É uma cena rara mesmo na Alemanha, especialmente nesta época do ano. De outubro a março, a Porsche simplesmente suspende o empréstimo dos modelos da linha RS à imprensa, por questões climáticas - o frio e a neve deixam as estradas perigosas demais para rodar com carros acima de 500 cv. Mas eis que numa agradável manhã de domingo, em meados de outubro, eu estava lá assinando o contrato de comodato de não apenas um, mas sim de dois RS na sede da marca em Stuttgart: o GT2 RS branco com partes em fibra de carbono e o GT3 RS vermelho. Teríamos até às 17h para acelerá-los sem rumo definido, passando, é claro, pelas famosas autobahn, as autoestradas alemães sem limite de velocidade.
De um lado, o GT3 RS é o 911 aspirado mais potente da gama atual. O motor de seis cilindros contrapostos (boxer) classicamente posicionado na traseira extrai 520 cv e 47,9 kgfm de seus 4.0 litros. Na outra ponta, o GT2 RS usa um 3.8 também boxer de seis bocas, mas com 3.8 litros e turbocompressor, chegando a 700 cv e 76,5 kgfm - é o 911 mais potente e rápido para uso em estradas abertas. Ambos são equipados com a transmissão PDK de dupla embreagem e 7 marchas, e somente com tração traseira. As rodas são de aro 20" na frente e 21" atrás, com cubo rápido no lugar dos tradicionais parafusos, como nos carros de corrida. Uma imensa asa traseira identifica de longe os RS, bem como as saradas tomadas de ar e os adesivos nas laterais.
Não bastasse a radicalidade original, "nosso" GT2 ainda veio equipado com o pacote Weissach (opcional), que reduz o peso do carro em 30 quilos graças ao uso de uma série de componentes em fibra de carbono. É o caso do capô, teto, retrovisor, barras estabilizadoras, aro do volante e até mesmo as hastes para trocas de marcha, ao passo que as rodas são de magnésio. Também com objetivo de aliviar peso, os painéis de porta são mais leves e as maçanetas são substituídas por simples tiras de tecido, como a dos cintos de segurança.
Em relação ao GT3, o GT2 também se diferencia pelo para-choque dianteiro com entradas de ar maiores e pelo para-choque traseiro com um grade difusor central, com uma saída de escape em cada lado - no carro aspirado, as saídas ficam juntas no meio da traseira (repare nas imagens acima). Ou seja, já por fora o GT2 RS se mostra uma máquina mais extrema, embora eu ache o GT3 RS visualmente mais bem resolvido.
Começo nosso test-drive pelo GT2. Entrar nele já exige algum contorcionismo para driblar a parede lateral do banco concha. Sim, é um banco de carro de pista, com ajuste manual de distância e sem possibilidade de regular o encosto. Mas, uma vez acomodado, a sensação de domínio é total. Os comandos estão todos nos mesmos lugares dos outros 911, incluindo a ignição à esquerda do motorista, então me sinto "em casa" rapidamente.
A partida do motor é seguida por um estrondo, e logo o GT2 RS mostra que é uma máquina que exige atenção - "não me pegue para um passeio desinteressado", diria ele, se falasse. A suspensão é uma rocha, sem nenhuma concessão ao conforto, enquanto a direção é pesada e as respostas do motor são brutas. Também, pudera: seus 76,5 "quilos" de torque são entregues logo a partir de 2.500 rpm, isto é, cada movimento do seu pé no acelerador equivale a uma pancada nas costas. A Porsche fala em aceleração de 0 a 100 km/h em 2,8 segundos - e eu não duvido!
Nosso caminho rumo à autoestrada inclui um pouco de trecho urbano, mas as ruas vazias daquela manhã de domingo não dão a real dimensão de como é usar um GT2 RS no dia a dia. Mas eu diria ser um pouco complicado, não só pela suspensão "pancadão" como também pelo ronco que acorda o quarteirão. A placa de saída para a rodovia surge como uma abertura de jaula para este 911, que parece sempre faminto por asfalto.
Entro na onda dele, coloco no modo de condução Sport Plus, chamo marcha para baixo na borboleta de fibra de carbono e seguro firme no volante. O que se segue é talvez uma das experiências mais surreais da minha carreira automotiva em termos de cérebro chacoalhando dentro do crânio - e olha que tenho algumas Ferrari, Lamborghini e outras feras no currículo. O GT2 RS faz o velocímetro brincar de passar dos 200 km/h e continua crescendo de forma vertiginosa. Só que aí um carro entra à minha frente para uma ultrapassagem e me lembra que não estamos em uma pista de corrida.
