Colocar uma caçamba num carro de passeio não é uma ideia nova. A própria Fiat fez isso em 1978 com o hatch 147 e criou a primeira picape compacta do Brasil. Antes da 147 Pick-up, porém, picapes eram bichos grandes e complexos, com chassis de longarinas e feitas para levar grandes cargas, quase como caminhões domesticados. Vinte anos após a pioneira 147, que depois evoluiu para a Fiorino, derivada do Uno, chegava ao mercado a Fiat Strada, versão picape do Palio. Na época, as picapes compacta ainda tinham a missão de ser uma pequena trabalhadora, mas já começavam a exigir mais dela. Daí vieram versão aventureira, cabine estendida, cabine dupla, cabine dupla com 3 portas...
Conforme ia ampliando sua gama de versões, a Strada sedimentava a liderança do segmento com vendas que muitas vezes superavam as galinhas de ouro da marca, como o próprio Uno - que à essa altura já havia se tornado a base para o furgão Fiorino. Apesar de dominar mais de 50% das vendas da categoria, a Strada sentia o peso da idade nas costas. As aplicações de botox ao longo dos anos não escondiam mais seu projeto de 1998, baseado no Palio de 1996. E o sucesso da Fiat Toro, só reforçou que a Fiat deveria renovar por completo a Strada, mesclando parte da receita consagrada da antecessora com a modernidade trazida pela irmã maior. E atendendo às novas exigências do mercado, claro.
SUVs estão na crista na onda do mercado global, mas especialistas apontam que a próxima onda será delas, as picapes. Cada vez mais versáteis, elas deverão tanto ser uma ferramenta de trabalho como também companheira nas horas de lazer. Eis o objetivo principal desta Strada Volcano 2021, a versão topo de linha. A antiga cabine dupla com porta traseira suicida evoluiu para uma cabine convencional com quatro portas (com abertura de ótimos 80 graus na traseira, por sinal) e o que era um banco de rápidas caronas se tornou um lugar dignamente habitável. Embora o encosto seja um pouco vertical, dois adultos de até 1,80 m conseguem viajar no banco traseiro da nova Strada. Instalei até cadeirinha de bebê.
A cabine é um pouco estreita, lembrando a do Uno, mas a ergonomia é infinitamente melhor que a da antiga. O espaço dos pedais ainda é um pouco justo, mas agora há um apoio definido para o pé esquerdo. E o banco não fica mais exageradamente alto em relação ao painel. A posição é elevada como num SUV compacto, mas sem te deixar com a cabeça perto do teto. Pra ficar melhor, o volante poderia ajustar em profundidade - demorei um pouco para encontrar uma posição ideal. Os bancos são estreitos, mas acomodam bem o corpo, enquanto a manopla de câmbio e o quadro de instrumentos remetem ao Uno. Simples, mas funcional, com destaque para a telinha central do computador de bordo com opção de velocímetro digital.
O console redesenhado tem bom espaço para pertences, incluindo uma prateleira na medida para apoiar o celular. Seria pedir demais um carregador de celular por indução ali? Sim, porque uma outra atração desta Volcano é nova multimídia Uconnect de 7" com Apple CarPlay e Android Auto via Bluettoth, ou seja, sem fio. O problema é que você acaba usando o fio para não torrar a bateria do celular. Fora isso, gostei do sistema: a tela tem boa resolução e a navegabilidade é simples e direta, sem abrir mão dos botões físicos para volume e mudança de estação. Por fim, a câmera de ré é outro recurso bem vindo por conta da traseira alta.
O quadro digital do painel e a multimídia elevada dão um toque moderno ao interior, mas a moldura cinza das saídas de ar central deveria ser repetida em outras partes do painel. As saídas de ar laterais redondas em plástico preto parecem simples demais para um carro de R$ 80 mil, bem como as portas totalmente sem forração ou as lâmpadas halógenas nas luzes de neblina, em contraste com os faróis principais em full-LED. Não estamos pedindo um painel com material macio, que nem a Toro tem, mas esta versão Volcano merecia alguns cuidados extras. A forração do banco é um bom exemplo: não usa couro, mas emprega um tecido de qualidade bacana e sem aquele toque áspero, o suficiente para causar boa impressão. Já a forração escura do teto ajuda a manter o ambiente conservado por mais tempo.
