O selo Trail Rated colado no para-lama de alguns Jeep é praticamente um atestado de autenticidade. Ele é a prova de que se trata de um Jeep "legítimo", com tração 4x4 e capacidade fora-estrada efetiva. É como uma separação natural entre os SUVs urbanos, que a marca acabou criando para atender ao mercado, daqueles que não foram feitos apenas para superar as lombadas do condomínio. Mas como a Jeep faz essa certificação? É isso que fomos conhecer no Campo de Provas de Chelsea, em Ann Arbor, nos Estados Unidos.
Antes de entrar na Lyman Trail (nome da trilha de testes), o líder de desenvolvimento off-road da Jeep, Bernie Trautmann, faz uma pequena explicação sobre os conceitos que a Jeep trabalha nos veículos que levam o selo. Afinal, não basta ter tração integral para ser um Trail Rated - os Renegade e Compass só levam o badge em suas versões Trailhawk, por exemplo, apesar de terem o sistema 4x4 em configurações mais urbanas.
Trautmann diz que a Jeep trabalha em cinco itens fundamentais para a performance off-road, como mostramos a seguir:
Tração: capacidade de enviar a força do motor para o solo, incluindo pneus (com desenho mais lameiro), transmissão, e divisão de torque entre as rodas.
Altura do solo: otimização dos ângulos de ataque, saída e central, além do próprio vão livre do carro ao chão para evitar o impacto com pedras, galhos e outros obstáculos.
Articulação: capacidade de manter as rodas o máximo em contato com o solo (curso de suspensão). Quando uma ou duas rodas tiverem no ar, avalia-se a capacidade de enviar torque para as rodas em contato com o chão.
Manobrabilidade: precisão da direção e otimização da plataforma para reduzir o raio de giro e facilitar as manobras em trilhas apertadas.
Vedação contra água: selagem adicional da parte elétrica e elevação da tomada de ar do motor, para travessia de rios e alagados.
Todos os atuais modelos da gama da Jeep estavam disponíveis para o teste, incluindo o Renegade e o Compass (que nos EUA têm o motor 2.4 da Toro nas versões Trailhawk) e a Gladiator, recém-lançada picape do Wrangler, além do próprio jipe.
A trilha Lyman é curta, mas reúne todos os ingredientes necessários para validar um carro fora-de-estrada. Com nível de dificuldade médio, é interessante por deixar bem claras as diferenças e limitações de cada Jeep. Fazer o trajeto com o Renegade e depois com a Gladiator é quase como andar num autódromo com um carro de turismo e depois com um F1. Onde o "Jeepinho" precisa se esforçar para passar, a picape tira de letra. A capacidade de tração da Gladiator, por exemplo, é cerca de quatro vezes maior que a do Renegade.
Comecei pelo Renegade justamente pela curiosidade - afinal, trata-se do SUV mais vendido do mercado brasileiro, ainda que a esmagadora maioria das vendas seja das versões 4x2. A trilha se inicia com uma descida seguida de um trecho de pedras e um generoso lamaçal. Se eu tivesse sozinho, certamente que pararia o carro e verificaria a profundidade e o tipo de piso para ver se dava para passar. Mas, como se tratava de uma atividade controlada, entrei direto na poça. O solo era firme, mas no final complicava, e então o Renegade entrou no facão formado pelos carros que passaram antes e foi "ensaboando" até a saída do obstáculo.
Depois da lama, o desafio era uma subida que, de longe, parecia fácil. O problema é que, ao se aproximar, percebi que na verdade era praticamente uma escada com diversos degraus de terra para superar. Era preciso subir com certa velocidade para aproveitar a inércia. Se o carro parasse em um dos degraus, não teria força para subir. O Renegade então foi pulando e exigindo do motor, mas chegou ao topo sem maiores dramas.
Outras subidas e descidas colocaram à prova a altura livre do solo (22,1 cm no caso do Renegade 2.4 Trailhawk) e os ângulos de ataque (30,5 graus), central (25,7 graus) e saída (34,4 graus). Vale lembrar que a versão Trailhawk tem desenho exclusivo no para-choque dianteiro (para melhor ângulo de ataque), pneus de uso misto e maior vão livre do solo. Como dito anteriormente, não basta a tração nas quatro rodas para ser um "Trail Rated".
No fim, a prova mais desafiadora: uma "caixa de ovos" com uma sequência de erosões profundas, onde o Renegade ficava com até duas rodas no ar. Enquanto superava os buracos, o SUV ia "caindo" de um lado para o outro. A manha aqui é novamente aproveitar a inércia para não parar no meio dos buracos. Era perceptível o trabalho do sistema 4x4 na distribuição de torque para as rodas em contato com o solo, até que o carro ganhasse tração novamente.
Nos EUA, o Compass é considerado mais irmão do Renegade do que no Brasil. Por lá, os dois são vendidos como compactos e o Compass é apenas uma opção com design mais tradicional - no Brasil ele é vendido como SUV médio. Mecanicamente, os dois são praticamente idênticos, o que explica o comportamento muito parecido entre eles na trilha. O motor é o mesmo 2.4 a gasolina e o câmbio de 9 marchas tem a primeira reduzida, para compensar a ausência de uma caixa reduzida de verdade. No Brasil, este mesmo câmbio é aplicado ao motor 2.0 Multijet turbodiesel, que para o off-road é mais competente que o 2.4, com maior torque em baixas rotações - são 170 cv e 35,7 kgfm a 1.750 rpm no propulsor a diesel, contra 180 cv e 24,2 kgfm a 3.900 rpm do gasolina.
O que era uma prova de fogo para Renegade e Compass foi quase um passeio no parque para a Gladiator. Armada com reduzida, enormes cursos de suspensão e nada menos que 28,2 cm de altura livre solo, a picape simplesmente ignorou o lamaçal, a subida em escada e inclusive as erosões. Enquanto o Renegade e o Compass ficavam com as rodas no ar e "caíam" de um lado para o outro, a picape em hora alguma chegou a levantar a "patinha". Impressionante.
A picape do Wrangler, aliás, oferece todos os diferenciais do jipe, como a possibilidade de tirar as portas, a capota e baixar o para-brisa, permitindo aproveitar o contato com a natureza como na época dos velhos Willys. Uma pena que a Jeep não tenha planos de vendê-la no Brasil.
Por Daniel Messeder, de Ann Arbor, EUA
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