Os alemães, ao contrário dos brasileiros, porém, não se importam em abir caminho se você vem atrás com um carro mais potente. No caso do GT2 RS, somente a cara de poucos amigos dele já faz o povo pular para a direita, talvez com medo de ser sugado pelas gigantes tomadas de ar. Ele rosna nervoso a cada redução de marcha, que eu chamava mais para fazer graça, pois força é o que não falta em qualquer rotação. Na falta de tomadas de curvas, deixei para testar os freios acelerando até os carros à frente, e num radar que só vi quando estava muito perto - vou pagar, pessoal da Porsche! Do mesmo jeito que embala, este 911 ancora quando pisamos no freio, dando aquela sensação de um Boeing 777 com os reversos a pleno após o pouso.
Há alguns trechos da Autobahn com limite, quando o caminho se aproxima de zonas urbanas. Era a hora de conter o ímpeto do GT2 RS - e o meu também. Confesso que é difícil não se empolgar quando você olha pelo retrovisor e vê aquele imenso aerofólio. Sim, estou num carro de corrida, e não vejo a hora de o limite voltar a ser o do carro. Eis que surge a placa dos 120 km/h com um risco a atravessando, que serve como senha para voltar a acelerar. Após ficar entre os 200 e 250 km/h, eu queria chegar aos 300 km/h. Então sigo acelerando quando os 250 km/h ficam para trás, e me surpreendo pela forma como os 700 cv continuam a empurrar. Logo vejo os 270, 280 km/h e... dá-lhe carro à frente. OK, os 300 km/h ficam para depois, eu ainda teria outras chances naquele dia.
Neste ritmo, digamos, animado, logo chegamos à primeira parada prevista. Aproveitamos a bela paisagem para fazer algumas das fotos que ilustram essa reportagem, e também para trocarmos de carro. Passo ao GT3 RS. Ele tem o mesmo banco concha do GT2, mas a direção não é revestida de Alcantara (usa couro comum) e as borboletas do câmbio são de metal, como nos demais 911, em vez de fibra de carbono. A sensação é menos especial, mas não se deixe levar pelas primeiras impressões. Logo o GT3 me deixaria em dúvida sobre qual deles eu teria na garagem.
Depois do GT2, o GT3 parece muito mais amigável. A suspensão é firme, mas se você passar por uma moeda, ela não vai te dizer que é de 50 centavos como no GT2. A direção é mais leve e o motor é bem mais dócil na entrega de força. Opa, encontramos um 911 radical que dá para usar no dia a dia? Sim! O 4.0 aspirado só entrega seus 47,9 "quilos" de torque a elevadas 6.000 rpm, então isso significa que você precisa pisar com vontade para ele entregar seu melhor. E também que as respostas em baixa velocidade, no trânsito, são tranquilas.
Mas não se engane, porque o melhor do GT3 ainda está por vir. E ele surge quando voltamos à estrada e estico a terceira marcha como se não houvesse amanhã: a melodia! Ahhh, que coisa linda o boxer de seis canecos aspirado berrando até a redline de 9.000 rpm do conta-giros. É um ronco musical e mais agudo, em oposição ao grave do GT2 turbo, que acaba mais cedo - a redline deste motor turbo é de 7.000 rpm. Não experimentamos os dois em pista fechada, mas certamente que o GT3 RS será mais fácil de domar, sem falar que o motor tem uma faixa útil maior.
Na prática, o GT3 RS pode ser usado em dois modos: de boa até 5.000 rpm e nervoso acima disso. Como eu teria apenas mais algumas horas antes de devolvê-lo, optei por andar mais no segundo "estágio", esticando as marchas do PDK até onde dava. Claro que a aceleração e a capacidade de retomada do GT3 não tiram tanto o fôlego quanto no GT2, mas ainda assim ele é pura diversão. Encher as marchas do GT3 gera um sentimento tão ou mais prazeroso do que o soco do GT2 nas costas. E o GT3 também é muito rápido: 3,2 segundos de 0 a 100 km/h, de acordo com a Porsche. Isso porque ele parte com o giro alto, graças ao controle de largada, também presente no GT2.
