A Fiat não vive seus melhores momentos no mercado brasileiro. Perdeu a liderança de vendas que detinha desde 2003 para a Chevrolet no ano passado e, pior que isso, viu seus emplacamentos despencarem cerca de 400 mil unidades nos últimos dois anos. É uma senhora queda. Mas não foi só culpa da crise. Acomodada na liderança de vendas por 14 anos, a Fiat deixou seus principais produtos envelhecerem diante da concorrência e, após a união com a Chrysler, os esforços da filial brasileira foram voltados para a Jeep, com a fábrica de Goiana (PE) e o consequente lançamento do Renegade e do Compass - que vão muito bem, obrigado.
Em meio aos Jeep, a chegada da inovadora picape Toro expôs ainda mais a idade do restante da gama Fiat (Idea, Punto, Bravo, Palio Fire, Siena EL, Linea, Palio Weekend...). O Mobi, apesar de moderno, estreou com motor antigo e demorou a embalar nas lojas, além de ser um modelo de mercado restrito por conta do seu porte diminuto. Por essas e outras, o carro que você vê agora é considerado pela Fiat o lançamento mais importante da marca desde o Palio em 1996. É do Argo a missão de construir uma nova Fiat para recuperar as vendas da velha Fiat.
Curioso? Nós também. E para descobrir os segredos o novo Argo percorremos três etapas: visitamos a fábrica de Betim (MG), renovada para a produção do modelo, participamos de um test-drive na Fazenda Capuava e ainda adentramos, com exclusividade, no treinamento da rede Fiat na pista do Vello Città (que você vai conferir numa reportagem à parte em breve!). Assim, o Motor1.com Brasil teve a oportunidade de dirigir quatro versões do hatch antes do lançamento oficial.
O Argo é o primeiro fruto da nova plataforma da Fiat, chamada MP1, que tem previsão de dar origem a mais três modelos - o sedã X6S, a picape X6P e o utilitário esportivo X6U (este último ainda sem sinal verde do chefão Sergio Marchionne). A MP1 parte da base do Punto brasileiro, que cá pra nós era o melhor Fiat em termos de dirigibilidade, mas usando apenas 20% dos componentes desta - os outros 80% são inteiramente novos. Não dá para dizer, portanto, que o Argo usa a plataforma do Punto, pois é uma imensa evolução dela.
Ainda em termos de estrutura, estamos falando de uma carroceria 7% mais rígida a torção e 8% mais rígida a flexão que a do Punto, e isso com peso 8% menor, graças ao uso de aços de alta e ultra alta resistência em pontos-chave da construção. Segundo o diretor de engenharia Claudio Demaria, o Argo tem a carroceria composta por 25% de aço comum, 55% de aço de alta resistência, 10% de aço de ultra alta resistência (colunas A, B e assoalho dianteiro), além de outros 10% de aço estampado a quente, também para maior rigidez. A Fiat não diz abertamente, mas apuramos que o hatch foi projetado para obter ao mínimo 4 estrelas no teste de impacto do Latin NCAP.
Um dos argumentos do Punto era seu maior porte diante do Palio, ainda que isso não se refletisse em espaço interno muito superior. De lá para cá os compactos cresceram, e o Argo nasce com quase as mesmas medidas do Punto para enfrentar os líderes de venda Chevrolet Onix e Hyundai HB20: o novo Fiat tem exatos 4 metros de comprimento por 1,750 m de largura e 2,521 m de entre-eixos. É maior que os principais rivais em todas as dimensões, exceto pelo entre-eixos de 2,528 m do Onix. Mas a Fiat garante que seu volume interno, de 2.806 litros, supera o do Chevrolet (2.740 litros) e do Hyundai (2.630 litros). Por fim, o porta-malas é de 300 litros, como no HB20, entre os melhores do segmento.
O design do Argo é obra do centro de estilo brasileiro, chefiado por Peter Fassbender. Sem a mesma personalidade do Punto, um legítimo Giugiaro, o novo hatch recorre a traços conhecidos de outros modelos, como os faróis semelhantes aos do Mobi, a grade dianteira parecida com a do Tipo europeu e as lanternas traseiras à lá Alfa Romeo. O coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,34 não foi a prioridade, mas sim o porte robusto. No conjunto, o Argo ficou bonito e atraente, mostrando potencial para retomar o desejo do consumidor num compacto da Fiat.
