Nova Jaguar ainda nem foi lançada e já criou polêmica; o que você achou?
Ouvimos um especialista em marcas e fãs dos tradicionais carros da empresa
Não se fala de outra coisa no mundo automotivo: deu a louca na Jaguar! Esta semana, a companhia mostrou sua nova logomarca, além de um vídeo em que não aparece qualquer carro, mas sim artistas de diversas etnias com exuberantes figurinos andróginos, em cenários de cores fortes, ao som de uma batida eletrônica.
É uma cambalhota na imagem de um fabricante normalmente associado a burgueses com paletó de tweed dirigindo carros pintados de verde-escuro (melhor dizendo, British Racing Green). Para muitos fãs de Jaguar, a marca britânica está sendo assassinada por sua atual controladora, a indiana Tata Motors. Primeiro, deixou de fabricar automóveis com a promessa de voltar em 2026 como marca exclusivamente elétrica. Agora tentam mudar sua identidade — justo no momento em que história e tradição são os poucos trunfos que restam às fabricantes ocidentais frente à avassaladora escalada das novatas chinesas.
A nova logomarca e o vídeo antecedem o chamado “relançamento da Jaguar”, em um evento que acontecerá no dia 2 de dezembro. O primeiro fruto dessa nova fase só chegará às lojas daqui a dois anos, mas já se sabe que será um GT de quatro portas para brigar com o Porsche Taycan. Seus preços no Reino Unido ficarão acima das £ 100 mil (R$ 730 mil, na conversão direta). Depois virão um sedã grande e um SUV.
A JLR, antiga Jaguar Land Rover, soltou um teaser adiantando um pouco das formas do futuro GT e, imediatamente, começou o deboche nas redes, associando a traseira do carro a um aparelho de ar-condicionado.
Segundo Patrick McGillycuddy, diretor-gerente da JLR no Reino Unido, a ideia é “reimaginar radicalmente a Jaguar como uma marca de luxo exuberante, envolvente e disruptiva, centrada nos elétricos”. Já que a fabricante britânica não consegue competir para valer com a BMW, a estratégia é parar tudo e tentar recomeçar um degrau acima, só com elétricos.
Teaser do Jaguar-conceito que será mostrado em dezembro
“A princípio foi um tremendo susto nos fãs de Jaguar do mundo inteiro. Todos ficaram chocados com essa novidade toda. Por outro lado, em sua longa existência, já houve sete momentos em que a Jaguar teve que mudar tudo e dar um salto à frente. Fabricava sidecars antes de fazer carros, trocou seu antigo nome, SS Cars, para não ser associada ao nazismo, ganhou fama mundial como vencedora em Le Mans, foi estatizada juntamente com outras marcas britânicas, foi privatizada na Era Thatcher, foi vendida de surpresa à Ford e, depois, à Tata”, lista Bernardo “Beka” Luizello, dono de automóveis da marca há 58 anos.
Ainda que reconheça o retrospecto mutante da Jaguar, Beka também está achando esse dito relançamento radical demais:
“A campanha não tem absolutamente nada a ver com a marca. E, mesmo que tenha sucesso, a Jaguar deixará de ser Jaguar, uma marca tradicional de carros com pegada esportiva, mas que podem ser comprados pela classe média alta na Europa e nos Estados Unidos. Melhor seria se lançassem uma marca nova. Toda essa transformação vai tirando a personalidade dos fabricantes.”
JAGUAR - Vídeo (a)
Barreira entre gerações
Rawdon Glover, executivo sênior da JLR, diz que paralisar as vendas foi justamente uma solução para criar uma barreira entre os modelos antigos e os futuros carros da marca.
“Precisamos mudar a percepção das pessoas sobre o que a Jaguar representa”, afirma.
Após ser comprada pela Tata Motors, em 2008, e fundida com a Land Rover, a Jaguar teve uma sequência de bons lançamentos. As vendas mais do que triplicaram entre 2011 e 2018 (de 54 mil para 180 mil carros). Mas, em 2022, os números haviam encolhido quase ao estágio inicial. Tudo ruiu.
F-Pace, o último Jaguar com motor a combustão
Os modelos XE, XF e F-Pace foram tirados de linha no meio de 2024. Em dezembro, será a vez de o elétrico I-Pace e o SUV E-Pace deixarem de ser fabricados. Todos davam pouco lucro ao grupo JLR. O único Jaguar mantido em produção em 2025 será o best-seller F-Pace, que continuará a ser feito na histórica fábrica da Land Rover em Solihull, Inglaterra, mas exclusivamente para exportação.
