Nesta semana o grupo Caoa formalizou a intenção de compra da fábrica que pertencia à Ford, em São Bernardo do Campo - SP, fechada em abril deste ano, após a decisão estratégica da montadora norteamericana de deixar o segmento de caminhões e tirar de linha o Fiesta. Pouca gente sabe mas esta imensa fábrica foi uma das primeiras unidades industriais de automóveis no Brasil e já mudou de mãos outras vezes.
A história desse local remonta ao início dos anos 1950, quando começou a ser construída pela Willys Overland do Brasil. É uma fábrica em um amplo terreno localizado quase no limite de município entre São Bernardo e São Paulo, na Avenida do Taboão, vizinha à Rodovia Anchieta, e foi inaugurada em 1947. A fábrica foi erguida com capital nacional e os norteamericanos entraram com 30% dos recursos por meio das máquinas importadas para produzir o Jeep.
Em 1954 o primeiro veículo com tração nas quatro rodas e motor 4 cilindros de 2,1 litros, um F-134 com 73cv, deixava as linhas de produção com boa parte das peças nacionalizadas. Eram idênticos ao modelo dos Estados Unidos e sua fabricação durou apenas alguns meses, já que no ano seguinte o Brasil recebeu novo maquinário e começou a fabricar o conhecido CJ-5, que durou quase 30 anos em linha no país.
A Willys ampliou novamente a fábrica após instalar a produção do Jeep e a partir de 1956 todos os motores já eram produzidos na unidade, a qual tinha até uma fundição e usinagem próprias. Três anos depois a produção foi ampliada com o lançamento do modelo que também ser tornou um clássico nas ruas e estradas brasileiras, a Rural.
Ainda assim, a Willys não conseguia atender toda a demanda e precisou adquirir as instalações de uma fundição na cidade de Taubaté. Desta forma, ampliou novamente a fabricação de motores, desta atendendo também caminhões e utilitários. Mas os empresários brasileiros queriam ainda mais.
Além do Jeep e da Rural, iniciaram a negociação com a Chrysler para produzir uma linha de pickups mas o projeto não vingou. Mas a partir da Europa, a Willys teria um grande passo diversificando sua atuação no país.
Em 1959, a Willys iniciava a fabricação sob licença do modelo Renault Dauphine, sucesso de vendas na Europa, e que era integralmente feito no Brasil. A linha cresceu com a chegada do Aero Willys, a Pickup Jeep e em 1961 do Itamaraty. Assim, a Willys tinha na linha de produção da fábrica de São Bernardo do Campo veículos das marcas Jeep, Renault e Chrysler, uma vez que a primeira versão do Aero era derivada de um projeto da marca. Nesse mesmo ano a Willys comemorou a marca de 100 mil veículos fabricados no Brasil.
Enquanto a economia do Brasil ia muito bem, a Willys chegou a montar uma unidade de produção em Pernambuco, que seria a primeira fábrica de veículos do nordeste. Assim, a fábrica de São Bernardo do Campo ficaria encarregada de produzir automóveis e os utilitários seriam feitos no Nordeste, onde facilmente poderiam ser exportados além de abastecer o mercado local com grande demanda para modelos de tração integral.
O portfólio ficava ainda mais completo com o lançamento do Willys Interlagos, versão nacional do Renault Alpine A108, um carro esportivo com chassi tubular de apenas 3,78m de comprimento e motor de 998cc e 70cv, freios a disco e suspensão traseira com quatro amortecedores. Era um dos carros mais caros do país e reforçava a imagem da Willys enquanto a marca lançava sua própria equipe de competições. A Willys Overland chegou a desenvolver no país a reestilização do Aero Willys 2600 que foi exibido na Europa em 1962 e depois desenvolveu outro esportivo, o Capeta, que não chegou a ser produzido.
O golpe duro veio em 1967 quando a Ford, interessada em abrir mais espaço por aqui, assumiu as operações da Willys. Além da fábrica, tinha uma segunda unidade de motores e uma terceira unidade em Pernambuco, além de um Centro de Pesquisas e o projeto M, pronto para ser lançado e que daria origem ao Corcel. A Ford impôs seu próprio estilo destituindo os antigos gerentes gerais, que passaram a se reportar ao grupo nos Estados Unidos.
A fabricação dos utilitários foi transferida para o bairro do Ipiranga enquanto a demanda por automóveis crescia. Veio o Corcel, depois o Galaxie já com muito sucesso e assim a Ford planejava nacionalizar o Maverick enquanto ampliava as vendas da F100.
São Bernardo do Campo respirava novos ares e mesmo após a crise do Petróleo, em 1973, a Ford modernizava as instalações. Nos anos 1980 produziu na histórica unidade o modelo Escort, projeto mundial da montadora, assim como o Corcel II, a Pampa e o Del Rey. Nos anos 1980, com a Autolatina, seguia sua produção inclusive de alguns modelos que vinham com o emblema Volkswagen como o Apollo, Pointer e o Logus.
Nos anos 1990 se modernizou novamente para produzir o Fiesta, carro de sucesso na Europa. Ao mesmo tempo, a Ford colocou em prática o seu plano de erguer no Nordeste uma fábrica moderna para fazer uma nova geração de veículos. Assim, São Bernardo ficou produzindo os caminhões durante longos anos, bom como as versões seguintes do Fiesta, deixando de receber investimentos.
Agora com a nova estratégia global de focar seus esforços em utilitários esportivos e picapes, modelos mais rentáveis, a Ford resolveu deixar a antiga cidade da Willys para trás e neste ano confirmou que fecharia a unidade.
Não se sabe o futuro da fábrica de São Bernardo, agora nas mãos do grupo Caoa. Curiosamente, o grupo nasceu como concessionário Ford ainda nos anos 1980. A vida dá mesmo muitas voltas.
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