Se depender da oferta de versões, não vai faltar Argo para ninguém. A base começa com o modelo Drive 1.0, com motor Firefly de 3 cilindros (77 cv), seguido pelo Drive 1.3 Firefly 4 cilindros (109 cv), que pode ter câmbio manual ou automatizado GSR de 5 marchas. Na parte mais alta da gama, o Argo Precision vem com o motor 1.8 E-torQ (139 cv) em versão manual de 5 marchas ou automática de 6 marchas. E, por último, a versão esportiva HGT 1.8 tem o mesmo motor e também oferece o câmbio manual (com relação final encurtada) e o automático (mesma relação da Precision). Assim, a Fiat acredita ter um carro para enfrentar desde o Onix LT 1.0 até o HB20 Premium 1.6 automático, sem falar de Peugeot 208, Ford Fiesta e o futuro VW Polo.
Outra aposta forte do Argo está na cabine. Quatro adultos se acomodam sem problemas nele, mesmo que os de trás tenham cerca de 1,80 m. As portas com ótimo ângulo de abertura e o teto alto ajudam no acesso ao interior. Numa rápida comparação, eu diria ser mais espaçoso que Onix e HB20, mas não tanto quanto um Sandero. Já o desenho do painel é o mais bacana da categoria, com destaque para as saídas de ar laterais "saltadas" e as teclas tipo aviação na parte central, que lembra alguns Audi.
O nível de acabamento e montagem é o melhor já visto num Fiat compacto, no mesmo padrão da Toro. Os plásticos são rígidos, mas de boa qualidade e com texturas agradáveis ao toque, sem rebarbas. Além disso, há um aplique de plástico com pintura fosca (cinza na versão Drive e vermelha na HGT) que decora o interior. O volante é bonito e de boa pegada, com base reta para todas as versões e borboletas nas versões GSR e automática. A manopla de câmbio também é exclusiva, maior e mais ergonômica que a do Punto.
Mas a principal atração do interior fica mesmo por conta da nova central multimídia de 7" com tela sensível ao toque, disposta no alto do painel como no Mercedes Classe A. Ela é uma evolução do sistema UConnect usado nos Jeep e na Toro, com novo layout e conexão Apple Car Play e Android Auto, além da câmera de ré (opcional). Prática de usar, a central é item de série a partir da versão Drive 1.3, sendo oferecida como opcional para a Drive 1.0.
A posição de dirigir é um pouco mais alta que no 208 e no Fiesta, mas não tão elevada como no Onix. O volante ajusta em altura e profundidade nas versões 1.8 - somente em altura nas demais. Os bancos são confortáveis, com bom apoio lateral e, quando equipados com airbags laterais, trazem regulagem milimétrica do encosto - nos demais o ajuste é por alavanca. A disposição dos comandos lembra muito a da Toro/Renegade/Compass, e não por acaso. O Argo usa a mesma arquitetura eletrônica desses modelos, vindo daí a tela colorida de 7" no cluster (de série no HGT), o ar-condicionado digital (de uma temperatura), a chave presencial e a partida por botão (versões 1.8), entre outros itens. Ponto negativo da ergonomia fica por conta do puxador da porta volumoso demais, que acaba batendo na perna esquerda do motorista nas curvas.
E já que falamos em curvas, os fãs da "Velha Fiat" vão gostar do acerto de suspensão do Argo. Mesmo nas versões intermediárias, como a Drive 1.3, o novo hatch não tem nada daquele comportamento molenga do Palio, lembrando bem mais o Punto. Na versão HGT, é bem divertido: com molas e amortecedores mais firmes, além das rodas aro 17" (opcionais), o Argo é firme e aponta com precisão nas curvas, com pouca rolagem da carroceria e uma direção (elétrica) comunicativa e que ganha peso com consistência em velocidade. Nesta versão top, o Argo mostra "chão" para mais motor, como o 1.3 Firefly turbo que está desenvolvimento (veja mais detalhes), para ser um legítimo sucessor do Punto T-Jet.
Nas versões Drive 1.3 e 1.3 GSR, percebe-se claramente um acerto mais suave voltado ao conforto, com uma inclinação mais sensível da carroceria. Mesmo assim, o carro é bastante obediente e aceitou ser jogado de um lado para o outro nas curvas do Velo Città sem fugir do controle. A direção é um pouco mais rápida que a de Onix e HB20, enquanto as reações dinâmicas são bem previsíveis, deixando o hatch fácil de conduzir. Nas versões com o controle de estabilidade, este mostrou atuação suave e progressiva, sem muita intromissão no caso da versão HGT - que recebe calibração específica do ESP, mais "permissiva".
Quanto ao desempenho, o Argo ficou agradável com o motor 1.3, cuja entrega de torque em baixa rotação (14,2 kgfm a 3.500 rpm) deixa as saídas e retomadas espertas, além de ter consumo baixo - 9,2 km/l na cidade e 10,2 km/l na estrada com etanol, e 12,9 km/l e 14,3 km/l com gasolina, na ordem, pelos dados do Inmetro. O motor firefly de 4 cilindros tem funcionamento suave mesmo em altas rotações, o que tornou a condução interessante mesmo num autódromo. Resta agora o teste das ruas.
