A Reforma Tributária está mostrando para onde o interesse político quer levar a indústria automotiva nacional. Depois da inclusão até de carros elétricos no Imposto Seletivo - para sobretaxação de produtos maléficos à saúde e meio ambiente - enquanto caminhões a diesel ficaram de fora, as negociações do texto da reforma continuam escancarando a forma em que o Poder Legislativo está dobrando a determinados interesses.

De acordo com a AutoData, o texto substitutivo da reforma tributária apresentou em seu Artigo 309 uma alteração na renúncia fiscal que o Governo Federal fará sob a forma de créditos fiscais sobre o lucro presumido das montadoras instaladas na região Nordeste. Hoje, apenas a Stellantis, com a fábrica de Goiana (PE), e a BYD, que comprou o que sobrou da fábrica da Ford em Camaçari (BA) e está reconstruindo um novo complexo, operam por lá.

BYD - Fábrica em Camaçari (BA)

BYD - Fábrica em Camaçari (BA)

A redação original da Reforma Tributária dizia que as montadoras no Nordeste poderiam usufruir de um crédito fiscal de até 8,70% sobre o lucro presumido nos anos de 2027 e 2028, número que cairia até 1,74% em 2032. O Artigo 309 do texto substitutivo, porém, prevê agora que o crédito fiscal sobre o lucro presumido possa chegar a 14,5% até o décimo segundo mês de "fruição do benefício".

À AutoData, a BYD afirmou que a nova redação do texto da reforma "não trouxe benefício a mais, é uma recomposição e interpretação que havia sido feito de forma incompleta, só houve ali uma atualização de acordo com o que seria o texto da reforma tributária". Ainda assim, a marca chinesa ainda precisaria operar por um ano completo em Camaçari antes de começar a usufruir dos créditos fiscais. O período seria usado para apurar qual seria o lucro presumido da empresa.

Polo Stellantis de Goiana (PE) completa 8 anos de operação

O caso mais grave, porém, é o da Stellantis. A empresa poderia se beneficiar imediatamente da atualização do texto, uma vez que opera em Goiana desde abril de 2015. O mais alarmante é que a Stellantis produz em Pernambuco seus modelos com maior margem de lucro: os Jeep Renegade, Compass e Commander; a Fiat Toro e a Ram Rampage. Se o crédito fiscal é calculado sobre uma porcentagem do lucro presumido, produzir os veículos que geram mais lucro por lá dará ainda mais vantagem para o grupo.

De acordo com a AutoData, o texto substitutivo foi apresentado no último dia 4 de julho e pegou economistas e montadoras que não operam no Nordeste de surpresa. Um cálculo exato dos impactos dessa medida ainda não existe, mas estima-se que a Stellantis terá acesso a um crédito fiscal que pode variar entre R$ 1,5 bilhão e 5,5 bilhões.

Jeep Renegade - Fábrica Goiana

Jeep Renegade - Fábrica Goiana

Com a inclusão de carros elétricos na sobretaxação do Imposto Seletivo, exclusão dos movidos a bateria em favor de híbridos a etanol da isenção de IPVA no estado de São Paulo, aceleração da volta de impostos para eletrificados importados e mudanças de última hora nas regras tributárias, especialistas avaliam que o Brasil está mandando um recado temerário para o resto do mundo. Um recado de que não há previsibilidade jurídica ou tributária no País, algo que pode afastar ou dificultar novos investimentos por aqui.

O que se desenha para o futuro, na forma que temos hoje, é que a indústria automotiva nacional será empurrada a ficar presa apenas na tecnologia híbrida, forçada pelo peso da indústria sucroalcooleira, o que levaria futuramente ao fim das exportações dos carros nacionais a países que banirem motores a combustão. Além disso, selaria o destino do Brasil como um país que não terá acesso a carros elétricos mais limpos e baratos, pois sua vinda será dificultada e seus preços elevados. Por último, traz à luz que o Governo Federal não tem pudor de beneficiar uma parte da indústria em detrimento de outra.

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