O ano que pareceu não ter fim está quase acabando, mas o que fez dele um período sem precedentes de muitas dificuldades e tristezas, a pandemia de coronavírus, está ainda longe de terminar. O encerramento do calendário gregoriano de 2020 não é ponto final da Covid-19 e suas sequelas irrecuperáveis (perto de 200 mil mortes só no Brasil), também não tira de cena um governo central que lida com o problema pautado por profunda inépcia do chefe do Executivo.
A combinação de aceleração da doença que já volta a lotar leitos de UTI pelo país, atraso no programa nacional de vacinação (que virou disputa política) e fragilidades econômicas nada triviais que o deus-mercado não será capaz de resolver, são fatores que apontam para mais um ano de adversidades e restrições.
Nesse cenário, a indústria automotiva está confiante na continuação da recuperação acelerada do setor, que se ainda não é suficiente para cobrir todos os estragos deixados pela pandemia em 2020, ao menos coloca a perspectiva positiva do crescimento no horizonte. Contudo, a associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea, e a de seus distribuidores, a Fenabrave, ainda preferem cautela diante de certa volatilidade imposta pelos acontecimentos mais recentes.
Nenhuma das duas organizações se arrisca a divulgar suas projeções para 2021. Prometem fazer isso só em janeiro, depois que dezembro deverá confirmar a venda de 1,96 milhão de automóveis e utilitários leves este ano (-26% sobre 2019) e algo próximo de 88 mil caminhões (-13%) e 14 mil chassis de ônibus (-33%).
Esses resultados comprovam que ambas as entidades erraram as 2 previsões pós-pandemia que cada uma fez este ano, que sequer foram corrigidas diante de um fim de ano de sentimentos confusos - de alívio com a retração menor do que a esperada, de preocupação com o recrudescimento da pandemia e de incerteza sobre a sustentabilidade da economia brasileira.
Anfavea e Fenabrave esperavam por quedas bem mais pronunciadas, entre 30% e 40% do mercado total, mas a sanha consumidora do brasileiro que segue comprando é mais forte do que se supunha. O que não se sabe é quanto fôlego resta a consumidores que em 2021 vão encarar alta de preços e juros, desemprego crescente e renda decrescente.
Fica fácil crescer depois de cair tanto. Também não é tão difícil expandir vendas em mercado que ficou restrito à população de alta renda, sempre muito menos afetada por crises econômicas ou “gripezinhas” – o que se comprova com alguns exemplos exóticos, como o aumento pandêmico de 44% nas vendas de modelos Porsche este ano em relação a 2019; ou quando 100 unidades de pré-venda on-line da picape Ram 1500 de R$ 420 mil se esgotam em 18 horas.
Algumas projeções já escapam aqui e ali. O ritmo atual das vendas no Brasil aponta para um mercado anual em torno de 2,5 milhões de veículos leves – que pode desacelerar rapidamente caso o cenário pandêmico-econômico se deteriore.
Toyota e Volkswagen preparam novidades para 2021 (Corolla Cross e Taos, respectivamente), mas seguem cautelosas
Rafael Chang, presidente da Toyota do Brasil, afirmou recentemente que trabalha com este volume para 2021. Pablo Di Si, presidente da Volkswagen América Latina, avalia que o quadro atual de escassez de insumos para produzir e alta acelerada dos custos impõe limites ao crescimento, por isso estima que será difícil atingir 2,4 milhões de unidades, que ele sugere ser o número previsto pela Anfavea no momento.
Duas consultorias constantemente ouvidas por Automotive Business têm estimativas que divergem em algo como 150 mil unidades. A IHS Markit projeta 2,36 milhões de veículos leves vendidos no Brasil em 2021, o que representará alta de 20,5% sobre o provável fechamento de 2020 (1,96 milhão), mas ainda 11,3% abaixo de 2019 (2,66 milhões). A Bight Consulting prevê 2,5 milhões, crescimento interanual de 27,5% e 6% menor que 2019.
São números plausíveis e atingi-los parece ser o melhor que poderia acontecer diante de ambiente econômico que se apresenta bastante adverso. Claro que o resultado será altamente influenciado pela velocidade e eficiência do programa brasileiro de vacinação contra a Covid-19, até o momento envolto na tacanhez do Executivo federal.
Seja como for, essa é mais uma questão de expectativa com o futuro, pois é absolutamente improvável que a população brasileira esteja imunizada antes do fim de 2021 ou mesmo em 2022. Até lá, os surtos da doença ainda vão provocar restrições e mortes. Portanto, é aconselhável por agora conter a euforia gregoriana alimentada pelo fim de um ano que foi muito ruim e podia ter sido pior.
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