Passando ao 1.3 GSR, o câmbio automatizado tem funcionamento semelhante ao usado no Mobi GSR 1.0. É mais suave do que qualquer versão do antigo Dualogic, mas ainda não se livrou totalmente dos soluços nas trocas de marcha. Como no Mobi, as passagens são mais "lisas" quando se acelera progressivamente, sem muita exigência de desempenho. Já as trocas pelas borboletas dão um tempero à condução, mas a transmissão não aceita reduções com o giro elevado.
No Argo HGT, o motor é o mesmo 1.8 E-TorQ da Toro, com o sistema VIS (coletor de admissão variável) e sem o tanquinho de partida. Gera 139 cv de potência e 19,3 kgfm de torque, valores mais que suficientes para dar agilidade ao hatch. Acontece que o Argo não é dos mais leves, acusando 1.243 kg na versão HGT manual. Então o desempenho é bom, mas não surpreende - e não chega a fazer jus ao visual invocado do HGT. Arranca com decisão nas retas (a Fiat declara 0 a 100 km/h em 9,2 segundos com câmbio manual), mas demora um pouco a ganhar fôlego nos aclives. O câmbio manual é o conhecido do Palio/Punto, porém com novos cabos e trambulador. Os engates são leves e precisos (lembram os do Bravo), mas ainda um pouco longos se comparado aos de Onix e HB20.
Por último, o conjunto da Toro (motor 1.8 + câmbio automático Aisin de 6 marchas) é o ideal para quem procura conforto acima de tudo. Ele garante trocas bastante suaves mesmo com o acelerador pressionado até o fim e identifica rapidamente quando é necessário fazer uma ou duas reduções. O desempenho no autódromo foi bom, mas, assim como GSR, não espere fazer reduções radicais pela borboleta porque a transmissão não vai aceitar.
Até a conclusão desta reportagem, a Fiat ainda não havia definido os preços da linha Argo. Mas deu algumas dicas: "Miramos na tabela do Onix e do HB20", adiantou uma fonte ligada à marca. Portanto, espere algo em torno dos R$ 47 mil para a versão de entrada Drive 1.0 até pouco mais de R$ 70 mil para a versão HGT automática com todos os opcionais - os preços oficiais saem dia 31 pela manhã - fique ligado!
Em termos de equipamentos, vale destacar a central multimídia como item de série desde a versão Drive 1.3, numa clara resposta ao Onix com o seu My Link. Desde a versão Drive 1.0 o Argo terá sempre ar-condicionado, direção elétrica, sistema stop/start, fixação Isofix para cadeirinhas infantis, vidros dianteiros e travas elétricas - podendo receber sistema de som, faróis de neblina e retrovisores elétricos como opcionais, entre outros itens.
A partir da versão 1.3 GSR, o hatch traz de série o controle de estabilidade com assistente para partidas em rampa, mas a Fiat ainda não havia informado se o sistema será opcional nos modelos Drive 1.0 e 1.3 manual - o que é estranho, pois o Uno pode receber o ESP como opcional desde o 1.0. Bancos de couro, chave presencial com partida por botão, ar digital, sensores de chuva e iluminação, retrovisor eletrocrômico e airbags laterais só estão disponíveis para as versões 1.8, como opcional.
Em resumo, a Fiat volta a ter um hatch para brigar na ponta do mercado brasileiro. O Argo é bonito, suficientemente espaçoso, bom de dirigir e traz construção e acabamento da Toro. Tudo isso com uma gama de versões que abrange quase a totalidade de ofertas dos concorrentes. Uma receita que promete dias melhores para a Fiat daqui em diante.
Fotos avaliação: Estúdio Cerri exclusivo para o Motor1.com - proibida a reprodução
MOTOR | dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.747 cm3, comando simples, flex |
POTÊNCIA/TORQUE | 132/139 cv a 5.750 rpm; Torque: 18,9/19,3 kgfm a 4.800 rpm; |
TRANSMISSÃO | câmbio manual de 5 marchas/automático de 6 marchas, tração dianteira; |
SUSPENSÃO | independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira; |
RODAS E PNEUS | alumínio aro 16, com pneus 195/55 R16 |
FREIOS | discos na dianteira e tambores na traseira, com ABS; |
PESO | 1.243 kg/1.279 kg (versão AT) |
DIMENSÕES | comprimento 4.000 mm, largura 1.750 mm, altura 1.507 mm, entreeixos 2.521 mm |
PORTA-MALAS |
300 litros |
DESEMPENHO | 0 a 100 km/h: 9,2 s / Velocidade máxima 193 km/h (versão MT) |
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