Uma das fortalezas da Strada era sua mecânica confiável e de manutenção simples. A Fiat então apenas melhorou a receita. Manteve o eixo rígido da traseira com uma única lâmina semi-elíptica, mas com um novo eixo, além de aplicar novas travessa de suspensão e barra estabilizadora na dianteira. A geometria foi toda refeita, acompanhada de novas molas e amortecedores. Tudo isso elevou a altura do solo para notáveis 23,2 cm, a mesma da parruda Ranger Storm. Também aumentaram os ângulos de entrada (24 graus) e saída (28 graus). E a carroceria ganhou passou a ser feita com 90% de aços de alta e ultra alta resistência, ampliando em 10% a rigidez torcional.
Sob o capô, as versões mais simples mantiveram o velho, mas confiável, Fire 1.4 de 88 cv e 12,5 kgfm. Já as mais caras adotaram o eficiente 1.3 Firefly do Argo. Com bom torque em baixas rotações e funcionamento suave, este motor caiu muito bem na picape - mais do que se podia esperar na comparação com a antiga Adventure, que tinha um 1.8 de 132 cv e 18,9 kgfm, contra 109 cv e 14,2 kgfm do novo 1.3. Na prática, porém, o resultado dos nossos testes mostrou que é melhor não fazer julgamentos precipitados.
Com uma tocada agradável, ajudada pelo câmbio de relações curtas que deixa a picape mais esperta nas respostas, a Strada aceita rodar em marchas altas com o giro baixo, como por exemplo, fazer uma curva de esquina em terceira marcha. O Firefly é elástico e responde a contento mesmo em subidas. Para garantir mais força à picape, a Fiat encurtou a relação de diferencial na comparação com o Argo 1.3 Drive (4,600 contra 4,200:1 do hatch) e ainda aplicou uma segunda marcha também mais curta (2,429 contra 2,316:1). Nas saídas, é fácil cantar pneu.
A marca não falou sobre alterações no trambulador do câmbio, mas, ao menos na unidade testada por Motor1.com, os engates estavam mais precisos e justinhos do que em outros modelos nos quais já experimentamos esta transmissão. A contrapartida do diferencial encurtado é que, na estrada, a falta de uma sexta marcha fica evidente. A 120 km/h em 5ª, o motor trabalha a quase 4.000 rpm e prejudica tanto no ruído (junto com barulho de vento e rodagem) quanto no consumo. Tanto é que a média rodoviária com etanol não passou de 10,6 km/litro, contra 11,6 km/litro do Argo, mas foi melhor que os 10,2 km/litro da antiga Adventure 1.8.
Já na cidade, a Strada fica bem mais à vontade e, com torque disponível cedo, não requer muitas reduções. Conseguiu média de 8,6 km/litro de consumo, melhor até que o Argo 1.3 (8,2 km/litro) e bem superior à antiga Adventure 1.8 (6,4 km/litro). Mas, se ser mais econômica que a Adventure anterior era uma obrigação por conta do motor menor e mais moderno, a boa surpresa veio nos testes de desempenho.
Nas acelerações e retomadas, a entrega mais plana de força do Firefly e o menor peso da nova Volcano (1.174 kg contra 1.253 kg da antiga Adventure) fizeram a Strada 1.3 andar próxima da 1.8, com mostrou nas provas de 0 a 100 km/h (12,4 s contra 11,8 s) e de 80 a 120 km/h (12,8 s contra 11,7 s. E vale lembrar que isso é um resultado sob exigência máxima do motor, ou seja, que não reflete o maior tempo de utilização - que é justamente em baixas e médias rotações, situação que favorece o novo 1.3. Por fim, o menor peso ainda ajudou a reduzir o espaço de parada nas frenagens: 41,9 metros quando vindo a 100 km/h, contra 45,9 m da Adventure.
A evolução na dirigibilidade também mostra o abismo de tempo entre os dois desenvolvimentos. A Strada Adventure antiga era um tanto desajeitada nas curvas, além de ter uma direção lenta e pesada. A nova ficou muito mais comportada tanto em retas quanto em trechos sinuosos, reduzindo bastante a oscilação da carroceria. Também a direção elétrica mudou a tocada da picape, com leveza na manobras e agilidade no trânsito, e ainda com uma firmeza surpreendente em curvas mais velozes. Em suma, se não fosse pelos solavancos nas ondulações (especialmente na traseira), eu diria estar dirigindo um carro de passeio (sem caçamba).
