História automotiva: Jaguar XK120 e E-Type, os belos que também eram feras
Marca britânica criou dois dos esportivos mais bonitos de todos os tempos
O “relançamento” da Jaguar, anunciado para o mês que vem, e as promessas de uma ruptura total com o passado da marca nos animaram a relembrar um pouco da história dos mais icônicos esportivos já feitos pela fábrica de Coventry: o XK120 e o E-Type.
Estilo e desempenho eletrizantes, mas sem custar os olhos da cara. Assim era o Jaguar XK120, primeiro esportivo que a marca inglesa criou após a Segunda Guerra. De início, pensava-se apenas em fazer um conversível de dois lugares que servisse como “pedestal” para o lançamento do motor XK (projetado para equipar os sedãs da marca).
XK120 1951 (capota fechada)
O motor era um seis-em-linha, com duplo comando de válvulas no cabeçote de alumínio e 3,4 litros, resultando em 160 cv. Para enfatizar seu alto desempenho, essa mecânica seria apresentada em um “show car” esportivo. Não havia pretensões comerciais para esse conversível de dois lugares, que foi desenhado pelo próprio Sir William Lyons, fundador da Jaguar, juntamente com o engenheiro-chefe William Heynes. Tudo foi feito muito rapidamente, em poucos meses.
A estreia no Salão de Londres de 1948, contudo, mudou os rumos da Jaguar, que não esperava tanto sucesso. Choveram encomendas do XK120 e, ao fim da mostra, havia pedidos suficientes para um ano de produção do modelo.
Carburadores SU no motor XK, que deu origem ao XK120
Além de bonito, o XK120 era o carro de série mais rápido da época, acelerando de 0 a 100 km/h em 9 segundos. O número 120 representava sua velocidade máxima em milhas (equivalente a 193 km/h). Havendo uma reta longa o suficiente, e submetido a ligeiras modificações, o modelo podia ser ainda mais rápido.
Em 30 de maio de 1949, um XK120 com para-brisa menor, quarta marcha mais longa e capotinha marítima cobrindo o banco do carona tornou-se o primeiro carro de produção normal a ultrapassar os 200 km/h. Ao volante estava Roland Manners Verney Sutton, chefe do departamento de testes da Jaguar. Ele foi cronometrado a 213km/h na autoestrada Oostende-Jabbeke, por funcionários do Automóvel Clube Belga.
XK120 1951 com carroceria de alumínio e para-brisa de competição
Tudo isso despertou a atenção do mercado mundial. Eram tempos difíceis para a Inglaterra, que tinha na exportação de automóveis uma preciosa fonte de divisas. Ainda em 1949, o XK120 começou a ser entregue e ganhou fama nos Estados Unidos. De início, os pedidos eram baseados unicamente em fotografias e especificações do carro.
No mesmo ano, o XK120 chegou ao Brasil importado pela firma Goodwin, Cocozza S.A., empresa que tinha uma balança comercial pitoresca: mandava frutas para a Inglaterra (em especial, laranjas colhidas em Nova Iguaçu, RJ) e recebia automóveis britânicos para vender por aqui. Os compradores do Jaguar eram os grandes playboys da época, como Bob Falkenburg, fundador da rede de lanchonetes Bob’s.
Propaganda do XK120 no Brasil (1950)
Com a produção em larga escala, foi preciso deixar de moldar carrocerias artesanalmente em alumínio e passar a usar estamparias de aço. A beleza das linhas do show car de 1948, contudo, continuava intocada.
Além de preços relativamente baixos, havia a delícia de guiar o carro em meio ao cheiro de couro e madeira: o motorista ia sentado praticamente sobre o eixo traseiro, com pernas esticadas e volante bem na vertical. O equilíbrio era garantido por um bom projeto com barras de torção na dianteira (e feixes de molas atrás). À noite, luzes ultravioleta iluminavam o painel, deixando apenas os números e os ponteiros visíveis, fosforescentes.
Ao gosto dos EUA - um XK120 com bandas brancas e rodas cromadas
Não demorou para que o XK120 ganhasse uma versão cupê. Para os americanos, pneus de banda branca e as rodas raiadas eram opcionais desejáveis. Febre em Hollywood, o esportivo acabou inspirando até a General Motors na criação do Chevrolet Corvette.
Foram produzidos 12.055 Jaguar XK120 até 1954 - destes, menos de 100 chegaram ao Brasil, onde participaram de provas como o Quilômetro de Arrancada na Lagoa Rodrigo de Freitas (1951), o Circuito da Gávea de 1953 e o I Circuito Automobilístico de Botafogo (em 1956) ou, simplesmente desfilaram em ambientes chiques dos anos 50.
XK140 de 1956
Em 1954, o XK120 deu lugar ao XK140, com para-choques e grade sem a leveza do carro original - mesmo assim, o novo esportivo teve 8.937 exemplares fabricados. O último membro da família foi o pesadão XK150 (9.382 carros entre 1957 e 1961). A beleza e a harmonia das linhas já não eram as mesmas.