“O Jaguar sempre foi considerado na Inglaterra ‘o Bentley dos pobres’, ou seja, um carro de luxo porém mais barato. Isso que eles estão fazendo agora, parar de vender, para mim é a pá de cal”, diz o engenheiro naval Roberto Dieckmann, proprietário de carros da marca desde 1969.
Fundada há 89 anos e com um passado de glórias nas pistas, a companhia já apostou na tradição como apelo de vendas. A cada evento para apresentar um novo modelo, levavam também carros do passado — forma de ostentar o pedigree e mostrar respeito pela história iniciada por Sir William Lyons (1901-1985).
Jaguar XJ - um campeão de longevidade
Os lançamentos traziam elementos do passado. Um exemplo: o XK8, lançado em 1996, tinha linhas claramente inspiradas nas do lendário E-Type (1961-1974). E, apesar de vir equipado com o moderno V8 da série AJ, o novo esportivo trazia em seu nome uma referência ao motor XK, de seis cilindros em linha, usado nos carros da marca entre 1949 e 1992.
Outro que rendia homenagens ao E-Type era o F-Type (2013–2024), visto como seu descendente direto. E a Jaguar fazia questão de ressaltar isso nas linhas e proporções de sua carroceria. E o que dizer da linha de sedãs de luxo XJ, que mantiveram a mesma silhueta (além do perfume de couro na cabine) entre 1968 e 2009?
Mesmo em um momento de revolução, ao projetar seu primeiro carro elétrico, o I-Pace (2018), os estilistas comandados por Ian Callum buscaram reproduzir as proporções de rodas/para-lamas do Jaguar XJ.
Aula de tipologia
Nas redes sociais, é muito mais fácil encontrar críticas mordazes do que elogios à nova metamorfose da marca. Os defensores do novo logo são poucos, mas existem. É o caso de Draco, designer, ilustrador e especialista em criação de marcas — vale ressaltar que a JLR não está entre seus clientes.
Draco vai além do “simples demais” dito por 9 entre 10 palpiteiros leigos, e explica tecnicamente as alterações na tipologia.
“Aposto que a desaprovação se dá porque as pessoas olham o novo logo e não veem o jaguar pulando. Mas primeiro a gente precisa entender que a marca é mista, ou seja, composta por símbolo e tipografia e esses elementos são independentes. Para ser justo, a imagem de comparação deveria ser essa:”
JAGUAR - logo antigo x logo novo
“Outra coisa interessante sobre a typo, é que ela é uma ‘mixed case’ — quando maiúsculas e minúsculas se misturam sem perder legibilidade. Reparem que está escrito JaGUar. Isso evidencia os formatos circulares em todos os caracteres.”
“Quando a gente pensa no animal jaguar, os conceitos que ele evoca são de velocidade, ferocidade, força, agressividade etc. Todos eles estão mais alinhados à forma do triângulo. E neste caso a tipografia antiga levava vantagem sobre a nova.”
“Na campanha de relançamento da marca, porém, não se fala de carro, mas de pessoas, diversidade, moda e arte. Isso é visualmente melhor traduzido por formas circulares e orgânicas, como na nova tipografia. Marcas não são feitas para agradar à Dona Maria… Marcas são desenhadas para traduzir conceitos que a Dona Maria quer comprar.”
“Além de construir um bloco sem ascendentes ou descendentes (o rabo do g) trabalhar com essa fonte permitiu criar o novo monograma JR — evidenciando que a marca está mais ligada em moda/arte do que no carro.”
JAGUAR - Monogramas de grifes da moda
“Por fim, o jaguar… O bicho não morreu e segue fazendo parte da identidade, mas agora está em negativo, envolto em linhas horizontais que, de certa forma, falam de velocidade. É uma versão mais moderna, não necessariamente melhor ou pior, mas diferente e única — e isso é bom.”
JAGUAR - logo do felino foi mantido, mas está diferente (1)
“Em resumo, a marca mudou bastante e se reposiciona, mas continua ocupando o lugar de desejo. Se antes inspirava pela potência e arrojo, agora tenta inspirar pelo lifestyle e busca na arte e na moda”, encerra Draco.
Fato é que toda essa discussão nas redes acabou trazendo o nome Jaguar de volta à pauta — algo que não ocorria há muito tempo. Como já dizia Ataulfo Alves em um velho samba, “falem mal, mas falem de mim”.
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