É onde não tem estrada asfaltada, porém, que a Strada mais parece à vontade. Com excelente vão livre do solo e os pneus de uso misto Pirelli Scorpion (205/60 R15), ela permite manter um ritmo forte sem se preocupar em raspar o fundo em pedras ou mesmo dar aquelas pancadas secas nos buracos. A união da suspensão parruda com pneus de boa absorção de impacto deixaram a Volcano bem preparada para rodar tranquilamente por estradas de chão, com conforto e ótimo controle. Não é um 4x4, claro, mas ainda conta com um aliado eletrônico para substituir o antigo sistema locker: trata-se de um bloqueio eletrônico baseado no freio ABS que, quando acionado por um botão no alto do painel, freia a roda que está girando em falso e transmite a força para a que tem tração, tirando (se possível) a picape da encrenca - que pode ser uma subida enlameada ou erosão mais profunda.
Se a Strada agradou na cidade e na terra, faltava o teste final: a caçamba. Eu já sabia que ela não conseguiria levar uma moto, a menos que usasse o extensor de caçamba (vendido como acessório). Mas pelo menos uma bicicleta aro 29" ela deveria acomodar para mostrar sua utilidade como carro de lazer. Pois bem: em primeiro lugar, a solução de amortecimento da tampa ficou perfeita, permitindo abri-la ou fechá-la com apenas uma mão (fica levinha). Já a bike só entrou apoiada nas paredes da caçamba, com uma pequena parte da roda traseira para fora, mas permitiu o transporte, junto com o velocípede do meu filho. A capacidade da caçamba é de 844 litros, com 650 kg de carga total (inclui ocupantes na cabine). E já vem com a cobertura plástica da caçamba e a capota marítima, que protegem a pintura e permite levar objetos menores longe de olhares indiscretos, respectivamente.
Ao final dos dias de teste, não restam dúvidas de que a nova Strada coloca a picape num outro patamar em relação à antiga, e nada no horizonte parece ameaçar que ela mantenha a liderança de vendas da categoria. A questão é que a antiga Strada tinha mais de 95% de suas vendas concentradas em empresas, como ferramenta de trabalho, e agora a Fiat quer conquistar o público de lazer principalmente com esta Volcano cabine dupla. Tem boas credenciais para isso, mas, a julgar pela chuva de perguntas que recebi enquanto estive com ela, está faltando um ingrediente que hoje o público que compra carro de R$ 80 mil (ela custa R$ 79.990) faz questão: o câmbio automático. Como inventora do segmento e de outras tendências dentro dele, a Fiat já sabe que tem mais uma novidade a incorporar.
Fotos: autor/Motor1.com
MOTOR | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 8 válvulas, 1.332 cm3, comando simples, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 101/109 cv a 6.250 rpm; 13,7/14,2 kgfm a 3.500 rpm |
TRANSMISSÃO | câmbio manual de 5 marchas, tração dianteira |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira, eixo rígido com mola semi-elíptica na traseira |
RODAS E PNEUS | aço aro 15" com pneus 205/60 R15 |
FREIOS | discos ventilados na dianteira e tambor na traseira, com ABS |
PESO | 1.174 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 4.480 mm, largura 1.732 mm, altura 1.595 mm, entre-eixos 2.737 mm |
CAPACIDADES | tanque 55 litros; caçamba 844 litros; carga útil 650 kg |
PREÇO | R$ 79.990 (R$ 82.290 como testado) |
MEDIÇÕES MOTOR1 BR (etanol) | ||
---|---|---|
Strada Volcano 1.3 | ||
Aceleração | ||
0 a 60 km/h | 5,1 s | |
0 a 80 km/h | 8,5 s | |
0 a 100 km/h | 12,4 s | |
Retomada | ||
40 a 100 km/h em 3ª | 11,7 s | |
80 a 120 km/h em 4ª | 12,8 s | |
Frenagem | ||
100 km/h a 0 | 41,9 m | |
80 km/h a 0 | 25,2 m | |
60 km/h a 0 | 14,1 m | |
Consumo | ||
Ciclo cidade | 8,6 km/litro | |
Ciclo estrada | 10,6 km/litro |
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