Metamorfose na pista
O motor XK mostrou seu valor em glórias esportivas que levantaram as vendas da Jaguar mundialmente. Em 1951, a mecânica do XK120 foi instalada em um chassi tubular vestido com uma carroceria mais aerodinâmica. Nascia o C-Type (oficialmente chamado de Jaguar XK120-C), carro que venceu as 24 Horas de Le Mans de 1951 e 1953.
D-Type já com os aprimoramentos aerodinâmicos de 1957
O passo seguinte da Jaguar foi criar o D-Type, aplicando os mais avançados conhecimentos aerodinâmicos da época, com frente baixa e comprida e uma grande barbatana traseira para ajudar a manter a estabilidade direcional do carro. Deu certo: nos 6 km da reta de Mulsanne, o D-Type conseguia manter velocidades acima de 270 km/h. A essa altura, o motor XK já rendia 254 cv — nos anos seguintes, a potência chegaria a 310 cv. E, assim, o elegante D-Type sagrou-se campeão das 24 Horas de Le Mans em 1955, 1956 e 1957. É isso: na década de 50 a Jaguar venceu 5 vezes em Le Mans! Chegava a hora de pensar em um novo carro de rua com visual tão impressionante quanto o do XK120 original.
E-Type
Em março de 1961, a Jaguar lançou o E-Type. Seu desenho era de tirar o fôlego e deixava claro o parentesco com os primos de corrida: a mesma frente comprida, a mesma boca oval sorvendo o ar para o motor. Eram linhas aerodinâmicas, criadas por Malcolm Sayer, um ex-projetista de aviões.
O E-Type que Roberto Carlos ganhou da CBS
O longo capô inteiriço, incorporando faróis e pára-lamas, abria-se para a frente, exibindo o motor XK de seis cilindros em linha (tradição Jaguar desde 1948) e 3,8 litros. Com três carburadores e potência de 265 cv, o E-Type fazia de 0 a 100 km/h em 7 segundos. Depois, podia passar dos 235 km/h. A primeira marcha não era sincronizada.
Em relação aos Jaguar de rua anteriores, um grande avanço era a suspensão traseira independente. Havia também freios a disco nas quatro rodas. A estrutura do E-Type era do tipo monobloco, enquanto a carroceria podia ser cupê ou roadster. Um detalhe pitoresco é que o para-brisa tinha três limpadores.
E-Type Coupe 1962 (lateral)
A apresentação foi no Salão de Genebra de 1961, onde Enzo Ferrari viu o novo Jaguar e ficou impressionado: disse ao jornalista italiano Gino Rancati que considerava o E-Type roadster o carro mais bonito do mundo. O próprio Roncati contou essa história no livro “Ferrari, lui” (1977).
Apesar de não ter sido criado para corridas, o E-Type chegou a derrotar modelos como a Ferrari 250GT nas pistas. De pronto, o Jaguar tornou-se um sucesso de vendas principalmente nos Estados Unidos - onde ficou conhecido como XK-E. Logo, o carro ganhou motor de 4,2 litros e câmbio todo sincronizado. E foi por causa das normas de segurança dos EUA que, em 1968, as linhas do E-Type perderam a pureza original. As lanternas traseiras cresceram e as coberturas de acrílico dos faróis sumiram.
E-Type - carro do agente secreto Austin Powers
No Brasil, um dos ilustres proprietários foi Roberto Carlos que, em 1968, ganhou um E-Type cupê vermelho da gravadora CBS. Reza a lenda que o Rei compôs “As curvas da estrada de Santos” ao volante desse carro. O Jaguar do músico teve um triste fim: foi destruído no incêndio de uma oficina, em São Paulo. O que sobrou foi vendido e a mecânica foi aproveitada para fazer um carro de corridas que existe até hoje.
Em 1971, o modelo ganhou motor V12 de 5.3 litros e capô modificado. Mesmo equipado assim, o Jaguar custava a metade do preço dos rivais Ferrari ou Aston Martin. Mas o tempo do E-Type estava acabando. No total, foram feitos 72 mil carros até 1975, quando a fábrica inglesa lançou o pesadão XJ-S.
O E-Type elétrico do casamento de Harry e Meghan
As influências do E-Type, porém, perduram. No cinema, o modelo virou um Jaguar fúnebre em “Ensina-me a viver” (Harold and Maude, 1971). Pintado com a bandeira da Grã-Bretanha, foi o carro do protagonista dos filmes do agente secreto Austin Powers. Em 2018, o príncipe Harry e a atriz Meghan Markle usaram um E-Type elétrico na cerimônia de seu casamento. Podem-se ver muitos traços do E-Type no Jaguar XK8 (1996-2014). A inspiração é ainda mais clara no F-Type, lançado em 2013 e que marcou a despedida da Jaguar como fabricante de esportivos com motor a combustão.
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