Na estrada, até que não foi difícil acompanhar o ritmo do GT2 RS. A diferença é que eu tinha de trabalhar mais as marchas do GT3, para manter o motor cheio e acordado. Teve até uma cena bonita que talvez leve alguns anos para sair da minha mente, quando emparelhei o GT3 com o GT2 pela direita, a 250 km/h, talvez tentando cutucar meu colega a ir buscar os 300 km/h. Acima de 250 km/h, a velocidade cresce mais devagar que no GT2, sem aquele ímpeto de atropelar os 300 km/h. As máximas divulgadas confirmam minha impressão: 340 km/h no GT2 RS e 312 km/h no GT3 RS.
Na segunda parada, estacionamos numa pequena cidade à beira de um lago, onde os alemães curtiam os últimos dias de calor (ou não muito frio) do ano. Lá, foi possível notar que, mesmo o 911 sendo um carro relativamente normal na Alemanha, o GT3 RS e principalmente o GT2 RS são máquinas raras - e merecem fotos e "selfies". Afinal, estamos falando de bólidos que custam em torno de 230 mil euros (GT3 RS) e 330 mil euros (GT2 RS) na Europa, ou seja, são carros de gente rica mesmo na Alemanha. No Brasil, apenas o GT3 RS teve o preço divulgado: R$ 1.242.000. O GT2 RS foi exibido ao lado do GT3 RS no Salão do Automóvel, mas ainda não teve preço definido. Deverá ficar em torno dos R$ 2 milhões.
Para a terceira (e última) etapa do nosso test-drive, agora de volta à sede da Porsche, retorno ao GT2 RS. De novo ficam claras as diferenças de temperamento e dos carros, mas ainda não o suficiente para escolher o meu preferido. A tendência é ficar com o GT2 pela força absoluta, claro, mas sempre ia lembrar da melodia do motor do GT3 RS e do fato de ele ser mais "utilizável" na vida real. Ah, e o aspirado também gasta menos. Não que eu tenha medido o consumo (estava mais preocupado em acelerar), mas, se serve de parâmetro, o GT2 RS teve que ser abastecido para terminar nosso rolê de 450 km, enquanto o GT3 RS encerrou a viagem com mais de um quarto de tanque. E os 300 km/h? Agora só depois de março...
Texto e fotos: Daniel Messeder, de Stuttgart - Alemanha
Viagem a convite da Porsche do Brasil
Porsche 911 GT3 RS | Porsche 911 GT2 RS | |
MOTOR | traseiro, 6 cilindros boxer, 24 válvulas, 3.996 cm³, comando duplo variável, gasolina | traseiro, 6 cilindros boxer, 3.800 cm³, 24 válvulas, comando duplo variável, turbo, gasolina |
POTÊNCIA/TORQUE | 520 cv a 8.250 rpm; 47,9 kgfm a 6.000 rpm | 700 cv a 7.000 rpm / 76,5 kgfm de 2.500 a 4.500 rpm |
TRANSMISSÃO | automatizada de dupla embreagem e 7 marchas, tração traseira | automatizada de dupla embreagem e 7 marchas, tração traseira |
SUSPENSÃO |
independente McPherson na dianteira e multilink na traseira |
independente McPherson na dianteira e multilink na traseira |
RODAS E PNEUS | aro 20" com pneus 265/35 R20 na dianteira e aro 21" com pneus 325/30 R21 na traseira | aro 20" com pneus 265/35 R20 na dianteira e aro 21" com pneus 325/30 R21 na traseira |
FREIOS | discos ventilados de alumínio com 6 pistões na dianteira e 4 na traseira, ABS e ESC | discos ventilados de cerâmica com 6 pistões na dianteira e 4 na traseira, ABS e ESC |
PESO | 1.505 kg em ordem de marcha | 1.545 kg em ordem de marcha |
DIMENSÕES | comprimento 4.557 mm, largura 1.880 mm, altura 1.297 mm, entre-eixos 2.453 mm | comprimento 4.549 mm, largura 1.880 mm, altura 1.297 mm, entre-eixos 2.453 mm |
CAPACIDADES | porta-malas 125 litros; tanque 64 litros | porta-malas 125 litros; tanque 64 litros |
PREÇO |
R$ 1.242.000 |
R$ 2.000.000 (estimado) |
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