alerta de ponto cego, sistema de estacionamento automático, banco do motorista com ajustes elétricos, teto solar panorâmico e também a partida remota com possibilidade de acionamento do ar-condicionado. Tudo isso por menos dinheiro que o cobrado pelo Compass quando equipado com o teto solar e o piloto automático adaptativo.
Fotos: autor e divulgação (interior Jeep)
Ford Territory Titanium 1.5T | Chevrolet Equinox Premier 1.5T | Jeep Compass Limited 2.0 Flex | |
MOTOR | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.490 cm3, comando duplo, injeção direta e turbo, gasolina | dianteiro, transversal, 4 cilindros, 16 válvulas, 1.490 cm³, turbo e injeção direta, duplo comando variável, gasolina | dianteiro, transversal, 4 cilindros, 16 válvulas, 1.995 cm³, comando duplo variável, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 150 cv a 5.300 rpm; Torque: 22,9 kgfm de 1.500 a 4.000 rpm | 172 cv a 5.600 rpm / 27,8 kgfm a 2.500 rpm | 159/166 cv a 6.200 rpm / 19,9/20,5 kgfm a 4.000 rpm |
TRANSMISSÃO | câmbio automático CVT com simulação de 8 marchas, tração dianteira | automática de 6 marchas; tração integral AWD com bloqueio do diferencial central | automática de 6 marchas; tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e independente multibraços na traseira | independente McPherson na dianteira e multibraços na traseira | independente McPherson na dianteira e na traseira |
RODAS E PNEUS | liga-leve aro 18" com pneus 235/50 R18 | liga leve de aro 19" com pneus 235/50 R19 | liga leve de aro 17" com pneus 235/45 R19 |
FREIOS | discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira, com ABS e ESP | discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira, com ABS e ESP | discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira, com ABS e ESP |
PESO | 1.632 kg em ordem de marcha | 1.673 kg em ordem de marcha | 1.547 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 4.580 mm, largura 1.936 mm, altura 1.674 mm, entre-eixos 2.716 mm; vão livre 215 mm | comprimento 4.652 mm, largura 1.843 mm, altura 1.695 mm, entre-eixos 2.725 mm; vão livre 160 mm | comprimento 4.416 mm, largura 1.819 mm, altura 1.638 mm, entre-eixos 2.636 mm; vão livre 210 mm |
CAPACIDADES | tanque 50 litros, porta-malas 348/420 litros | tanque 56 litros; porta-malas 519 litros | porta-malas 468 litros; tanque 56 litros |
PREÇO | R$ 187.900 | R$ 165.490 | R$ 153.990 (R$ 168.990 com teto solar e piloto automático adaptativo) |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR (combustível: gasolina) | ||||
---|---|---|---|---|
Territory | Equinox | Compass* | ||
Aceleração | ||||
0 a 60 km/h | 5,0 s | 4,4 s | 5,2 s | |
0 a 80 km/h | 7,4 s | 7,0 s |
8,0 s |
|
0 a 100 km/h |
11,1 s |
10,2 s | 11,6 s | |
Retomada | ||||
40 a 100 km/h em S | 9,4 s | 7,5 s | 11,4 s | |
80 a 120 km/h em S | 8,8 s | 7,8 s | 8,8 s | |
Frenagem | ||||
100 km/h a 0 |
41,1 m |
40,1 m | 44,8 m | |
80 km/h a 0 | 24,9 m | 25,7 m | 28,1 m | |
60 km/h a 0 | 13,9 m | 14,4 m | 15,7 m | |
Consumo | ||||
Ciclo cidade | 9,0 km/l | 7,8 km/l | 5,5 km/l | |
Ciclo estrada | 10,6 km/l | 11,4 km/l |
8,0 km/l |
* Por ter motor flex, o Compass 2.0 foi testado com etanol
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